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Capítulo 5

 

 

Encontro com Olcott (outubro de 1874)

 

            Henry Steel Olcott nasceu em 2 agosto de 1832, em Orange, New Jersey, sendo o mais velho dos seis filhos de um casal de presbiterianos. Entrou aos quinze anos na Universidade de Nova Iorque, mas dificuldades financeiras de seu pai o obrigaram a abandonar os estudos e ir trabalhar numa fazenda, em Ohio. Ele lá foi introduzido ao Espiritismo, por irmãos de sua mãe. Também estudou e passou a praticar passes mesméricos. (Murphet 1972, 6)

 

            Após alguns anos no campo, voltou aos estudos dedicando-se a pesquisas na área da agricultura. Ele abriu uma escola de agricultura e escreveu dois livros, mas a escola acabou falindo. Foi então morar em Nova Iorque com sua irmã Belle Mitchell. Sua experiência em dar aulas e escrever lhe ajudaram a conseguir um emprego como jornalista no New York Tribune.

 

            Em abril de 1860 casou-se com Mary Morgan. Em 1861 alistou-se como voluntário na guerra civil de secessão. Em novembro de 1862 foi designado encarregado especial do Departamento de Guerra para chefiar investigações de fraude e corrupção. Sua determinação, retidão e integridade de caráter fizeram com que ele prestasse outros serviços desse tipo, que acabaram lhe rendendo a patente de Coronel. Em 1865 ele deixou as investigações e dedicou-se ao estudo de Direito e advogou por algum tempo.

 

            Olcott divorciou-se de Mary no início dos anos 70. A união gerou quatro filhos, dos quais apenas dois sobreviveram.

 

            Em julho de 1874, Olcott leu um artigo sobre fenômenos de materialização de espíritos que estavam ocorrendo em Chittenden, Vermont. Resolveu então ir até Chittenden, na granja dos Eddy, onde passou quatro dias acompanhando de perto os fenômenos. Houve a aparição de 32 formas, “índios e índias, pessoas brancas e jovens e velhas, cada qual vestida de um modo diferente.” (Gomes 1987, 29) A aparição mais vívida era Honto, uma menina índia de pele escura cor de cobre e longos cabelos pretos.

 

            Voltando a Nova Iorque, escreveu um artigo para o New York Sun, que foi publicado em vários jornais do país, causando grande sensação.

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Olcott foi então convencido pelo editor do New York Graphic a voltar para a granja dos Eddy. Ele foi para lá em 17 de setembro de 1874, e permaneceu até novembro realizando investigações. Os artigos de Olcott eram publicados duas vezes por semana, com seus relatos acompanhados de desenhos das aparições. Em março de 1875 os artigos foram compilados e publicados sob o título “People from The Other World” (Gente do Outro Mundo).

 

            Madame Blavatsky havia lido os artigos de Olcott e em 14 de outubro de 1874 foi para Chittenden com a intenção de encontrá-lo. Olcott descreve o primeiro encontro:

 

“Eu me apresentei. Tornamo-nos amigos imediatamente. Cada um de nós sentia-se como se fôssemos do mesmo mundo social, cosmopolitas, livres-pensadores e em contato mais próximo do que com o resto das pessoas que lá estavam, embora alguns fossem inteligentes e dignos. Isso era resultado da simpatia que ambos sentiam pelo lado oculto superior do homem e da natureza; e da atração de alma para alma, não aquela de sexo para sexo. Nem então, no início, nem nunca mais dali por diante, qualquer um teve o sentimento de considerar o outro como sendo do sexo oposto. Éramos simplesmente companheiros; assim um considerava ao outro, assim um chamava ao outro. Algumas pessoas, de tempos em tempos, ousavam sugerir que um laço mais íntimo nos unia, assim como diziam que a pobre, obesa e perseguida HPB havia sido amante de vários outros homens, mas nenhuma pessoa pura poderia manter tal opinião após passar algum tempo em sua companhia, vendo como cada olhar, palavra e ação proclamavam sua assexualidade.” (ODL I, 5)

 

            Com a presença de HPB em Chittenden, outros espíritos começaram a surgir. Na noite do dia 14 de outubro um antigo servo de sua tia Catherine apareceu e tocou a “Lezguinka”, uma canção da Geórgia. Na noite seguinte, mais sete formas novas surgiram, entre elas um antigo guarda-costas de Helena, Safar Ali Bek e uma babá que ela e a irmã tiveram quando crianças.

 

            Ainda em Chittenden, a ferida de HPB na altura do coração reabriu ligeiramente. Ela deu a entender a Olcott que o ferimento fora adquirido em 1867 na batalha de Mentana. Porém, como já vimos, logo após o retorno de Helena à Rússia, em 1859, esse estranho ferimento já existia e havia causado grande preocupação à família.

 

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            Na última sessão em que Madame Blavatsky participou, na noite de 24 de outubro, um dos espíritos se dirigiu a ela dizendo que daria uma prova concreta da genuinidade das manifestações que lá estavam ocorrendo: “Colocarei em suas mãos o prendedor da medalha de honra usada em vida por seu valente pai, e enterrada com seu corpo na Rússia.” Logo a seguir, HPB emitiu uma exclamação e quando a luz foi jogada sobre ela “todos nós vimos Mad. de B. segurando em suas mãos um prendedor de prata de um tipo muito curioso, que ela olhava admirada e sem palavras.” (Gomes 1987, 41)

 

            Seu pai havia morrido em 27 de julho de 1873 e, para provar a autenticidade do prendedor, ela mostrou uma foto de um retrato a óleo do pai em que ele usava a medalha presa por uma fita a esse prendedor.

 

            A excitação foi grande e a notícia logo foi para os jornais. D.D. Home, o médium, acusou-a então de fraude, com base no fato de que na Rússia não era um hábito enterrar os mortos com suas medalhas. Explicando para Aksakov, HPB lhe escreve que o “espírito” John King havia lhe dado a medalha, trazendo-a do túmulo de seu pai em Stavrapol, dizendo: “a trazemos como uma lembrança nossa, em quem você acredita e tem fé.” (Neff, 203)

 

            Como veremos mais adiante, John King, o “espírito” barbudo que estava executando esses fenômenos, era na verdade um membro da Hierarquia Oculta que atuava como instrutor de HPB. Essa conclusão é reforçada pela frase acima, pois não era nos espíritos desencarnados em quem ela acreditava e tinha fé, mas sim nos Mestres e Adeptos da Hierarquia Oculta.

 

            Numa carta para Solovyoff, HPB comenta sobre essa característica de dubiedade dos fenômenos, dizendo:

 

“Eu aprendi que não há como convencer pessoas apenas com fatos suspeitos, e também que todo fenômeno genuíno sempre mostra um ou outro lado fraco, sobre o qual é fácil os oponentes se apegarem.” (Solovyoff, 248)

 

 

Katie King: um Espírito Desencarnado, ou a Sra. White?

 

            Quando Olcott voltou para Nova Iorque, em novembro de 1874, encontrou duas cartas de Robert Dale Owen convidando-o para ir a Filadélfia, onde o espírito “Katie King” estava fazendo aparições.

 

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            Katie King era um espírito que costumava se materializar em sessões com a médium Florence Cook, em Londres. William Crooks, que investigava o caso na Europa, chegou a fazer fotografias de Katie King e Florence Cook. Em maio de 1874 Katie King despediu-se das sessões em Londres dizendo que não mais voltaria. Oito dias depois começou a materializar-se nos Estados Unidos. Nessas aparições Katie King pediu ao Dr. Henry Child que escrevesse a Robert Dale Owen relatando o que estava acontecendo.

 

            Owen era um espírita convicto e uma pessoa de destaque dentro da sociedade americana. Seu interesse pelo espiritismo começou em 1856, quando trabalhava em Nápoles como embaixador americano, ocasião em que presenciou algumas experiências de escrita automática, que para ele foram “evidência experimental de um outro mundo.” (Gomes 1987, 46) A partir daí ele começou a pesquisar e a escrever sobre o assunto. Seu livro The Debatable Land Between This World and the Next (O Discutível Terreno Entre esse Mundo e o Seguinte), em 1872, foi um grande sucesso. Em 1874 ele era a figura mais conhecida e respeitada em conexão com o Espiritismo nos EUA.

 

            Quando ele recebeu a carta de Child, em maio, sobre as aparições de Katie King nas sessões dos Holmes, foi imediatamente para lá, onde participou de 41 sessões nas quais o espírito se materializou. Durante os quase dois meses que Owen ficou por lá, ele costumava dar pequenas joias para Katie King, como uma cruz de pérolas que havia sido de sua mãe. Para ele, era a experiência mais marcante de sua vida.

 

            Owen escreveu vários artigos sobre o fenômeno Katie King, chamando a atenção nacional. Os Holmes se tornaram uma celebridade e não era fácil conseguir participar de suas sessões. Era necessário ser apresentado por amigos e ainda pagar 1 dólar de entrada, mas a pequena sala estava sempre lotada. Em 16 de julho, quando Owen partiu, Katie King predisse que ele voltaria no outono.

 

            O Dr. Henry Child passou atuar como uma espécie de promotor dos Holmes e escreveu para o jornal de Chicago, Religio-Philosophical Journal, uma biografia de Katie King em capítulos, onde dava detalhes de quem havia sido o espírito, onde nascera etc. Para Child, ela teria sido Annie Morgan, filha de Sir Henry Morgan, mais conhecido como John King. Após a partida de Owen, os Holmes também deixaram a cidade.

 

            Em outubro de 1874, quando as sessões recomeçaram, já corriam rumores de que os Holmes haviam praticado fraudes em Chicago, onde

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eles haviam realizado algumas sessões durante o verão. Owen reagiu contra essas acusações, pois estava convencido da veracidade das aparições.

 

            No meio de novembro de 1874, HPB conheceu Michael Betanelly, de Filadélfia, o qual aparentemente apaixonou-se por ela. No final de novembro HPB foi para Filadélfia e passou a frequentar as sessões dos Holmes.

 

            Em novembro, Owen recebeu uma carta de William Crookes, de Londres, relatando que pela fotografia recebida, a Katie King americana era muito diferente da londrina e, além disso, a londrina havia se comunicado algumas vezes por escrito e persistentemente declarava que não era ela que estava se manifestando em Filadélfia.

 

            Owen então escreveu para Olcott convidando-o para vir até Filadélfia e investigar as aparições de Katie King. No início de dezembro de 1874 surgiram denúncias de que, na verdade, Katie King não era um espírito, mas uma mulher viva, Eliza White, que se fazia passar pelo espírito.

 

            Eliza White mostrou numa “sessão” particular para Owen e Child a forma como fraudulentamente se fazia passar por Katie King. Embora Katie King tenha se materializado na casa dos Holmes, do outro lado da cidade, nesse exato momento, os dois, convencidos da farsa, desconsideraram essa sincronicidade e retiraram imediatamente todo o apoio e credibilidade que vinham dando aos Holmes.

 

            Escreveram ao público sobre a mudança em suas convicções, o que gerou um escândalo de grande destaque nos jornais da semana seguinte. Eliza White ainda declarou aos jornais que encenara a farsa por ser uma viúva em dificuldades financeiras. Também declarou ter sido a cúmplice dos Holmes, e que quase fora descoberta em Chicago, naquele verão. (Gomes 1987, 55)

 

 

Comitê de Investigação dos Fenômenos (janeiro de 1875)

 

            Olcott chegou em Filadélfia em janeiro de 1875 e estabeleceu um comitê para lhe auxiliar na investigação dos fenômenos dos Holmes, composto pelo General Francis J. Lippitt, J.M. Roberts, Madame Blavatsky e ele mesmo. Todos os membros desse comitê publicaram seus depoimentos sobre o caso. Tanto Lippitt quanto Roberts acreditavam na genuinidade da mediunidade da Sra. Holmes.

 

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            Em abril de 1875, HPB publicou duas cartas sobre essa questão, uma intitulada The Philadelfia “Fiasco,” or Who is Who? (O “Fiasco” de Filadélfia, ou Quem é Quem?) (CW I, 56), e a outra Who Fabricates? (Quem Inventa?) (CW I, 75). Na primeira delas ela fala a respeito de quão pouco esclarecida estava a história toda de Katie King.

 

            Os Holmes também escreveram cartas com suas explicações e protestos, porém nada do que eles enviaram para a imprensa foi publicado. A imprensa agora mostrava os espíritas como farsantes. Em sua carta, HPB descreve uma das experiências de Olcott com a Sra. Holmes. Ela foi colocada amarrada dentro de um saco e no meio de uma sala, totalmente impossibilitada de usar suas mãos. Nessas condições:

 

“... os contornos de um rosto apareceram, os quais gradualmente formaram a clássica cabeça de John King, com turbante, barba e tudo. Ele gentilmente permitiu que os investigadores acariciassem sua barba, tocassem seu rosto quente e batessem de leve suas mãos nas dele.” (CW I, 60)

 

            Madame Blavatsky afirma que havia visto o espírito de Katie King na sessão em que Owen e Child estavam presentes e que esse não se parecia com a Sra. White. Ela também critica Child na questão financeira, dizendo que havia pago a entrada de 1 dólar com uma nota de 5 dólares e que não havia recebido e troco, sob e pretexto de que ficaria como futuros ingressos. E que ele ficava com a maior parte de dinheiro arrecadado, pagando apenas 15 dólares aos médiuns por sessão.

 

            Assim, HPB nesse artigo mostra que a situação era complexa e que qualquer julgamento nesse momento poderia ser precipitado, havendo a necessidade de maiores investigações. Porém, em seu Scrapbook, ao lado do recorte de seu artigo, ela anotou:

 

“A tempestade Child-Holmes de Filadélfia. Os médiuns, Sr. e Sra. Holmes, são descobertos trapaceando. Eu disse isso a Olcott, mas ele não podia acreditar. HPB versus Dr. Child. Child era um cúmplice. Ele pegou dinheiro das sessões dos Holmes. Ele é um tratante.” (CW I, 58)

 

            E logo a seguir, em seu Scrapbook, vem a famosa “Nota Importante”, um manuscrito na caligrafia de HPB, que só foi publicado após sua morte, no qual ela revela que havia sido obrigada a intervir, salvando a situação:

 

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“Sim, eu sinto ter que dizer que tive que me identificar com os espíritas durante aquele vergonhoso desmascaramento dos Holmes. Tive que salvar a situação, pois fui enviada de propósito de Paris para a América para provar os fenômenos e sua realidade e – mostrar a falácia das teorias espíritas de ‘Espíritos’. Mas como poderia ter feito melhor? Não queria que as pessoas em geral soubessem que poderia produzir a mesma coisa à vontade. Eu havia recebido ORDENS em contrário e, ainda assim, tinha que manter viva a realidade, o caráter genuíno e a possibilidade de tais fenômenos nos corações daqueles que de materialistas se tornaram espíritas e agora, devido ao desmascaramento de vários médiuns, retrocederam novamente, voltando para seu ceticismo. É por isso que, escolhendo alguns poucos entre os confiáveis, fui à casa dos Holmes e, auxiliada por M.:. e seu poder, mostrei as faces de John King e Katie King na luz astral, produzi o fenômeno da materialização e – permiti que os espíritas em geral acreditassem que isso havia sido feito através da mediunidade da Sra. Holmes. Ela mesma estava terrivelmente assustada porque sabia que dessa vez a aparição era real. Será que agi mal? O mundo ainda não está preparado para compreender a filosofia das Ciências Ocultas – deixe-os antes de tudo se assegurarem de que existem seres em um mundo invisível, sejam eles ‘Espíritos’ dos mortos ou Elementais; e de que há poderes ocultos no homem que são capazes de transformá-lo em um Deus na terra.” (CW I, 73)

 

            E depois HPB profetiza o quanto seria reconhecida depois de sua morte, embora em vida fosse tão caluniada:

 

“Quando estiver morta e tiver desaparecido as pessoas irão, talvez, reconhecer minha motivação desinteressada. Empenhei minha palavra em dedicar-me enquanto for viva a auxiliar as pessoas em direção à Verdade – e cumprirei minha palavra. Deixemos que alguns me chamem uma MÉDIUM e uma espírita, e outros uma impostora. Chegará o dia em que a posteridade aprenderá a me conhecer melhor. Oh pobre, tolo, crédulo e perverso mundo.”(CW I, 73)

 

            E no final do manuscrito ela revela que o Mestre Morya lhe havia ordenado formar “uma Sociedade – uma sociedade secreta como a Loja Rosacruz. Ele promete auxiliar.” (CW I, 73). Assim, já no início de 1875, aparece uma menção com relação ao plano de fundar a Sociedade Teosófica.

 

 

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Casamento com Michael Betanelly (abril de 1875)

 

            Em março Olcott lança seu livro People from the Other World (Gente do Outro Mundo) e vai novamente para Filadélfia visitar Madame Blavatsky, que nessa ocasião estava morando no endereço de Betanelly. Ele trabalhava com importação e exportação e era, tanto intelectual e quanto socialmente falando, de um nível inferior ao de HPB.

 

            Ela casou-se com Betanelly em 3 de abril de 1875 e diz ter aceito o casamento com a condição de que seus direitos como marido se resumiriam em lhe dar uma casa e condições para que ela pudesse desenvolver seu trabalho. Olcott, que estava na cidade por ocasião do casamento, não compareceu a cerimônia. Para ele, o casamento foi um “acesso de loucura” de Madame Blavatsky. (ODL I, 56)

 

            Olcott descreve que Betanelly estava imbuído de uma admiração profunda por HPB e que não queria nada além de poder estar perto e auxiliá-la em seu trabalho. Mas logo “o amor dele por ela terminou” e sua atitude mudou. (LMW 2nd Series, 25)

 

 

 

HPB jovem, 1848.

 

 

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