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Capítulo 6

 

 

John King: Um Pedaço Não Digerido da Literatura Teosófica

 

            John King é um personagem da história teosófica muito pouco conhecido e muito pouco compreendido. A grande maioria das biografias e estudos sobre a Sociedade Teosófica e Madame Blavatsky apenas o mencionam rapidamente, como se sua importância fosse completamente marginal. Isso acontece por ele ser um personagem muito controvertido, que às vezes parece ser um elemental brincalhão manipulado por HPB, outras vezes o espírito de um pirata desencarnado, e em outras ocasiões apresenta-se como um Adepto Iniciado da Hierarquia Oculta.

 

            Decifrar John King, mostrando sua verdadeira identidade e a importância de seu papel, não é uma tarefa fácil. Como Spierenburg escreveu: “Na literatura teosófica, John King é um pedaço não digerido [“an undigested lump”]. Temos que admitir isso.” (Spierenburg, 168). Vamos examinar o personagem John King, mostrando alguns aspectos de sua importante participação na vida de Olcott e da Velha Senhora, como alguns amigos de HPB a chamavam.

 

 

John King: Ele é Meu Único Amigo

 

            A falta de maiores informações sobre John King pode ser exemplificada por sua pequeníssima menção na volumosa obra biográfica de Sylvia Cranston. Esse livro, que no original tem 648 páginas, usa somente um parágrafo para falar sobre John King:

 

“Quem é o John King mencionado acima? Como HPB foi ordenada a não revelar, de início, que os fenômenos que ocorriam em sua presença eram realizados por ela mesma, ela tinha que atribuí-los a alguém, e John King, um nome familiar nos círculos espíritas, foi o escolhido. lsto satisfez a Olcott, que ainda era um espírita convicto. Ele próprio comenta: “Não me fizeram de início acreditar que eu estava lidando com espíritos desencarnados; e não me apresentaram um disfarce para dar batidas, escrever e produzir para mim formas materializadas sob o pseudônimo de John King?” O nome era também usado por HPB nessa época como

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um despiste para seus instrutores e seus agentes. “Pouco a pouco”, Olcott acrescenta, “HPB me fez saber da existência de adeptos orientais e seus poderes, e me deu, por meio de um grande número de fenômenos, as provas de seu próprio controle sobre as forças da natureza [até então] atribuído a John King.” (Cranston, 132)

 

            Ou seja, Cranston nos dá a entender que a própria Madame Blavatsky era a autora de quase todos os fenômenos que ela atribuía a John King. E que, ocasionalmente, embora de uma forma não explicada por Cranston, John King também poderia estar servindo como um disfarce para os instrutores de HPB.

 

            Entretanto, especialmente quando estudamos o período em que HPB morou em Filadélfia, logo nos damos conta que esse personagem provavelmente era o verdadeiro autor de muitos fenômenos e que, certamente, estava muito longe de ser uma figura marginal, tanto na vida de HPB, quanto na de Olcott. Uma demonstração disso é o depoimento que Madame Blavatsky deu, numa carta para Aksakov, onde ela manifestou sua imensa gratidão a John King pela mudança em sua vida:

 

“... o espírito John King gosta muito de mim e eu gosto mais dele do que de qualquer outra coisa na terra. Ele é meu único amigo e se estou em dívida com alguém pela mudança radical em minhas ideias sobre a vida, meus esforços e assim por diante, é tão somente com ele. Ele me transformou e eu estarei em dívida com ele quando ‘for para o andar de cima’, por não ter que viver, talvez por séculos, na escuridão e no desalento.” (Solovyoff, 247)

 

            Outra demonstração clara da importância de John King é dada por Olcott:

 

“Pouco a pouco, HPB me fez saber da existência de adeptos orientais e seus poderes, e me deu, por meio de um grande número de fenômenos, as provas de seu próprio controle sobre as forças da natureza. De início, como já comentei, ela os atribuiu a “John King” e foi através de sua mencionada amizade que primeiro entrei em correspondência pessoal com os Mestres. (...) Alguns, como Damodar e HPB, primeiro os viram em visões quando ainda eram jovens; alguns os encontraram sob estranhos disfarces nos locais mais improváveis; eu fui apresentado a eles por HPB através do meio que minhas experiências anteriores poderiam tornar mais compreensível, um pretenso “espírito” que incorporava em médiuns.

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John King trouxe quatro dos Mestres à minha atenção, dos quais um era um Copta, outro era um representante da escola neoplatônica de Alexandria; outro – um muito elevado, um Mestre dos Mestres, por assim dizer – era um Veneziano; e outro um filósofo inglês, desaparecido da vista dos homens, porém não morto. O primeiro foi meu primeiro Guru”. (ODL I, 17-19)

 

            Como é que um ser com quem ela diz estar em dívida “pela mudança radical em minhas ideias sobre a vida, meus esforços e assim por diante” poderia ter uma importância pequena na vida de HPB? Como alguém que “trouxe quatro dos Mestres” à atenção de Olcott poderia ter uma importância menor? É claro que sua importância não é marginal, mas sim decisiva!

 

 

“Mensageiro e Servo – Nunca Igualado – dos Adeptos Vivos”

 

            Em novembro de 1874, quando Olcott voltou para Nova lorque após a investigação na Fazenda dos Eddy, ele foi ao apartamento de HPB. Lá Madame Blavatsky realizou para ele “algumas sessões onde ocorriam batidas nas mesas, soletrando mensagens”. (ODL I, 10) As mensagens vinham principalmente de uma inteligência invisível que se autodenominava “John King”, sobre quem Olcott relata:

 

            “Esse pseudônimo tem sido familiar a frequentadores de sessões mediúnicas, por todo o mundo, nos últimos quarenta anos. Foi ouvido pela primeira vez em 1850 na ‘sala de espíritos’ de Jonathan Koons, de Ohio, onde ele dizia ser o chefe de uma tribo ou tribos de espíritos. Mais tarde, ele disse que era a alma penada de Sir Henry Morgan, o famoso bucaneiro, e como tal se apresentou a mim. Mostrou-me sua face e sua cabeça coberta por um turbante, em Filadélfia, durante minhas investigações no caso dos médiuns Holmes (...). Ele tinha uma caligrafia singular e usava expressões não usuais do inglês antigo.” (ODL I, 10)

 

            Na época, Olcott realmente convenceu-se que John King era um espírito desencarnado. Porém, com o passar dos anos, e com maiores conhecimentos da filosofia do Ocultismo e dos poderes de HPB, ele entendeu que embora os fenômenos fossem reais, não eram realizados por um espírito desencarnado. Olcott, então, passou a achar que existia

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mais de um John King, entre os quais um elemental que HPB usava como instrumento em seu treinamento:

 

“Ela manteve a ilusão por meses – pela distância dos anos, não consigo me lembrar exatamente quantos – e eu vi muitos fenômenos feitos, conforme se afirmava, por John King. (...) Primeiro ele era John King, uma personalidade independente; depois era John King, mensageiro e servo – nunca igualado – dos adeptos vivos e, finalmente, era um elemental, puro e simples, empregado por HPB”. (ODL I, 11)

 

            Naturalmente é o segundo John King, “mensageiro e servo – nunca igualado – dos adeptos vivos” que mais nos interessa.

 

 

John King e a Fraternidade de Luxor

 

            Havia naquela época um pequeno jornal independente, chamado de Spiritual Scientist, que era publicado e editado em Boston, por Gerry Brown. O jornal era reconhecido como um porta voz do Espiritismo. Havia a intenção de que HPB, Olcott e Gerry Brown trabalhassem juntos.

 

            Como Brown passava por uma fase financeira difícil, HPB pediu a Olcott que escrevesse uma circular falando do jornal. Olcott diz ter escrito toda a circular sem que ninguém tivesse lhe ditado uma palavra sequer. Quando estava para ser publicada, Olcott perguntou a HPB, por carta, se a circular deveria ser assinada por ele ou deveria ficar anônima.

 

            Madame Blavatsky então respondeu que ele deveria assinar: “Pelo Comitê dos Sete, FRATERNIDADE DE LUXOR”, pois o trabalho deles estava sendo supervisionado por esse comitê. Assim foi publicado no final de abril.

 

            Quando Olcott mostrou a circular já publicada a HPB ela leu e riu, mostrando-lhe que as iniciais dos seis parágrafos da circular formavam o nome do Adepto egípcio, Tuitit. Olcott relata que o aparecimento da palavra Tuitit lhe causou uma profunda impressão, pois demonstrava que o espaço não era impedimento para o Instrutor influenciar e dirigir seu pupilo. (ODL I, 76)

 

            HPB colou o recorte da circular em seu Scrapbook e escreveu em baixo: “Enviado para Gerry Brown por ordem de S*** e T*** B*** de

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Lukshoor. (Publicado e editado pelo Cel. Olcott por ordem de M.)” Abaixo dessas palavras de HPB. Olcott escreveu, provavelmente anos mais tarde: “mas inconsciente de qualquer agente exterior. HSO.” (CW I, 87)

 

            A primeira carta que Olcott recebeu veio da “Fraternidade de Luxor”, em nome de Tuitit Bey. Não se sabe exatamente a data dessa carta mas, pelo seu conteúdo, pode-se inferir que foi em torno de maio de 1875. Nessa carta o Irmão “John” já aparece como um elo entre Olcott e a Hierarquia Oculta:

 

“Irmã Helena é uma servidora valente e de toda a confiança. Abra vosso espírito à convicção, tenha fé e ela vos conduzirá ao Portão Dourado da verdade. (...) Nosso bom irmão ‘John’ na verdade agiu impetuosamente, mas sua intenção foi boa. Filho do Mundo, se vós de fato a eles ouvis, então TENTE. (...) Irmão ‘John’ trouxe três de nossos Mestres para vos olhar após a sessão. Vossas nobres exortações em favor de nossa causa agora nos dão o direito de vos deixar saber quem eram:

SERAPIS BEY (Seção de Ellora),

POLYDORUS ISURENUS (Seção de Salomão),

ROBERT MORE (Seção de Zoroastro)

(...) Por Ordem do Grande .:. TUITIT BEY

Observatório de Luxor, Manhã de terça-feira, Dia de Marte.” (HPB Speaks I, 8)

 

            Há também uma carta de HPB para Olcott que certamente acompanhou a carta de Tuitit Bey, pois nela Madame Blavatsky explica como a carta de T.B. havia sido escrita. Ela também confirma que essa era a primeira carta dos Mestres que Olcott estava recebendo. Nessa carta Madame Blavatsky escreve:

 

“Eu a recebi nesse exato momento. Tenho o direito e ousei segurar por algumas horas a carta enviada a você por Tuitit Bey, pois somente eu devo responder pelos efeitos e resultados das ordens de meus Chefes. (...) A mensagem foi ordenada em Luxor, um pouco depois da meia noite, entre segunda e terça feira. Escrita [em] Ellora, na aurora, por um dos secretários neófitos, e muito mal escrita. Eu quis me certificar com T.B. se ainda era sua vontade que ela fosse enviada num tal estado de rabiscos humanos, uma vez que ela era direcionada para alguém que recebia uma tal coisa pela primeira vez.” (HPB Speaks I, 1-2)

 

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            Então, ela revela que sua opinião era que, ao invés dessa carta, Olcott deveria receber um pergaminho mágico para que, tendo um fenômeno concreto em suas mãos, ele pudesse dissipar um pouco das dúvidas que os “truques de John” certamente estavam lhe causando:

 

“Minha sugestão era deixá-lo ter um de nossos pergaminhos, no qual o conteúdo aparece (materializado) sempre que você põe seus olhos sobre ele para lê-lo, e desaparece a cada vez, assim que você tiver terminado, pois, como respeitosamente inferi, você um pouco antes tinha ficado confuso com os truques de John e talvez sua mente, apesar de sua crença sincera, precisasse do reforço de alguma prova mais substancial.” (HPB Speaks I, 2)

 

            Porém, Tuitit Bey foi contra isso, respondendo que:

 

“Uma mente que procura as provas da Sabedoria e do Conhecimento em aparências externas, como nas provas materiais, não é merecedora de ser introduzida nos grandes segredos do ‘Livro da Sophia Sagrada’. Aquele que nega o Espírito e o questiona com base em sua roupagem material, a priori nunca o conseguirá. Tente.” (HPB Speaks I, 2)

 

            Após alertar Olcott para a repreensão de Tuitit Bey, HPB lhe aconselha a ir com calma no caminho da busca da Sabedoria, pois nem sempre “John” estaria a postos para socorrê-lo, evidenciando mais uma vez o papel de John King como um instrutor nesse Caminho:

 

“Agora meu conselho para você, Henry, um conselho de amigo: não voe alto demais, batendo seu nariz nos caminhos proibidos do Portão Dourado sem alguém para lhe guiar; pois John não estará sempre lá para pegá-lo a tempo pelo colarinho e trazê-lo a salvo para casa. O pouco que eles fazem por você é maravilhoso para mim, pois nunca os vi tão generosos desde o início. (...) Eu sou uma pobre iniciada, e sei que maldição a palavra ‘Tente’ se provou em minha vida, e o quão frequentemente eu tremi e temi não compreender bem suas ordens, e trazer punição sobre mim, tanto por levá-las longe demais, quanto por não levá-las longe o bastante.” (HPB Speaks I, 3)

 

 

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John King como Advogado de HPB

 

            Em junho de 1874, HPB havia feito uma sociedade com a Sra. Clementine Gerebko com o objetivo de explorar uma fazenda em Northport, Long Island, que já pertencia a essa senhora. Madame Blavatsky entrou com mil dólares e, pelo contrato firmado, todo o resultado das plantações, criação de aves domésticas ou qualquer outro produto gerado na Fazenda seria dividido igualmente, assim como todas as despesas.

 

            HPB foi morar na fazenda mas logo entrou em litígio com a Sra. Gerebko e voltou para Nova Iorque, buscando judicialmente ter seu dinheiro de volta. A firma de advogados Bergen, Jacobs e Ivins de Nova Iorque representou-a no caso, que foi a julgamento em 26 de abril de 1875.

 

            Naquela época, Long Island, onde ocorreu o julgamento, era distante do Brooklyn, pois os meios de transporte eram muito limitados. Como o inglês de HPB ainda era muito pobre, ela deu seu depoimento em Francês, tendo um intérprete. Por duas semanas o juiz, os advogados, os escrivães, clientes e intérpretes se hospedaram num hotelzinho. (CW I, 84)

 

            Charles Flint, em seu livro Memories of an Active Life, relata as circunstâncias do julgamento. Antes da audiência, Ivins havia combinado com Madame Blavatsky os pontos que ela deveria enfatizar em seu depoimento e aqueles que deveria evitar. Entretanto, na hora de seu depoimento, HPB começou a seguir uma linha de argumentação bem oposta àquela que seus advogados haviam combinado com ela, para desespero dos mesmos.

 

            Quando eles reclamaram com ela e perguntaram o porquê dessa atitude, ela respondeu que “seu ‘conhecido’, a quem ela chamava de Tom [John] King, ficou de pé ao seu lado (invisível a todos exceto para ela mesma) e lhe ditou o seu depoimento.” (CW I, 85) HPB confirma essa ajuda de John King numa carta para seu amigo general Lippitt:

 

“Eu ganhei mais uma ação judicial, e talvez possa recuperar $5.000 do que perdi. John me ajudou na minha ação judicial, isso é certo, mas ele fez uma coisa muito feia, embora não do ponto de vista do ‘Summerland’ [morada dos espíritos], mas sim de acordo com o código de honra humano, terreno.” (HPB Speaks I, 90)

 

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            É provável que a “coisa muito feia” a que ela está se referindo seja uma briga ocorrida entre os dois advogados, aparentemente insuflada por John King, pois ela escreve ao general Lippitt:

 

“... Sr. John, em seu ardente desejo de me ajudar, levou seu zelo longe demais. Ouça o que aconteceu. Após o veredicto, Marks, o advogado da acusada, me insultou, dizendo que eu havia ganho a causa através da falsificação de certos documentos. Se eu tivesse ignorado o insulto, tudo estaria bem, mas eu não o fiz, e chamei meu advogado para testemunhar o insulto. Meu advogado chamou Marks de um maldito perjuro, um judeu e um mentiroso. O outro devolveu o cumprimento, e meu advogado, instigado por John (pois ele diz que não pode entender como ele fez isso), agarrou-o pelo pescoço e, jogando-o no chão, lhe deu a mais espetacular surra para o deleite da audiência e dos jurados, pois isso ocorreu na Sala da Corte, bem diante do nariz do juiz.” (HPB Speeks II, 175)

 

            Após o julgamento, HPB deixou a cidade e escreveu várias cartas a Ivins, perguntando sobre o andamento do processo e, finalmente, o deixou atônito com uma carta onde ela fazia uma previsão da decisão da Corte. Confirmando sua previsão, a corte lhe deu ganho de causa baseando-se em argumentos muito semelhantes aos que ela havia antecipado em sua carta. HPB recebeu 1.146 dólares e as custas.

 

 

John King em Filadélfia

 

            O maior número de fenômenos produzidos por John King foi registrado no período em que Madame Blavatsky estava casada com Betanelly, morando em Filadélfia. São exatamente esses fenômenos que fazem dele uma figura tão controvertida. Esses registros aparecem nas cartas de HPB, de Olcott e de Betanelly para o general Lippit. Betanelly escreve:

 

“Não há fim para essas maravilhas. Embora eu seja um espírita há apenas 5 meses, tenho visto e testemunhado mais manifestações de espíritos, e vejo mais delas a cada dia, do que muitos outros viram em suas longas vidas.

            “Não tenho tempo, nem espaço, para lhe contar tudo que J.K. faz conosco mas, se contado, daria a mais notável história jamais escrita sobre manifestações de espíritos.” (HPB Speaks I, 60)

 

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            Diz ainda Betanelly que durante o dia John King “apenas dá batidas e circula pela casa. Mas à noite ele se materializa e caminha pela casa assustando os empregados.” (HPB Speaks I, 95) Betanelly conta também um episódio em que John King queria que ele e HPB lhe dessem $50 cada um:

 

“John sempre lhe pede dinheiro. Algumas vezes ela [HPB] lhe dá, outras não, então ele rouba, e depois aparece e lhe conta para provocá-la. Ele pediu a ela $50, mas ela não lhe deu, porque ele não disse a razão. Então ele me pediu, e me disse que se eu lhe prometesse os $50, ele faria um homem, que me devia $500, me pagar. Então ele disse à Madame B. e barganhou com ela, que se ele conseguisse $100 de um homem que devia a ela, e não queria pagar, ela teria que lhe dar $50. John manteve sua palavra e no sábado ela recebeu $100 do homem, sem lhe pedir, e eu recebi os meus $500. John disse que ‘psicologizou’ aos dois; e isso deve ter acontecido, pois ele conseguiu o dinheiro. Ela deu a John $50. E os meus $50, ele disse, eu devo a ele, e pagarei quando ele me pedir. Nós colocamos o dinheiro na escrivaninha de John, sua mesa particular, com seus papéis e correspondências, que ninguém na casa ousa tocar, pois ele pregará suas peças.” (HPB Speaks I, 94)

 

            É interessante atentarmos para o fato de que o poder, presença e influência de John King eram tão intensos que ele até mesmo possuía sua escrivaninha particular, onde precipitava suas correspondências. Madame Blavatsky relata ao general Lippitt que John King se correspondia diretamente com várias pessoas, entre elas Olcott. Não há notícias do paradeiro dessas cartas. HPB escreve:

 

“Você ouviu falar do fenômeno que John fez para Olcott? Ele realmente lhe escreveu uma longa carta e, ao que parece, ele próprio postou-a, e nela lhe contou alguns segredos maravilhosos. Ele é um ótimo sujeito, o meu John.” (HPB Speaks I, 63)

 

“... ele está tão poderoso que ele mesmo, de fato, escreve cartas sem a ajuda de qualquer médium. Ele se corresponde com Olcott, com Adams, com três ou quatro senhoras que eu nem mesmo conheço; vem e me conta ‘o bom divertimento que ele teve com eles’, e como ele os iludiu. Eu posso lhe dar o nome de dez pessoas com quem ele se corresponde.” (HPB Speaks I, 85)

 

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            A moça que trabalhava na casa era uma médium e muitas vezes “ela gritou na escada ao encontrar ‘John King’ nos degraus ou no corredor; com sua poderosa figura vestida de branco, contando que ele ‘a olhou de forma penetrante’, com seus negros olhos de fogo. E mais de uma vez o viu perto de mim, como ela contou aos meus visitantes.” (HPB Speaks I, 242) Certa vez John King assustou-a terrivelmente quando chegou a correspondência, pois ele:

 

“... abriu cada uma delas antes que o carteiro tivesse tempo de entregá-Ias. Minha empregada, que é magnificamente mediunística – talvez tanto quanto é estúpida – e que passa todo o dia em transe desmaterializando tudo na cozinha, entrou correndo em meu quarto, meio chorando e tão assustada que estava muito pálida, me dizendo que “aquele espírito amigo, grandão, de barba preta, rasgou e abriu os envelopes bem na minha mão” e, então, eu li sua carta (de Lippitt).” (HPB Speaks I, 83)

 

 

O Clube de Milagres

 

            A publicação de People From the Other World trouxe para Olcott um maior reconhecimento público em sua capacidade de testar médiuns. Em maio de 1875 Olcott criou o “Clube dos Milagres”, uma organização que pretendia juntar pessoas interessadas em pesquisar os fenômenos paranormais. O grupo se reunia uma vez por semana com o médium, numa sala iluminada, onde as manifestações então ocorriam a portas fechadas. (Gomes 1987, 81)

 

            Em 27 de maio de 1875, o Spiritual Scientist noticiou o progresso das atividades do Clube de Milagres. Em seu Scrapbook, HPB escreveu logo abaixo do recorte:

 

“Uma tentativa em consequência de ordens recebidas de T*** B*** através de P***, personificando JK ▼. Ordenada a começar dizer ao público a verdade sobre os fenômenos e seus médiuns. E agora meu martírio começará! Terei contra mim todos os espíritas, além dos cristãos e dos cépticos! Seja feita a Tua vontade, Oh M.! HPB” (CW I, 90)

 

            O médium escolhido foi David Dana, irmão de Charles Dana, editor do New York Sun. David era um visitante assíduo de HPB, que

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tinha grandes esperanças que ele pudesse auxiliar. Infelizmente a experiência não deu certo. David os decepcionou e ainda saiu espalhando calúnias. (Ransom, 73-74)

 

            Em maio, quando David Dana e uma amiga francesa de HPB, a Sra. Magnon estavam na casa de HPB, ela novamente teve uma doença bastante séria, passando alguns dias completamente fria e desacordada. Enquanto isso John King tomava conta da casa de sua “amada Ellie” (HPB). Recuperada, Madame Blavatsky descreve o ocorrido, fazendo uma brincadeira com o “king” de John King, que em inglês significa “rei”:

 

“Agora, com relação a John King, aquele rei dos traquinas condenados (“king of mischievous reprobates”). O que ele fez aqui pela casa, enquanto eu estava doente, na cama, a ponto de morrer, três volumes não poderiam expressar! (...) O fato é que nunca se sabe o que ele pode fazer logo a seguir. (...)

            “Ele rouba tudo na casa; outro dia, na época em que eu estava tão doente, ele trouxe $10 para Dana; pois Dana havia lhe escrito de manhã em seu quarto, secretamente, pedindo-lhe o dinheiro (Dana o conhece há 29 anos). Ele trouxe $10 para o Sr. Brown; trouxe um anel de rubi para a Sra. Magnon, o qual ela havia perdido há meses (se tinha perdido ou se ele havia sido roubado, eu não sei) para ‘recompensá-la’, ele disse, pois ela havia tomado conta de ‘sua amada Ellie’ (pobre ego)”. (HPB Speaks I, 83-85)

 

            Outros detalhes da maneira intrigante como John King agia e – o que é mais desconhecido e surpreendente – de sua ascendência sobre Madame Blavatsky, nos são por ela mesma revelados:

 

“Ele me ama, eu sei, e faria por mim mais do que por qualquer outra pessoa; [ainda assim] veja as peças que ele me prega quando contrariado: à menor coisa que eu não faça como ele gostaria que eu fizesse, ele começa a se fazer de velho Harry, fazendo travessuras – e que travessuras. Ele me xinga horrivelmente, me chama dos nomes mais assombrosos, ‘nunca antes ouvidos’; vai aos médiuns e lhes inventa histórias sobre mim, dizendo-lhes que feri seus sentimentos, que sou uma mentirosa maliciosa, uma ingrata e assim por diante (...). Ele falsifica a letra das pessoas e cria problemas nas famílias; ‘ele desaparece e aparece rápida e inesperadamente’ como algum Deus ex machina infernal; ele esta em todo lugar ao mesmo tempo,

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e mete seu nariz nos negócios de todo mundo. Ele me prega as mais inesperadas peças – algumas vezes peças perigosas, me indispõe com as pessoas e, então, vem rindo e me conta tudo o que fez, se gabando e me provocando. (...)

            “Há alguns dias ele queria que eu fizesse algo que eu não queria fazer, pois eu estava doente e não achava aquilo correto; [então] ele jogou em mim um cáustico pedaço de pedra ‘infernale’, que estava chaveado num porta-joias dentro das gavetas, e queimou minha sobrancelha direita e minha bochecha. E, na manhã seguinte, quando minha sobrancelha se tornou preta como o azeviche, ele riu e disse que eu parecia uma ‘bela moça espanhola’. Agora vou ficar marcada pelo menos por um mês. Sei que ele me ama, eu sei disso, ele é devotadamente ligado a mim, mas me xinga da maneira mais vergonhosa, o miserável criador de problemas. Ele escreve longas cartas para as pessoas sobre mim, faz elas acreditarem nas coisas mais horríveis e, então. se gaba disso!” (HPB Speaks I, 85-86)

 

            Todo esse comportamento – tão atípico – pode nos fazer acreditar que a hipótese de Olcott, de que havia mais de um John King, seja a explicação mais plausível. Essa é, de fato, uma hipótese muito conveniente, pois desse modo as ações que condenamos, ou que não entendemos, passam a ser atribuídas a um “Diakka”, isto é, a um espírito que “experimenta um prazer insano em pregar peças, em fazer truques ilusivos, em personificar papéis contraditórios”. (Isis Unveiled I, 219) Contudo, a própria HPB descarta essa hipótese, ao escrever ao general Lippitt:

 

“Suas ideias e as minhas sobre o mundo dos espíritos são duas coisas diferentes. Meu Deus! Você talvez pensará: ‘John é um Diakka’, ‘John é um espírito mau, um espírito brincalhão e malicioso’, mas ele não é nem um pouco isso.” (HPB Speaks I, 87)

 

            Além disso, tal hipótese não é sustentável logicamente quando consideramos que, nessa época, Madame Blavatsky já havia desenvolvido extraordinariamente seus poderes psíquicos e, mesmo assim, o “espírito” John King, exercia um grande poder e influência sobre ela. Com ele, ela nada podia fazer, nem mesmo prever suas travessuras, como ela atesta:

 

“Atualmente, por exemplo. a natureza me dotou muito generosamente com a segunda visão, ou dons clarividentes, e eu geralmente posso ver o que eu estiver ansiando ver; mas eu nunca posso

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pressentir suas travessuras, ou ficar sabendo delas, a menos que ele próprio venha e me diga.” (HPB Speaks I, 87)

 

            Com relação ao grau de desenvolvimento psíquico alcançado por HPB, sua irmã, Vera Jelihosvsky comenta que de 1866 em diante:

 

“... HPB não é mais vítima de ‘influências’, as quais, sem dúvida, teriam triunfado sobre uma natureza menos forte do que a dela; mas, ao contrário, é ela quem submete essas influências – sejam elas quais forem – à sua vontade.” (Sinnett 1886, 152)

 

            Desse modo, fica claro que o desenvolvimento psíquico que Madame Blavatsky possuía era tal que jamais permitiria que um espírito desencarnado tivesse tanto poder e influência sobre ela. E um elemental – um mero servo seu na produção de fenômenos – certamente também não teria qualquer ascendência sobre ela.

 

            Por mais difícil que seja “digerir” o comportamento do “rei dos traquinas condenados”, dos três John Kings descritos por Olcott, devemos concluir que o John King do período em que ela viveu em Filadélfia, e de quem HPB afirmou estar em dívida “pela mudança radical em minhas ideias sobre a vida”, só pode ser aquele que é o “mensageiro e servo – nunca igualado – dos adeptos vivos”.

 

 

John King – Um Iniciado

 

            William Stainton Moses foi um médium inglês que escreveu vários livros sob o pseudônimo de “M.A. Oxon” e que se comunicava com uma entidade que se autodenominava “Imperator”. O contato dele com Olcott e Madame Blavatsky começou em 1875, a partir da publicação do livro de Olcott People from the Other World gerando uma amizade estreita que durou muitos anos. Numa carta, referindo-se a John King como sendo um iniciado, Olcott recomenda que Moses tentasse conversar com ele através de médiuns da época:

 

“Tente conseguir uma conversa particular com ‘John King’ – ele é um iniciado, e suas leviandades de fala e de ação têm o propósito de encobrir questões sérias. Você pode encontrá-lo no Herne ou no Williams e combinar, em particular, para que ele venha e converse com você e traga outros.” (Godwin 1990, 108)

 

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            Portanto, em julho de 1875, Olcott ainda não usava a “desculpa” de um espírito desencarnado para justificar o comportamento atípico de John King e revela que esse comportamento tinha a intenção de encobrir questões sérias. Mas a verdade é que, apesar de Olcott demonstrar conhecer esse lado de John King, em algumas ocasiões ele ainda se sentia confuso e desconfiado com relação aos seus métodos. O Mestre Serapis lhe chama a atenção por essa atitude, dizendo que:

 

“O guardião estava agindo, tentando envenenar seu coração com a dúvida negra e fazê-lo desacreditar nosso bom John. Você o magoou muito, pois mesmo que vinculado de outro modo à terra, e compartilhando em grande medida das frágeis imperfeições humanas, ainda assim nosso Irmão John é verdadeiro e nobre em seu coração, e incapaz de deliberadamente decepcionar um amigo.” (LMW 2nd Series, 24)

 

            Há várias cartas do Mestre Serapis para Olcott que mencionam John King. Enquanto estava em Boston, por exemplo, Olcott tinha que encaminhar relatórios diários para a “Loja” através de John King:

 

“Escreva diariamente para nossa Irmã que está sofrendo. Conforte seu coração dolorido e perdoe as deficiências infantis de alguém cujo verdadeiro e fiel coração não compartilha dos defeitos resultantes de uma tenra infância mimada. Você deve endereçar seus relatórios e notas diárias para a Loja, enquanto estiver em Boston, através do Irmão John, não omitindo os sinais cabalísticos de Salomão no envelope.” (LMW 2nd Series, 39)

 

“Irmão Henry deve apresentar relatório todas as noites e, tendo apresentado sua opinião sobre o trabalho do dia, postá-la para o endereço de nosso bom Irmão John, envolvendo os sinais do envelope com o selo do Rei Salomão.” (LMW 2nd Series, 40)

 

            Esse símbolo do rei Salomão, isto é, os dois triângulos entrelaçados, também conhecido como o “triângulo duplo” veio depois a fazer parte do símbolo da Sociedade Teosófica. Ele simboliza “as seis direções do Espaço, a união e fusão do Espírito puro com a Matéria”. (Glossário Teosófico, 718)

 

 

(p. 74)

O Anel Duplicado Fenomenicamente por HPB em 1876

 

            É provável que Olcott marcasse o sinal do selo de Salomão no envelope utilizando um sinete que possuía na época. Ele conta que em 1876, HPB fez uma duplicação fenomênica de seu sinete. Olcott relata que numa noite, quando HPB e ele recebiam vários convidados, ela lhe pediu emprestado um grande sinete entalhado que ele estava usando como anel de gravata. Então:

 

“Ela pegou-o entre suas mãos fechadas, sem dizer nada a ninguém e sem atrair a atenção de qualquer um exceto a minha, esfregou as mãos por um minuto ou dois, quando eu ouvi o tilintar de metal sobre metal. Ela sorriu chamando a minha atenção e, abrindo suas mãos, mostrou-me outro anel junto com o meu, igualmente grande, mas de um padrão diferente: a placa do sinete sendo de uma jaspe sanguínea (“bloodstone”) verde escuro, enquanto que a minha era uma cornalina vermelha. Aquele anel ela usou até sua morte, e agora é usado pela Sra. Annie Besant, e é familiar a milhares de pessoas. A pedra quebrou-se na nossa viagem para a Índia e, se me lembro corretamente, a do anel em questão foi esculpida e engastada em Bombay.” (ODL I, 347)

 

            Ao que tudo indica Olcott, que escreveu o primeiro volume do Old Diary Leaves de memória, não se lembrava corretamente. Pois, segundo Jinarajadasa e a própria Annie Besant, o anel que ela passou a usar foi o que Francesca Arundale mandou fazer em 1884.

 

            É de se supor que esse anel duplicado por HPB fosse muito parecido com o outro, o que teria causado a confusão de Olcott. Na verdade, Olcott também pode não estar se recordando bem da data do fenômeno, pois há uma foto, de setembro de 1875, onde Madame Blavatsky aparece com um grande anel, bem arredondado, também com uma pedra escura onde, contudo, só estava gravado o símbolo dos dois triângulos entrelaçados. (Gomes 1987, 83)

 

            De acordo com C. Jinarajadasa, em 1884, quando HPB estava em Londres com Francesca Arundale, ela mencionou que gostaria de ter um anel de sinete. A Srta. Arundale ofereceu-se para mandar fazê-lo:

 

“HPB concordou e lhe deu o desenho – o triângulo duplo e abaixo dele a palavra sânscrita, Sat, Verdade. Então, a Srta. Arundale perguntou a HPB se ela se importaria que ela (Srta. Arundale)

(p. 75)

tivesse um anel semelhante para ela mesma. HPB não tinha objeção. Duas pedras, ágatas de um verde muito escuro quase preto, foram cortadas com o mesmo desenho, ambas exatamente iguais. O sinete de HPB foi fixado num pesado anel de ouro, sendo a pedra montada numa moldura oval com uma dobradiça, de modo que fosse a tampa de um compartimento muito raso. O da Srta. Arundale foi montado num anel mais leve. A Srta. Arundale usou sempre seu anel e, por ocasião de sua morte, ele passou para seu sobrinho, Bispo George S. Arundale, que posteriormente doou-o para os Arquivos da EE.” (Jinarajadasa 1931, 662)

 

            Jinarajadasa relata ainda que HPB usou seu anel desde 1884 até o dia de sua morte e que, algum tempo antes de seu falecimento, ela teria deixado instruções ao Círculo Interno de que o anel deveria ser dado para Annie Besant após a sua morte. Como nessa ocasião, em 8 de maio de 1891, Besant estava nos EUA, o anel só lhe foi entregue depois, na sua volta.

 

            Muitos acreditam que esse anel tem sido passado pelos presidentes da Sociedade Teosófica (Adyar) para seus sucessores. Porém, há uma outra versão defendida por aqueles que seguiram Judge quando ocorreu a divergência entre ele e Besant – e a consequente criação de outra Sociedade Teosófica (Point Loma), atualmente com sede em Pasadena (USA). De acordo com eles, o anel que pertenceu a HPB não teria ficado com Besant, mas sim com Judge. (Informativo HPB Nº 2)

 

 

O Autorretrato de John King (março de 1875)

 

            No início de março de 1875, HPB escreve ao general Lippitt que iria lhe mandar um autorretrato de John King, no qual ele aparece em sua sacada no Summer-Land”. (HPB Speaks I, 57) Elaborada em cores sobre um pedaço de cetim branco, essa pintura mostra no centro a cabeça e parte do tronco de um homem, com barba preta cerrada, vestindo um turbante e vestes brancas.

 

            Ele está de pé numa sacada, rodeado por folhagens e uma grande grinalda de flores. Ao fundo, à direita, há pálidas figuras humanas e, à esquerda, uma construção que lembra um castelo à beira de um lago. Na pintura John King está segurando um grande livro com símbolos

(p. 76)

 

 

 

Autorretrato de John King.

 

 

(p. 77)

em sua capa. Na pilastra da sacada aparecem os símbolos do selo de Salomão e da suástica. Diz Gomes que:

 

“Esta pintura está preservada na sede da ST em Adyar, Índia. As cores ainda são extraordinariamente brilhantes para sua idade; o cetim desbotou apenas em um lugar. Ela foi levada para Londres em junho de 1893 por W.Q. Judge, então presidente da Seção Americana da Sociedade, como um presente do general Lippitt para Annie Besant.” (Gomes 1987, 211)

 

            Olcott descreve numa carta para o general Lippitt como o retrato foi feito. (HPB Speaks I, 78) HPB comprou um pedaço de um fino cetim branco do tamanho requerido (0,91 m²), que foi colocado numa prancheta, junto com pincéis, tintas e água. Todo esse material foi coberto com um pano e deixado por toda a noite na sala especialmente dedicada aos “espíritos”.

 

            Pela manhã toda a parte superior da pintura e a face de John estavam esboçados e havia um colorido à volta das figuras humanas, no fundo. John, então, pediu a HPB que começasse a grinalda de flores que fica à volta, como uma moldura. Porém, como Madame Blavatsky trabalhava “muito devagar quando ele não me ajuda ou o faz ele mesmo” (HPB Speaks I, 57), John, insatisfeito com o trabalho dela, dispensou-a. Quando chamou-a de volta, toda a folhagem superior e a sacada de mármore estavam delineadas. HPB passou então a trabalhar nessa folhagem e, daí por diante, limitou-se exclusivamente a pintar esse pedaço. Olcott relata:

 

“John Fez todo o restante ele mesmo – por partes, algumas vezes de dia e algumas vezes à noite. Eu estava na casa durante a maior parte desse tempo e em mais de uma ocasião sentei-me próximo dela [HPB] enquanto pintava, e com ela saí da sala por alguns minutos enquanto o espírito artista desenhava alguma parte da pintura, embaixo do pano que cobria sua face. As palavras gregas e hebraicas e os símbolos cabalísticos foram as últimas coisas a serem colocadas.” (HPB Speaks I, 78)

 

            Escrevendo para Lippitt, Betanelly refere-se à produção da pintura que John King estava fazendo no cetim:

 

“Eu ainda não a vi, pois ele não quer que ninguém a veja antes que ele a termine completamente. (...) John levou embora seu próprio retrato da moldura por duas vezes, ficou com ele por alguns dias e trouxe-o de volta – e tudo tão rápido como um raio.” (HPB Speaks I, 59)

 

(p. 78)

            No início de abril a pintura foi enviada para o general Lippitt, com o pedido de que ele nunca se separasse dela, e que não “deixasse que muitas pessoas a tocassem, ou até mesmo se aproximassem muito dela.” (HPB Speaks I, 65) Madame Blavatsky comenta a reação de Lippitt à pintura:

 

“Eu estou contente que você tenha gostado da pintura de Johny, mas você não deve chamá-Io de turco, pois ele é um nobre e querido espírito, e gosta muito de você. Não é culpa de ninguém se você ainda não o viu, até agora, como ele é na realidade, e sempre o imaginou parecido com o velho médico judeu meio materializado que geralmente lhe era apresentado nos Holmes. Apenas em Londres ele aparece como ele é; mas ainda trazendo, em suas queridas feições, alguma semelhança com seus respectivos médiuns, pois é difícil para ele mudar completamente as partículas extraídas por ele de vários poderes vitais.” (HPB Speaks I, 65)

 

            Ao enviar a pintura para Lippitt, Madame Blavatsky também lhe escreveu:

 

“John pede que você dê atenção à figura do espírito que paira acima – ‘a mãe e filho’. Diz que você vai reconhecê-la. Eu não a reconheci. Johny quer que você tente e compreenda todos os símbolos e sinais maçônicos colocados.” (HPB Speaks I, 64).

 

            Lippitt não reconheceu o espírito e, posteriormente, Madame Blavatsky identificou-o como sendo a imagem de Katie King, que havia aparecido em várias sessões ao general. (HPB Speaks I, 66) Mas, quanto aos símbolos que ele devia tentar compreender, HPB comenta:

 

“Até que todo o significado dos símbolos na pintura de John seja descoberto, John não pode ensinar às pessoas – e declina de torná-las mais sábias. ‘Tente’ e descubra-o, se puder.” (HPB Speaks I, 73)

 

            O uso da palavra ‘tente’ – característico nas cartas do Mestre Serapis – e a referência a John King como alguém apto a tornar as pessoas mais sábias, são mais um reforço à hipótese de que ele era um membro da Hierarquia Oculta e, como vimos, hierarquicamente superior a HPB.

 

            Olcott numa carta para Lippitt explica que as palavras gregas e hebraicas e os símbolos cabalísticos da pintura “eram conhecidos de todos os estudantes da Cabala” e que as palavras:

 

(p. 79)

“... e os símbolos e a joia que John King usa sobre seu peito são todos símbolos Rosacruzes, tendo sido ele um irmão da Ordem, e sendo esse o laço que o liga à nossa dotada amiga Madame de B.” (HPB Speaks I, 79)

 

            É importante notar que Olcott refere-se a John King como sendo “um irmão da Ordem” e que esse é o “laço que o liga” à Madame Blavatsky.

 

            HPB também menciona a ligação de John King com uma Ordem, ou Fraternidade, ao escrever para Lippitt que as cartas ditadas por espíritos que ele recebera, que aparentemente não significavam nada, eram instruções para os espíritas dos Estados Unidos, escritas num alfabeto cifrado, isto é:

 

“... o cabalístico, empregado por Rosacruzes e outras Fraternidades das Ciências Ocultas. Eu não estou em liberdade para lê-las para você, até ter a permissão. Não considere essas palavras como uma artimanha. Eu lhe dou minha palavra de honra de que é assim. É claro que John sabe escrever dessa maneira, pois ele pertenceu, como você soube, a uma das ordens. Preserve tudo que você possa receber desse modo muito cuidadosamente.” (HPB Speaks I, 97)

 

            Observe-se que em 1874 HPB se declarava uma “rosacrusiana” (CW I, 100), mas num artigo em junho de 1875 escrevia que “estritamente falando, os Rosacruzes agora nem mesmo existem, tendo o último daquela Fraternidade partido com a pessoa de Cagliostro.” (CW I, 103)

 

            Ora, se ela se declarava uma Rosacruz, mas dizia que o último dessa Fraternidade havia partido com Cagliostro, ela devia estar se referindo a uma Fraternidade – ou Ordem – num sentido mais elevado, ou seja, ligada à Hierarquia Oculta. Portanto, se essa Fraternidade era o laço que ligava HPB a John King, então, ele também seria um membro da Hierarquia Oculta.

 

            Essa hipótese é reforçada por Olcott quando revela que em 1874 HPB usava sobre seu peito, em forma de joia, um emblema místico de uma Fraternidade Oriental à qual pertencia. Essa joia que HPB usava é descrita como sendo a misteriosa jóia do 18° Grau Rosacruz, que teria pertencido ao próprio Cagliostro (Taylor, 79). Escreve Olcott:

 

“Se Madame de B. foi admitida para dentro do véu ou não [nos ramos superiores da Magia Branca], pode-se apenas conjeturar, pois ela é muito reticente sobre

(p. 80)

esse assunto, mas seus dons surpreendentes parecem impossíveis de serem explicados com qualquer outra hipótese. Ela usa sobre seu peito um emblema místico em forma de jóia, de uma Fraternidade Oriental e é, provavelmente, a única representante nesse país dessa irmandade, a qual (como Bulwer observa) ‘numa época mais antiga, era a possuidora de segredos dos quias a Pedra Filosofal era o menor; que se considerava a herdeira de tudo que os Caldeus, os Magi, os Gimnosofistas e os Platônicos haviam ensinado; e que diferiam de todos os filhos sinistros da Magia, pela virtude de suas vidas, pela pureza de suas doutrinas e pela sua insistência, como o fundamento de toda Sabedoria, na subjugação dos sentidos e na intensidade de Fé Religiosa’.(Olcott 1875, 453)

 

 

John King Cura a Perna de HPB (abril de 1875)

 

            Em janeiro de 1875, Madame Blavatsky havia caído no chão ao tentar mover a armação de uma cama pesada, machucando seriamente o joelho e quase quebrando a perna, obrigando-a a permanecer em repouso (HPB Speaks II, 163). Em meados de abril, HPB relata que John King havia curado sua perna, mas que, como ela não cumpriu com o repouso, a perna piorou novamente:

 

“Minha perna está pior que nunca. John a curou completamente, e me ordenou repousar por três dias. Eu negligenciei isso e desde aquele dia sinto que ela está ficando cada vez pior.” (HPB Speaks I, 75)

 

            Betanelly escreve para Lippitt, preocupado, pois não havia meios de HPB melhorar:

 

“Dr. Pancoast, que estava atendendo-a desistiu, dizendo que dificilmente poderia fazer qualquer coisa, uma vez que a paralisia estava se     aproximando ou talvez ainda pior, a amputação da perna poderia ser necessária. Eu não sei o que fazer. E imagine que nesse exato momento em que ela está tão doente, ela continua escrevendo, trabalhando e se correspondendo todo o tempo, quando, pelo conselho do doutor, ela precisa ficar quieta e não preocupar seu cérebro. Eu acredito que a doença dela é parcialmente causada pela falta de cuidado consigo mesma e pelo

(p. 81)

excesso de trabalho. Embora ela ajude aos outros, ela não pode, ou não quer ajudar a si mesma, nem mesmo para curar sua perna.” (Gomes 1987, 76)

 

            Em 26 de maio Betanelly escreve para Olcott dizendo que a perna de HPB “está ficando paralisada e pode ser necessário amputá-la”. (CW I, lvi) Ocorre então uma mensagem precipitada por John King na carta, dizendo que ele a curaria. (CW I, lvi). Nessa data, HPB manda Betanelly embora, pois ela estava se sentindo muito mal e queria ficar sozinha. Em 12 de junho ela escreve para o general Lippitt:

 

“Você precisa agradecer a “John King” se sua última carta teve qualquer resposta, pois o Sr. Betanelly foi para o Oeste. Eu o mandei embora pelo dia 26 de maio, quando supunham que eu estava tão doente, e os doutores começaram a pensar em me privar da minha melhor perna. Pois eu pensei, nessa hora, que estava indo “para o andar de cima” pour de bon [para melhor] e, como detesto ver caras tristes, lamentações, choradeira e coisas desse tipo quando estou doente, mandei-o embora. (...) eu lhe disse que estivesse pronto para voltar quando lhe escrever que estou melhor, ou quando alguma outra pessoa lhe escrever que eu fui para casa, ou “chutei o balde” como “John” muito bondosamente me ensinou a dizer. Bem, eu ainda não morri (...) mas ainda estou na cama, muito fraca, irritada, e geralmente me sinto enlouquecida das 12h às 24h. Então ainda mantenho o camarada longe, para benefício dele e meu próprio conforto.” (HPB Speaks I, 80)

 

            No início de junho, além da perna, HPB passa novamente por uma estranha doença, às vezes parecendo estar morta, sendo um quebra-cabeça para os médicos. O máximo da crise foi alcançado à meia noite de 3 de junho. Seus acompanhantes chegam a pensar que ela estava morta, pois jazia fria, sem pulso e rígida. Sua perna machucada dobrou de tamanho, ficou preta e seu médico desistiu de fazer qualquer coisa, dizendo que ou amputavam a perna imediatamente ou ela não sobreviveria. Entretanto, dentro de algumas horas, o inchaço passou e ela reviveu (CW I, lvi). Em meio de junho, quando Betanelly retornou, escreve para Lippitt que HPB ainda estava muito doente:

 

“Todos estes dias Madame estava sempre na mesma: três ou quatro vezes ao dia, perdendo energia e deitada como se estivesse morta, por duas ou três horas a cada vez, quando o pulso e o coração

(p. 82)

paravam, e ficava fria e pálida como uma morta. John King disse a verdade imediatamente, em tudo. Ela estava num tal transe segunda-feira de manhã e à tarde, das três às seis, que nós pensamos que ela estava morta. As pessoas dizem que, nessas ocasiões, o espírito dela viaja, mas eu não sei nada disso, e simplesmente pensei muitas vezes que tudo estava acabado. (...) John fez coisas estranhas, materializou sua cabeça e a beijou, mas como ela não gosta de ser beijada, quando ela melhorou, o xingou e eles ficavam sempre brigando, como você lembra; pois ela detesta quando ele beija nos lábios.” (HPB Speaks I, 93-94)

 

            Essa também é a época aproximada em que, nas palavras de Olcott, “uma certa maravilhosa transformação psíquico-fisiológica ocorreu em HPB, sobre a qual eu não estou em liberdade para falar e de que ninguém, até agora, suspeitou”. (ODL I, 18)

 

            O fato é que, sem dúvida, foi uma época do treinamento oculto de HPB em que seus poderes psíquicos passaram por transformações. Há pouco tempo ela havia adquirido dons de clarividência: “Atualmente, por exemplo, a natureza me dotou muito generosamente com a segunda visão, ou dons clarividentes”. (HPB Speaks I, 87) Outras transformações em suas capacidades psíquicas também estavam ocorrendo nesse período.

 

 

Não é Mediunidade: É de Uma Ordem Totalmente Superior

 

            Na época em que Ísis Sem Véu foi publicada, Vera Jelihovsky começou a ficar muito preocupada, pois sua irmã Helena estava escrevendo de uma maneira que, poucos anos antes, teria sido impossível. Ela não conseguia entender como HPB havia adquirido um tal conhecimento, que levava a imprensa americana e inglesa a exaltá-la. Havia rumores de que a fonte desse conhecimento era “bruxaria”, o que atemorizava a família. Vera então escreve à irmã, implorando por uma explicação e HPB lhe responde:

 

“Não tenha medo de que eu esteja louca. Tudo o que posso dizer é que alguém positivamente me inspira – ... mais do que isso: alguém entra em mim. Não sou eu quem fala e escreve: é algo dentro de mim, meu Eu superior e luminoso, que pensa e escreve

(p. 83)

por mim. Não me pergunte, minha amiga, o que eu experimento, porque não poderia lhe explicar claramente. Eu mesma não sei! A única coisa que sei é que agora, quando estou para alcançar a velhice, me tornei uma espécie de depósito do conhecimento de outra pessoa ... Alguém vem e me envolve como uma névoa, e de repente me empurra para fora de mim mesma, e então não sou mais ‘eu’ – Helena Petrovna Blavatsky – mas uma outra pessoa. Alguém forte e poderoso, nascido numa região completamente diferente do mundo; e, quanto a mim, é quase como se eu estivesse dormindo, ou deitada não bem inconsciente – não em meu próprio corpo, mas perto dele, presa apenas por um fio que me amarra a ele.” (Letters of H.P. Blavatsky, I)

 

            HPB também descreve para sua irmã que essa dualidade ou processo desse “Alguém” habitando seu corpo, estava ocorrendo desde a época em que ela quase havia amputado sua perna, ocasião em que foi completamente curada por um negro, a mando de seu “Sahib”:

 

“Ele me curou completamente. E bem por essa época eu comecei a sentir uma dualidade muito estranha. Várias vezes por dia, eu sinto que, além de mim há alguém mais, bem distinguível de mim, presente em meu corpo. Nunca perco a consciência de minha própria personalidade; o que sinto é como se eu estivesse me mantendo quieta e o outro – o hóspede que está em mim – estivesse falando com a minha língua. (...) Mas qual a utilidade de falar sobre isso? É algo suficiente para deixar alguém maluco. Eu tento me entregar à tarefa e esquecer a estranheza de minha situação. Isso não é mediunidade e de modo algum é um poder impuro; pois isso tem uma ascendência forte demais sobre nós todos, nos conduzindo a um melhor estado de ser. Nenhum diabo agiria dessa maneira. ‘Espíritos’, talvez? Mas se admitíssemos essa hipótese, como explicar que meus antigos ‘espectros’ não ousam mais se aproximar de mim? Basta que eu entre numa sala onde está sendo realizada uma sessão para parar todos os tipos de fenômenos imediatamente, especialmente as materializações. Ah não, isso é de uma ordem totalmente superior! Mas fenômenos de uma outra espécie ocorrem mais e mais frequentemente sob a direção de meu Nº 2.” (Letters of H.P. Blavatsky, I)

 

(p. 84)

            Para sua tia Nadya ela reafirma tanto a cura quanto a dualidade que ela vivenciava:

 

“Quando minha perna tinha que ser operada (eles queriam operar quando a gangrena estava se desenvolvendo), o ‘dono da hospedaria’ (‘host’) me curou. Ele estava todo o tempo de pé, próximo a um velho negro, e ele pôs um pequeno prendedor branco em minha perna. Você se lembra que eu lhe escrevi sobre esse incidente? Agora, ele vai em breve me levar, a Olcott e a vários outros para a Índia para sempre, nós apenas precisamos primeiro organizar a Sociedade em Londres. Se ele ocupa outros corpos além do meu, eu não sei. Mas sei que quando ele não está aqui – às vezes por muitos dias – eu frequentemente ouço sua voz e lhe respondo ‘através do mar’; Olcott e outros também muitas vezes veem sua sombra, algumas vezes ela é sólida como uma forma viva, várias vezes como fumaça; ainda mais frequentemente não é vista, mas sentida.

            “Somente agora estou aprendendo a sair de meu corpo; tenho medo de fazê-lo sozinha, mas com ele não tenho medo de nada.” (HPB Speaks I, 224)

 

 

John King – o “Sahib” de HPB

 

            Observemos que HPB está dizendo para sua tia e para sua irmã que esse “alguém”, “dono da hospedaria”, “Nº 2” ou “Sahib” – aquele que ocupava o corpo dela, que a fazia passar por uma vida dupla, que a ensinava “a sair do corpo” e em companhia de quem ela “não tinha medo de nada” – havia sido também o responsável pela cura de sua perna!

 

            Ou seja, o “dono da hospedaria” ou “Sahib” era John King – o seu “único amigo”, aquele com quem ela estava “em dívida pela mudança radical em suas ideias sobre a vida, seus esforços e assim por diante”; aquele que a “transformou”. (Solovyoff, 247) Vendo John King nesse papel de instrutor de HPB, responsável até mesmo pelo treinamento e desenvolvimento de seus poderes, começamos a entender melhor a dívida que ela diz ter com ele.

 

            Porém, além de ser um membro da Hierarquia Oculta com esse papel muito específico junto de HPB: o de treiná-la e de instruí-la nas

(p. 85)

Ciências Ocultas, John King foi, em grande medida, o verdadeiro autor da mensagem que HPB estava trazendo para o mundo, pelo menos nessa fase inicial de seu trabalho público. Como citamos acima, a própria HPB descreve:

 

“Não sou eu quem fala e escreve: é algo dentro de mim (...). A única coisa que sei é que agora, quando estou para alcançar a velhice, me tornei uma espécie de depósito do conhecimento de outra pessoa.” (Letters of H.P. Blavatsky, I)

 

            Com todos esses dados em mente, podemos agora começar a tentar decifrar quem era esse misterioso personagem. O papel tão definido de John King como instrutor de HPB leva muitos a se perguntarem: – mas o Guru ou Mestre de HPB não é o Mestre Morya? Quem é, então, John King?

 

            Solovyoff, que em 1895 foi o primeiro autor de uma biografia acusando HPB de ser uma impostora e de inventar os Mestres, ao perceber a dimensão do papel de John King e, ao mesmo tempo, o fato de que poucos anos depois o “espírito” John King desaparece, enquanto o Mestre Morya se torna mais e mais importante na vida de Madame Blavatsky, dá como uma das “provas” da charlatanice de HPB, essa transformação de John King no Mestre Morya:

 

“Aqui estão os primeiros traços da gradual transformação de John King no Mahatma Morya. O ‘mestre’ ainda não foi inventado, uma vez que ele apenas se desenvolverá claramente no decorrer de um par de anos, na Índia, na pessoa que o ‘espírito familiar’ irá se tornar.” (Solovyoff, 247)

 

            Quando HPB escreve, por exemplo, que: “Meu John King sozinho é uma recompensa suficiente por tudo; ele é, em si mesmo, um dono de hospedaria para mim. (...) John King é uma personalidade, uma definida, viva, personalidade espiritual” (Solovyoff, 243), Solovyoff interpreta essa como sendo a primeira “aparição” do Mestre Morya:

 

“O que ela diz é bem suficiente para que cada leitor de minha narrativa reconheça imediatamente nesse John King a primeira aparição no palco, de nosso velho conhecido, o famoso Mahatma Tibetano Morya (...) mas ele já está incessantemente visitando nossa heroína, e é ‘em si mesmo, um dono de hospedaria’ para ela. Ele já manda Olcott para Havanna [localidade em Nova lorque]. Ele logo será transfigurado e transformado no Mahatma Morya ou M., o famoso ‘mestre’.” (Solovyoff, 244)

 

(p. 86)

            Essa confusão entre John King (instrutor imediato de HPB) e o Mestre Morya (Mestre ou Divino Guru de HPB), até hoje é predominante. Muitas das ações de John King são atribuídas ao Mestre M. Isso ocorre pelo desconhecimento de que a presença de um instrutor imediato, além da do Mestre do discípulo, talvez seja uma prática usual – mais do que normalmente se imagina.

 

            No Diário Oculto de Geoffrey Hodson podemos ler que, embora o Mestre de Geoffrey Hodson fosse o Mestre KH, por muitos anos ele teve um instrutor imediato– o Mestre Polydorus Isurenus – o qual:

 

“... me assegura uma continuada orientação, progresso e responsabilidade em muitas horas de ensinamento, o qual consiste, em grande medida, de interpretações da simbologia do Egito, do Novo Testamento e da Franco- maçonaria. (...) Com o consentimento de meu Mestre, estou em Sua Escola, treinando para importante trabalho futuro.” (Hodson, 116)

 

 

John King Salvou Minha Vida Por Três Vezes

 

            Mas há quanto tempo HPB estava sob os cuidados de John King? Numa carta para Lippitt, escrita em junho de 1875, ela diz que conhecia John há 14 anos (portanto, desde 1860 ou 1861) e que, nesse período, ele havia sido responsável por salvar sua vida por três vezes:

 

“Conheço John há 14 anos. Não é de hoje que ele está comigo; ele se fez conhecido de toda Petersburgo e metade da Rússia, sob o nome de Janka, ou “Johny”; ele viajou comigo por todo o mundo. Salvou minha vida por três vezes: em Mentana, num naufrágio e, na última vez, próximo a Spezia, quando nosso vapor explodiu no ar em átomos, e de 400 passageiros restaram apenas 16, em 21 de junho de 1871.” (HPB Speaks I, 84)

 

            Vamos examinar essas três ocasiões em que ela diz que John King lhe salvou a vida. HPB primeiro fala da batalha de Mentana, que ocorreu em 02 de novembro de 1867. Observemos que ela está afirmando que quem a salvou foi John King, e não o Mestre Morya, como tantas vezes se afirma. Já a explosão do Eunomia ocorreu próximo à ilha de Spezzia em 1871, quando Madame Blavatsky ia de Chipre para Alexandria. Mas, e quanto ao outro naufrágio?

 

(p. 87)

            HPB conta ao príncipe Dondoukoff que após sua primeira viagem à Índia, em 1853, ela embarcou no “Gwalior, o qual naufragou próximo ao Cabo, mas fui salva junto com umas outras 20 pessoas.” (HPB Speaks II, 20). Que eu conheça, não há na literatura referência a qualquer outro naufrágio. Assim, mesmo sem uma identificação mais segura, penso que podemos assumir que é a esse naufrágio que HPB está se referindo. As datas dessa época de sua vida são muito confusas, mas supõe-se que teria ocorrido entre 1853 e 1854. Assim, ao mesmo tempo em que ela fala que conhecia John King há 14 anos, portanto, desde 1860 ou 1861, ela cita um acontecimento cujo registro é bem anterior. E, se ele a salvou em 1854, é provável que já a conhecesse antes mesmo dessa data.

 

            Não obstante a história desse naufrágio do Gwalior ser um tanto confusa, há outras referências na literatura que nos mostram que HPB e John King já se conheciam antes de 1854. Em abril de 1875, Madame escreveu para Aksakov, um russo, pesquisador dos fenômenos psíquicos, que:

 

“John King e eu nos conhecemos há muito tempo, muito antes dele começar a se materializar em Londres e andar pela casa do médium com uma lâmpada em sua mão.” (Solovyoff, 247)

 

            Godwin diz que John King, como entidade espírita, aparecia em sessões na Grã-Bretanha e nos EUA desde 1854. (Godwin 1990, 107) Assim, aqui HPB está afirmando que já o conhecia muito antes de 1854. Numa carta para Lippitt, Madame Blavatsky cita essas aparições de John King em Londres, dizendo:

 

“Agora, não vou me comprometer a dizer e testemunhar numa corte de justiça que o meu John é o John das sessões de Londres, o John da ‘lâmpada fosforescente’, embora esteja bastante segura de que é ele, e ele diz que é. Mas os mistérios do mundo dos espíritos são tão mesclados, apresentam um tal maravilhoso e inextricável labirinto que – quem pode dizer?” (HPB Speaks I, 84)

 

            Há ainda outra referência na literatura sobre desde que época John King e Madame Blavatsky estavam em contato. Em 1881, quando o general Lippitt voltou a lhe questionar sobre a autoria do autorretrato de John King que ele havia ganho, HPB lhe respondeu:

 

“Meu caro amigo, posso lhe contar apenas aquilo que lhe contei desde o começo, quer o resto do mundo me acredite ou não. A

(p. 88)

pintura no cetim, com as exceções que coloquei, não foi feita por mim, mas por aquele poder que chamei de John King; o poder que assumiu as características e o nome genérico de John King; pois é um nome genérico e é responsável pelas muitas afirmações contraditórias de e sobre ele, o John King em diferentes partes do mundo. Com esse poder, tenho estado familiarizada desde a minha infância, mas vi sua face, como você diz, anos depois, numa viagem (quando o Sr. Blavatsky era governador em Erivan, capital da Armênia, não em Tiflis.) (HPB Speaks I, 237)

 

            Portanto, agora HPB afirma que estava familiarizada com esse “poder” – John King – já desde a sua infância, mas que somente viu sua face, numa viagem, na época em que o Sr. Blavatsky era governador em Erivan, não em Tiflis. Que viagem teria sido essa?

 

 

No Cairo Com o Mago Copta

 

            Como já mencionamos, em 27 de novembro de 1849 Nikifor Blavatsky “foi indicado Vice-Governador da recém formada Província do Erivan, e a governou durante a ausência do Governador militar.” (Barborka, 12) Portanto, de acordo com seu próprio relato, HPB deve ter visto a face de John King ainda no final de 1849 ou em 1850. Onde ela estava nessa época?

 

            Após abandonar Nikifor, em outubro de 1849, HPB voltou para Tiflis. De lá, após peripécias, foi para Constantinopla, onde encontrou uma velha amiga da família, a Condessa Kisselev. Sinnett diz que HPB viajou com a Condessa, durante algum tempo, pelo Egito, Grécia e partes da Europa Oriental.

 

            Helena Pissarev sugeriu que o príncipe Galitzin teria sido responsável tanto por essa viagem em companhia da Condessa, quanto por dar a Helena o endereço de um Ocultista no Egito, onde:

 

“... Madame Blavatsky já começou a receber algum ensinamento oculto, embora de uma ordem muito diferente e inferior do que ela adquiriu mais tarde. Naquela época havia no Cairo um velho Copta, um homem muito bem e amplamente conhecido; de consideráveis bens e influência, e com uma grande reputação como um mago. As lendas de maravilhas contadas a respeito dele pelo

(p. 89)

povo são muito emocionantes. Madame Blavatsky parece ter sido uma aluna que prontamente atraiu seu interesse e que absorvia suas lições com entusiasmo. Ela encontrou-se com ele novamente alguns anos mais tarde, e passou algum tempo com ele em Boulak, mas seu contato com ele no começo não durou muito tempo, pois naquela época ela passou apenas cerca de três meses no Egito.” (Sinnett 1886, 59)

 

            Já mencionamos um encontro, que ocorreu anos mais tarde, quando HPB fechou sua Société Spirite e foi morar em Boulak, próximo ao Museu e “entrou novamente em contato com seu velho amigo, o Copta de fama misteriosa, cuja menção foi feita em conexão à sua primeira visita ao Egito, no início de suas viagens. Por várias semanas ele foi seu único visitante.” (Sinnett 1886, 160)

 

 

Albert Rawson, Companheiro das Primeiras Viagens de HPB

 

            HPB tinha um companheiro de viagens, Albert Rawson, que não é citado por Sinnett. Embora ainda seja pouco conhecido, foi um personagem importante nos primeiros tempos da Sociedade Teosófica. Em fevereiro de 1892, Albert Rawson escreveu um artigo sobre Madame Blavatsky, onde afirma que a conheceu por mais de 40 anos, portanto antes de 1852, e que estava com ela no Cairo. Nesse artigo, ele conta:

 

“Madame e seu amigo artista [o próprio Rawson] estavam disfarçados de muçulmanos, apenas para evitar perturbações da multidão pois, naqueles tempos, pessoas em trajes europeus certamente seriam molestadas como infiéis odiados, se não realmente colocados em perigo de vida ou em apuros por fanáticos enlouquecidos. Nesse disfarce eles, a salvo, visitaram o chefe dos encantadores de serpentes, Sheik Yusef ben Makersi, aprenderam segredos, e tomaram lições, de modo que se tornaram especialistas em lidar com serpentes vivas sem perigo.

            “Uma auspiciosa amizade foi feita com Paulos Metamon, um celebrado mago copta, que possuía vários livros muito curiosos, cheios de diagramas, fórmulas astrológicas, encantamentos mágicos e horóscopos, e que ele apreciava mostrar a seus visitantes, após uma introdução adequada.

(p. 90)

            “– Somos estudantes que ouviram falar de seus grandes conhecimentos e habilidades em magia e desejamos aprender a seus pés.

            “– Eu percebo que vocês são dois europeus disfarçados, e não tenho dúvida de que estão à procura de conhecimento – de saber oculto e mágico. Eu procuro recompensa.

            “Ah, lá estava a chave para os mistérios ocultos da velha Cairo. O chefe – o sheik dos magos – havia descoberto o segredo da pedra filosofal, que transformava as coisas em ouro. Ele foi enriquecido por nós, e nós fomos iluminados.” (Rawson 1988, 210)

 

            Observemos que Rawson se refere a Metamon como um mago copta que havia “descoberto o segredo da pedra filosofal”. Portanto, não era um mago qualquer, mas alguém que já acessara profundos conhecimentos ocultos. Como veremos, a relação de Madame Blavatsky com esse instrutor pode ter sido bem mais profunda e duradoura do que se imagina. Que “recompensa” e que “riqueza” maior pode ter um Instrutor do que a entrega “a seus pés” e a ardente devoção de seus jovens pupilos?

 

 

Paulos Metamon

 

            Olcott, em seu livro Old Diary Leaves fala um pouco mais sobre Paulos Metamon, relatando uma experiência que HPB lhe contara:

 

“Ela estava viajando no deserto, com um certo mago branco copta, que deve permanecer sem ser nomeado e, acampando uma noite, expressou o ardente desejo por uma xícara de um bom café com leite francês. ‘Bem certamente, se você o deseja tanto’, disse o guia guardião. Ele foi até o camelo das bagagens, tirou água de um odre, e após um momento retornou, trazendo em suas mãos uma xícara de um fumegante e aromático café com leite. HPB pensou que isso era, é claro, uma produção fenomênica, uma vez que seu companheiro era um elevado adepto e possuía poderes muito grandes. Então ela lhe agradeceu e bebeu deliciando-se, e declarou que nunca havia tomado um café melhor no Café de Paris. O mago não disse nada, mas apenas se inclinou, se divertindo, e ficou de pé ao seu lado, como se estivesse esperando para receber a xícara de volta. HPB sorveu a bebida fumegante e tagarelou feliz e – mas o que é isto? O café havia desaparecido e nada

(p. 91)

senão água pura permaneceu em sua xícara! Nunca havia sido nada além disso; ela estava bebendo, cheirando e sorvendo a Maya [ilusão] de um quente e aromático café com leite.” (ODL I, 432)

 

            Lembremo-nos que Paulos Metamon era um mago copta; que ele era “o sheik dos magos”; que “havia descoberto o segredo da pedra filosofal”; e que ele havia “iluminado” tanto HPB quanto Albert Rawson. Considerando todos esses dados, é muito provável que o mago branco copta, que deveria permanecer sem ser nomeado, com quem HPB estava viajando no deserto seja Paulos Metamon. E aqui ele é qualificado por Olcott como sendo um “elevado adepto que possuía poderes muito grandes”.

 

            Já vimos que John King era um Iniciado, um Irmão da Ordem e instrutor de HPB. Paulos Metamon é, além de qualquer dúvida, aquele que é reconhecido na literatura como o primeiro instrutor de HPB. Assim, é bem provável que Paulos Metamon seja mais um nome “daquele poder que chamei de John King”.

 

            Olcott ainda conta que soube por meio de uma testemunha ocular [que só pode ser Albert Rawson] que enquanto HPB estava no Cairo os mais extraordinários fenômenos ocorriam em qualquer sala que ela estivesse. Por exemplo, a luminária que estava numa mesa mudaria para outra, passando pelo ar, como se estivesse sendo carregada por uma mão invisível, e que:

 

“... esse mesmo misterioso Copta sumiria de repente do sofá onde estava sentado, e muitas outras maravilhas, não mais consideradas como milagres, desde que os cientistas nos provaram a possibilidade de inibição dos sentidos de visão, audição, tato e olfato por mera sugestão hipnótica. Sem dúvida, essa inibição foi provocada no grupo presente, fazendo o grupo ver o Copta desaparecer e a lâmpada se mover pelo espaço, mas não a pessoa cuja mão a estava carregando.” (ODL I, 23)

 

            Essa lâmpada se movendo no ar, carregada por uma mão invisível, nos faz recordar o “John da lâmpada fosforescente”, que aparecia em Londres, andando “pela casa do médium com uma lâmpada em sua mão”. Esse é John King que Madame Blavatsky disse estar bastante certa de que era o John dela.

 

 

(p. 92)

Viagens ao Peru (década de 1850)

 

            Ainda de acordo com Sinnett, HPB viajou pela Europa com a Condessa B.[Bagration], em 1850. Estava no final de 1850 em Paris e, em julho de 1851, teria ido ao Canadá atrás dos índios pele-vermelha. De lá foi para Nova Orleans estudar a prática do Vodu, “uma seita de negros (...) adeptos de um tipo de magia prática”. (Sinnett 1886, 63). Seu envolvimento com eles deve ter ficado perigoso, pois:

 

“... a estranha proteção que tão frequentemente havia se manifestado em seu benefício durante sua infância – a qual tinha, por essa época, assumido uma forma mais definida, pois ela havia agora encontrado, como um homem vivo, o semblante há tanto tempo familiar de suas visões – novamente vem em seu socorro. Ela foi avisada por meio de uma visão do risco que estava correndo com os Vodus, e de imediato se lançou à procura de novas aventuras.” (Sinnett 1886, 63)

 

            Note-se que “agora” refere-se ao ano de 1851, quando “ela já havia encontrado, como um homem vivo” seu estranho protetor durante a infância – e que é ao “poder” John King que ela diz que “tem estado familiarizada desde a infância”, como já mencionamos. Cabe realçar que usualmente se supõe que foi o Mestre Morya quem exerceu o papel de seu “estranho protetor durante a infância”.

 

            Sinnett também relata que em 1852 ela foi para o México através do Texas. Após suas andanças pelo México, ela resolveu que iria para a Índia:

 

“... pois já estava completamente consciente da necessidade de buscar, além das fronteiras norte daquele país, por uma maior aproximação com aqueles grandes instrutores da mais elevada ciência mística, com os quais estava associado, em sua mente, o guardião de suas visões.” (Sinnett 1886, 65)

 

            Ela, então, escreveu para um certo “inglês” juntar-se a ela nas Índias Ocidentais [região de Cuba, Bahamas, Haiti, Porto Rico e Jamaica] a fim de que fossem para o Oriente. Em “Copau”, no México, ela encontrou-se com um hindu, o qual:

 

“... ela logo verificou ser o que se chama de um ‘chela’, ou aluno dos Mestres ou adeptos da ciência oculta oriental. Os três peregrinos do misticismo foram, via o Cabo, para o Ceilão e, depois disso, num veleiro, para Bombay onde, pelo que eu deduzi das datas devem ter chegado quase no final de 1852.” (Sinnett 1886, 66)

 

(p. 93)

            “Copau”, México, nunca foi identificada e muitos autores tendem a crer que ela estivesse se referindo a Copán, que fica em Honduras, um pouco ao sul do México. O grupo separou-se em Bombay. (Sinnett 1886, 64-66). Como já vimos, é bastante provável que esse “inglês” seja o americano Albert Rawson, o companheiro de HPB no Cairo quando ambos foram instruídos por Paulos Metamon.

 

            De acordo com pesquisa de John P. Deveney, Rawson foi acusado de roubo, em 1851, em Nova Iorque e ficou preso entre setembro de 1851 e junho de 1852. (Deveney)

 

            Em comunicação particular, Deveney situa Albert Rawson no Cairo em 1853 e também talvez em 1855. E em Paris no ano de 1858. Com essas informações adicionais, caso Rawson seja realmente o companheiro de viagens de HPB, ela dificilmente teria ocorrido em 1851. O fato dele estar no Cairo em 1853, situa esse ano como bastante provável para a viagem dele com HPB.

 

            Embora Sinnett não mencione a América do Sul, em Ísis Sem Véu HPB revela ter estado no Peru duas vezes (Isis Unveiled I, 597). Por suas descrições, acredita-se que deve ter viajado extensivamente tanto na América Central quanto na América do Sul, visitando antigas ruínas. As datas mais prováveis dessas viagens à América do Sul são após o México, em 1852, e em 1854, após ter andado pela Califórnia.

 

            Annie Besant encontrou em Advar um manuscrito onde consta, numa letra que não se sabe de quem é, uma cronologia de viagens de HPB. Por essa cronologia ela teria estado na América do Sul em 1851 e na América Central em 1855. (Neff, 299)

 

            Há ainda um outro manuscrito, de quatro páginas, que foi encontrado nos Arquivos da Sociedade Teosófica, em Adyar, provavelmente relacionado com alguma viagem de HPB à América do Sul. Na primeira página, há o desenho de parte da costa oeste da América do Sul, indicando algumas cidades e a fronteira entre Peru e Bolívia.

 

            Ao lado do mapa há notas escritas numa mistura de italiano com francês, falando da história do tesouro dos incas, semelhante àquela que depois é narrada em Ísis Sem Véu (Isis Unveiled I, 595-598) Há também uma curta linha em inglês e uma outra num tipo de escrita que parece ser oriental. No topo da página aparecem duas inscrições. A primeira, assinada por H. Moore, diz “Para aqueles que eu amo e protejo. Tentem.”

 

(p. 94)

            A segunda, que é o que nesse momento mais nos interessa, está assinada por John King, e Boris de Zirkoff descreve que “está na caligrafia arcaica usada por John King e está assinada por ele”. (CW II, 342) É uma frase curta que diz “Pessoal eu lhes recomendo ponderar e discutir.” (CW II, 320) (Figura 1)

 

            Examinando a caligrafia no fac-símile citado acima e naqueles das mensagens precipitadas em Filadélfia, em 1874 (Olcott 1875, 457 e 468), ou ainda no fac-símile de um bilhete de John King a Olcott, em 1876 (Godwin 1994a, 10), vemos que as caligrafias são tão pitorescas que logo percebemos pertencerem à mesma pessoa. (Figura 2)

 

            Isso está nos indicando que o John King que instruía Olcott, que atuava como seu intermediário nas correspondências com a “Loja” e que aparecia nas sessões mediúnicas na casa dos Eddy, era o mesmo que, no início da década de 1850, estava aconselhando HPB e seus companheiros a “ponderar e discutir” sobre planos de viagens à América do Sul e, portanto, já estava com HPB desde essa época! Como vimos, isso deve ter ocorrido entre 1851 e 1855, novamente nos remetendo a um período de conhecimento entre HPB e John King bem anterior a 1860.

 

            Não há muitas dúvidas de que esse bilhete é para HPB, pois, se assim não fosse, o que estaria fazendo nos Arquivos da ST em Adyar? E, pela maneira familiar, senão íntima, com que John King se dirige aos que está aconselhando, esses parecem ser pessoas muito conhecidas. Ele diz “Folks”, o que quer dizer “pessoal, gente”.

 

            Considerando que Albert Rawson e Madame Blavatsky estavam juntos no Cairo, quando Paulos Metamon os instruiu e aceitando que Rawson possa realmente ser o “inglês” companheiro de viagens de HPB, então a maneira íntima e familiar usada por John King torna-se bastante compreensível e constitui um elemento adicional que reforça a conclusão de que Metamon e John King sejam a mesma pessoa.

 

 

 

Figura 1: Caligrafia de John King na nota sobre viagem para o Peru. (CW II, 320)

 

 

(p. 95)

 

Figura 2: Amostras da caligrafia de John King.

(esquerda) Filadélfia em 1874 (Olcott 1875, 457, 468)

(direita) nota para Olcott em 1876 (Godwin 1994a, 10)

 

 

 

Identificação de John King (1884)

 

            Somente anos mais tarde, em 1884, é que HPB nos revela quem realmente era John King. Arthur Lillie havia escrito um artigo chamado Koot Hoomi Unveiled (Koot Hoomi Sem Véu), com muitas críticas à HPB e aos Mestres. No artigo, Lillie afirmava: “Por catorze anos (1860 a 1875) Madame Blavatsky foi uma espírita declarada, controlada por um espírito chamado John King”. (CW VI, 269) Em agosto de 1884, Madame Blavatsky responde:

 

“... Sr. Lillie afirma que eu conversei com esse ‘espirito’ (John King) durante quatorze anos, ‘constantemente, na Índia e em outros lugares.’ Para começar, eu aqui afirmo que nunca ouvi o nome de John King antes de 1873. É verdade que falei ao Coronel Olcott e a muitos outros, que a forma de um homem, com uma face pálida morena, barba preta, roupas brancas flutuantes e turbante, que alguns deles haviam encontrado pela casa e em meus aposentos, era aquela de um ‘John King’. Eu tinha lhe dado aquele nome por razões que serão completamente explicadas muito em breve, e ri muito ao ver o modo fácil como o corpo astral de um homem vivo pode ser confundido, e aceito como sendo um espírito. E eu lhes contei que eu havia conhecido aquele ‘John King’ desde 1860; pois era a forma de um adepto oriental, o qual, desde então foi para sua iniciação final. nos visitando

(p. 96)

em seu corpo físico ao passar por Bombay em seu caminho. (...) Eu tenho conhecido e conversado com muitos ‘John King’ em minha vida – um nome genérico para mais de um espectro – mas, graças aos céus, eu ainda nunca fui ‘controlada’ por um! Minha mediunidade tem sido expurgada de mim por um quarto de século ou mais; e eu desafio em voz alta todos os ‘espíritos’ do Kama-loka a se aproximarem – que dizer me controlarem agora.” (CW Vl, 271)

 

            Como vimos, John King assina o bilhete relacionado com o Peru, que é de meados dos anos 1850. Portanto, não é verdade que HPB nunca havia ouvido falar no nome John King antes de 1873. Mas Lillie volta a criticar a resposta de HPB, interpretando que ela estava identificando o “adepto oriental” (John King), como sendo o Mestre KH, afirmando: “que o Mestre KH vinha constantemente vê-la com barba preta e longas vestes brancas flutuantes”. Ela então volta ao assunto num segundo artigo, em outubro de 1884, negando o que Lillie havia dito e desafiando-o a provar o que estava afirmando, pois, em seu artigo anterior ela havia se referido a:

 

“... um ‘adepto oriental, o qual, desde então foi para sua iniciação final’, que havia passado, en route do Egito para o Tibet, por Bombay e nos visitou em seu corpo físico. Por que esse ‘Adepto’ deveria ser o Mahatma em questão? Então, não há nenhum outro Adepto além do Mahatma Koot Hoomi? Todo teosofista na sede sabe que eu mencionava um cavalheiro grego a quem conheço desde 1860, enquanto que nunca vi o correspondente do Sr. Sinnett antes de 1868.” (CW Vl, 291)

 

            Essa afirmação da Velha Senhora é referenciada pelo próprio Mestre KH, que também se refere à viagem “de um dos nossos” de Chipre para o Tibet passando, em seu caminho, por Bombay:

 

“E o problema da Sra. B [Blavatsky] é (além da enfermidade física) que ela algumas vezes ouve duas ou mais de nossas vozes ao mesmo tempo; p. ex., essa manhã enquanto o ‘Deserdado’ [Djual Khool] (...) estava falando com ela sobre um assunto importante, ela emprestou um ouvido a um dos nossos, que está passando por Bombay vindo de Chipre, em seu caminho para o Tibet – e, assim, misturou as duas numa confusão inextricável. Mulheres realmente carecem do poder de concentração.” (MLcr., 52)

 

(p. 97)

            A identificação conclusiva de quem era o Adepto oriental “John King” vem do fato que Sinnett recebeu essa carta do Mestre KH no dia 20 de fevereiro de 1881 e, nos diários de Olcott, há uma entrada na data de 19 de fevereiro de 1881, escrita em Bombay, onde lemos:

 

“Hillarion está aqui en route para o Tibet e tem examinado cuidadosamente por todos os ângulos, a situação. Acha B–– algo moralmente horrível. Opiniões sobre a Índia, Bombay, a ST em Bombay, Ceilão (___), Inglaterra e Europa, Cristianismo e outros assuntos altamente interessantes”. (LMW 2nd Series, 82)

 

            Assim, comparando as afirmações de HPB, Olcott e do Mestre KH, chegamos à identificação clara de que John King, o Instrutor e Sahib de HPB é o Adepto ligado à Hierarquia que conhecemos pelo nome de Hillarion.

 

            É interessante notar que Madame Blavatsky não se refere a ele como um Mestre, mas como um Adepto Oriental, que depois passou por sua iniciação final. Nas cartas para Sinnett, ela se refere a ele simplesmente como “Illarion”, como podemos ver na passagem que é erroneamente usada por muitos autores para dizer que HPB o encontrou pela primeira vez em 1860, na Grécia:

 

“Por favor, não fale de Mentana e não fale do MESTRE [M.], eu lhe imploro. Eu voltei da Índia num dos primeiros vapores. Mas primeiro fui à Grécia e vi Illarion, em que lugar eu não posso e não devo dizer.” (LBS, 153)

 

            Note-se que ela está dizendo que primeiro foi à Grécia e viu Hillarion, e não que foi à Grécia e pela primeira vez viu Hillarion. No original: “But I first went to Greece and saw Illarion, in what place I can not and should not say.” Além da tradução nesse caso não dar margens a dúvidas, já identificamos que o Mestre Hillarion é John King e, conforme vimos acima, ela já o havia encontrado bem antes de 1860.

 

 

Mestre Hillarion e Paulos Metamon com HPB no Cairo (1872)

 

            Já citamos o episódio da morte de Metrovitch em 1872, no Cairo. Nesse, ela demonstra claramente que suas ações, naquela época, estavam sendo orientadas pelo Mestre Hillarion, como um Instrutor, de forma análoga à época de John King. Ela escreve para Sinnett:

 

(p. 98)

“Eu fui avisada por lliarion, então fisicamente no Egito – e fiz com que Agardi Metrovich viesse diretamente até mim e não deixasse a casa por dez dias. (...) Ele (...) foi para a Alexandria mesmo assim e eu fui atrás dele (...) fazendo como Illarion me disse (...). Eu nunca o deixei, pois sabia que ele iria morrer, como Illarion havia dito, e assim aconteceu.” (LBS, 189-190)

 

            Ela também relata para Sinnett que enterrou Metrovitch com a ajuda do servente do hotel e de “um discípulo de Illarion”. (LBS, 190)

 

            É interessante observar que a época em que HPB revela que o Mestre Hillarion estava fisicamente no Cairo, é justamente a época logo após a tentativa frustrada de fundar a Société Spirite. Ou seja, quando estava novamente com Paulos Metamon, o qual “por várias semanas foi seu único visitante”. Isso, mais uma vez, fortalece a hipótese de que John King, isto é, o Mestre Hillarion, também seja Paulos Metamon.

 

 

Mabel Collins e o Mestre Hillarion (1878)

 

            Mabel Collins é conhecida no meio teosófico principalmente como autora das obras que se tornaram clássicos da literatura teosófica: O Idilio do Lótus Branco e de Luz no Caminho. O Idílio foi publicado em 1884, pouco antes dela entrar para a Sociedade Teosófica, em Londres. Sinnett, num artigo sobre experiências psíquicas, publica o relato que Mabel Collins lhe fizera de como o Idílio havia sido escrito.

 

            Em 1878 ela estava morando em Londres quando, bem próximo à sua janela, foi colocado o obelisco de Cleópatra. Desde a primeira vez que olhou para o obelisco, percebeu nele um rosto que logo descobriu que não era visível para mais ninguém. “Era um rosto egípcio, cheio de poder e vontade, e intensamente vivo”. (Sinnett 1987, 121)

 

            Imediatamente após a chegada do obelisco, Mabel Collins também começou a perceber que uma longa fila de sacerdotes egípcios, com vestes brancas, entravam em sua casa e ficavam de pé à sua volta, enquanto ela escrevia. Isso acontecia frequentemente e ela se acostumou a tê-los por perto. Um dia, enquanto estava escrevendo sua novela e sua

(p. 99)

cunhada trabalhava na mesma sala, pintando, a longa fila de sacerdotes entrou e a rodeou. Ela não disse nada à cunhada, pois já havia descrito o fato várias vezes, e continuou a escrever, atarefada. Mabel Collins então descreve que a cunhada:

 

“... olhou para mim e notou uma mudança em minha aparência; eu havia me tornado rígida, ou como alguém transformada em pedra, como ela expressou; meus olhos estavam firmemente fechados, mas eu escrevia sem parar, tão rápido   como sempre, e ela me assistiu jogando página após página para o lado, com a tinta ainda molhada.

            “Isso continuou por um tempo considerável até que, finalmente, abri os olhos e larguei a caneta. Eu estava muito cansada, mas absolutamente inconsciente do fato de que tinha estado inconsciente – ou, fora do corpo – ou seja lá o nome que se queira dar. Ela não disse nada, mas ainda me observava, e me viu pegar uma página de meu manuscrito para olhar e descobrir, para meu inexprimível espanto, que não era, como eu acreditava, uma página da novela que estava escrevendo, mas algo completa e absolutamente desconhecido para mim. Peguei página após página e as olhei com o mesmo espanto. Descobri que tinha em minhas mãos, completos, o prólogo e o primeiro capitulo de O Idílio do Lótus Branco. (...) Para mim, foi uma experiência muito maravilhosa, pois eu nunca havia, até então, sabido o que era ser completamente tirada de meu corpo para que minha mão e minha caneta pudessem ser usadas por uma outra inteligência, sem que meu ser – se assim posso expressá-lo – estivesse presente.

            “De tempos em tempos, após isso, algo semelhante ocorreu embora eu nunca estivesse tão absolutamente ausente da cena quanto da primeira vez; e os sete primeiros capítulos do Idílio foram completados. A escrita foi toda completamente automática; e eu nunca estava consciente de uma única palavra que foi escrita e depois o lia do mesmo modo como leria algo escrito por uma outra pessoa.” (Sinnett 1987, 121)

 

            Mabel Collins relata que quando o sétimo capítulo ficou pronto os sacerdotes deixaram de aparecer e, embora ela estivesse ansiosa para ver o manuscrito terminado, não conseguiu escrever mais nenhuma palavra nele por sete anos. Entre 1884-85, em meio a muitos problemas e doenças:

 

(p. 100)

“... o trabalho foi novamente retomado por um misterioso poder fora de mim mesma, para quem eu era um instrumento escolhido, e foi concluído da mesma maneira que os sete primeiros capítulos foram escritos, sem que eu estivesse consciente de uma única palavra”. (Sinnett 1987, 122)

 

            As circunstâncias sob as quais Luz no Caminho foi escrita foram muito diferentes. Mabel Collins diz que esse livro é o resultado de seu árduo esforço de obter algum conhecimento, fora de seu corpo. Ela se sentia como uma criança que começa a descobrir seus sentidos recém adquiridos. Era conduzida pela mão por um ser poderoso que lhe mostrava o que olhar e como entender o que era. Num vasto salão, que ela chamou de “Salão do Aprendizado”, ela viu as paredes cobertas de pedras preciosas e, com a ajuda de seu guia, percebeu que elas formavam frases. Lhe disseram que ela procurasse lembrar cuidadosamente dessas frases e as escrevesse imediatamente após retornar ao corpo físico. Essas foram as primeiras frases de Luz no Caminho. Dessa maneira, aos poucos, todo o livro foi escrito. (Sinnett 1987, 123)

 

            Mabel Collins encontrou-se com HPB, rapidamente, em novembro de 1884, antes de sua partida para a Índia. Numa carta publicada em Light, em junho de 1889, HPB diz:

 

“... quando a encontrei [Mabel Collins] ela havia recém terminado O Idílio do Lótus Branco o qual, como ela afirmou para o Coronel Olcott, lhe havia sido ditado por uma ‘pessoa misteriosa’. Guiados por suas descrições, nós dois reconhecemos um velho amigo nosso, um grego. que não era um Mahatma, embora fosse um Adepto; acontecimentos posteriores provaram que estávamos certos”. (CW VIII, 427)

 

            Numa carta para Khandalavala, em julho de 1888, Madame Blavatsky escreve que, até 1884, Mabel Collins era uma mulher que não dava grande atenção às questões espirituais. Porém, nesse ano, ela:

 

“... viu diante dela, muitas vezes, a figura astral de um homem moreno (um grego que pertence à Fraternidade de nossos Mestres), que a instigou a escrever sob seu ditado. Era Hillarion, a quem Olcott conhece bem. O resultado foi Luz no Caminho e outros.” (Gomes 1991, 194)

 

            Assim, HPB identifica como sendo o Mestre Hillarion quem apareceu novamente para Collins, em 1884, e a fez escrever sob sua influência, concluindo o Idílio e escrevendo Luz no Caminho.

 

(p. 101)

            Numa cópia de Luz no Caminho Mabel Collins escreveu que o livro foi um trabalho feito sob “Sri Hilarion”, tendo começado em outubro de 1884 e, o pequeno ensaio sobre a Lei do Carma, que aparece como um apêndice, foi escrito em 27 de dezembro de 1884. (CW VIII, 428) (Figura 4)

 

            Observemos, nas duas citações acima, que HPB diz que não apenas ela, mas também Olcott, reconheceram de imediato o “velho amigo grego”, e que era “Hillarion, a quem Olcott conhece bem.” Isso é muito revelador porque sabemos que era com John King que Olcott havia convivido mais intensamente, desde seus primeiros passos no Ocultismo, em Filadélfia e em Nova Iorque.

 

            Sinnett, no artigo citado, também publica o fac-símile de uma página do manuscrito original do Idílio, onde aparece “uma letra completamente diferente da dela própria.” (Sinnett 1987, 119) [Comparar as letras nas Figuras 3 e 4].

 

            Lembremos que quando Mabel Collins descreve a produção desse manuscrito, ela diz que tinha sido: “completamente tirada de meu corpo para que minha mão e minha caneta pudessem ser usadas por uma outra inteligência”. Examinando esse fac-símile (Figura 3), novamente notamos características da letra de John King (Figura 2). E, uma vez que a autoria do Mestre Hillarion, nessas duas obras trazidas ao mundo por Mabel Collins é algo amplamente aceito, as semelhanças nas caligrafias, reforçam a identificação de John King como sendo o Mestre Hillarion.

 

 

 

 

Figura 3: Caligrafia de Mabel Collins escrevendo em transe O Idílio do Lótus Branco (Sinnett 1987, 120)

 

 

(p. 102)

 

LIGHT ON THE PATH.

 

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Figura 4: Caligrafia de Mabel Collins em seu estado normal. (CW VIII, 428)

 

 

Nossos Modos de Ação São Estranhos e Não Usuais

 

            Será que, de fato, existiu mais de um John King: o elemental, o espírito desencarnado e o Adepto? Até hoje, a principal referência nesse sentido é o próprio Olcott. Entretanto, já mencionamos que ele mesmo reconheceu que a forma de um espírito desencarnado era a que, naquela época, ele mais facilmente poderia aceitar: “fui apresentado a eles por HPB através do meio que minhas experiências

(p. 103)

anteriores poderiam tornar mais compreensível, um pretenso “espírito” que incorporava em médiuns.” (ODL I, 19)

 

            Muitos autores aceitam a fácil explicação de Olcott, de que havia mais de um John King, pois assim atitudes como as “brincadeiras” que fazia com Madame Blavatsky – as quais contrariam as noções preestabelecidas acerca do modo que um mensageiro e servo dos Adeptos vivos “deveria” agir – encontram uma explicação. Como não as entendemos, essas atitudes são convenientemente atribuídas ao espírito desencarnado ou ao elemental.

 

            Porém, são essas próprias “brincadeiras” e atitudes, como atirar uma “pedra cáustica” no rosto de Madame Blavatsky, ou pedir dinheiro numa aparente troca de favores, que tornam insustentável a cômoda explicação de Olcott. Como explicar que Madame Blavatsky aceitasse tais atitudes, caso vindas de um espírito? Como vimos, nessa época HPB já possuía um desenvolvimento de seus poderes que não permitiria jamais que um espírito desencarnado a desafiasse ou influenciasse. Como ela mesma afirmou:

 

“Eu tenho conhecido e conversado com muitos ‘John King’ em minha vida – um nome genérico para mais de um espectro – mas, graças aos céus, eu ainda nunca fui ‘controlada’ por um! Minha mediunidade tem sido expurgada de mim por um quarto de século ou mais; e eu desafio em voz alta todos os ‘espíritos’ do Kama-loka a se aproximarem – que dizer me controlarem agora.” (CW VI, 271)

 

            Tudo isso nos indica que só pode haver um John King – que é difícil de “digerir” – e cujos métodos e modos de ação se chocam com as noções mundanas que temos do que deve ou não deve ser a conduta de um Adepto. Mas, não nos esqueçamos de que, na verdade, conhecemos muito pouco dos métodos Deles. Como o Mestre KH escreveu:

 

“Nossos modos de ação são estranhos e não usuais e, muito frequentemente, propensos a criar suspeita. Essa última é uma armadilha e uma tentação. Feliz é aquele cujas percepções espirituais sempre lhe sussurram a verdade! Julgue aqueles diretamente envolvidos conosco por essa percepção, não de acordo com suas noções mundanas das coisas.” (LMW 1st Series, 32)

 

 

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