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Capítulo 2

 

 

Da Infância ao Casamento com Nikifor Blavatsky (1831-1849)

 

            George R.S. Mead, secretário particular de HPB nos últimos anos de sua vida, relata o quão estranho, para não dizer vulgar, lhe parecia quando após alguns anos da morte de HPB, ele ouvia alguém se referindo a ela simplesmente como “Blavatsky”. Ele diz:

 

““Blavatsky?” Ninguém que a conheceu, a conheceu assim “tout court” [“e pronto]. Mesmo para os seus inimigos, enquanto ela viveu, ela era Madame Blavatsky, ou pelo menos, H.P. Blavatsky; enquanto que para os que gostavam dela e eram seus amigos, ela era Helena Blavatsky, ou HPB, ou a “Velha Sra.”“(Mead, 1)

 

            Olcott Comenta sobre a aversão que ela tinha a ser chamada simplesmente de “Madame”:

 

“Alguém sabe porque ela preferia ser chamada “HPB” e detestava tanto o título de “Madame”? (...) Ao título “Madame” ela tinha uma certa aversão pois o associava a uma cadela que uma sua conhecida possuía em Paris e que lhe desgostava especialmente. Penso que a aparente excentricidade de chamar-se pelas três iniciais tem um significado mais profundo do que o que geralmente se suspeita. Significa que a personalidade de nossa amiga estava tão misturada com aquelas dos seus vários Mestres que, na verdade, o nome que ela usava raramente se aplicava a qualquer inteligência que momentaneamente a estivesse controlando; e o personagem asiático que estava falando através de seus lábios certamente não era nem Helena, nem a viúva do General Blavatsky, nem sequer uma mulher. Mas cada uma dessas personalidades que se substituíam contribuíam para criar uma entidade composta da soma de todas e da própria Helena Blavatsky. a qual bem poderia ser designada de “HPB” ou de qualquer outra coisa.” (ODL l, 408).

 

            Helena Petrovna von Hahn era filha do coronel Peter von Hahn e Helena Andreyevna, nascida Fadeyev, renomada escritora que faleceu ainda jovem. Seus avós maternos eram o Conselheiro Andrey de Fadeyev e a Princesa Helena Pavlovna Dolgorukov.

 

            Ela nasceu na noite de 30 para 31 de julho de 1831 pelo calendário juliano, ou 12 de agosto pelo calendário moderno, em

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Ekaterinoslav, Ucrânia. De acordo com uma antiga crença popular russa, nessa noite o “domovoy” uma espécie de duende da casa, torna-se mau e irritado, fazendo todo tipo de diabruras na casa. Apenas os nascidos durante a noite de 30 de julho estão imunes ao seu poder. Por essa razão as amas ucranianas atribuíam-lhe um poder sobrenatural e lhe tinham muito medo, aumentado pela constatação dela brincar e conversar com seres invisíveis. Isso que fez com que se tornasse uma criança voluntariosa, que a ninguém obedecia.

 

            Sua irmã Vera nasceu em abril de 1835 e seu irmão Leonid em junho de 1840. Nos primeiros dez anos de vida a família mudou várias vezes de residência, por causa da saúde precária de sua mãe e também devido às constantes transferências do batalhão de artilharia do pai. Dos seis aos nove anos ela preferia a companhia dos soldados a das criadas, passando longos períodos no batalhão do pai.

 

            Helena era uma criança dotada de grande vivacidade e imaginação. Tinha sonambulismo e falava dormindo. Extremamente inteligente e de uma ousadia notável, assombrava a todos que dela se acercavam, com suas atitudes voluntariosas e decididas. Com base em relatos de sua irmã, Sinnett descreve:

 

“Seu caráter, estranhamente excitável ainda hoje, fez-se notar desde a mais tenra idade. Por essa ocasião era presa de acessos de cólera incontroláveis, e estava sempre disposta a se revoltar contra toda e qualquer autoridade. Entretanto, tinha também impulsos de calorosa afeição que conquistavam a amizade dos que a cercavam e que, mais tarde, serviram para acalmar os amigos que se irritavam pela sua falta de calma perante os acontecimentos da vida prática.” (Sinnett 1886, 25)

 

            A mãe faleceu em 6 de julho de 1842 e as crianças foram morar com os avós, em Saratov, onde ficaram até 1845. Em agosto de 1846, os avós e uma de suas tias, Nadyezhda (ou Nadya) que era apenas três anos mais velha que Helena, mudaram-se para Tiflis, no Cáucaso, e as crianças foram morar com a tia, Catherine de Witte, seu marido e os dois filhos. No inverno de 1848-49 a família reuniu-se aos avós, em Tiflis. Em julho de 1849 Helena Petrovna casou-se com Nikifor Blavatsky.

 

 

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A “História Oficial” do Casamento com Nikifor V. Blavatsky

 

            A própria HPB e sua tia Nadya contaram para Sinnett que ela resolvera se casar com o velho Blavatsky, que tinha três vezes a sua idade, reagindo a uma provocação de sua governanta, Miss Jeffries, que teria dito que, com seu gênio terrível, nenhum homem, nem mesmo o velho Blavatsky se casaria com ela. (Sinnett 1886, 54)

 

            É bom lembrar que quando Sinnett escreveu seu livro, HPB ainda era viva, e não queria que fossem revelados muitos detalhes de sua vida anterior à fundação da Sociedade Teosófica, época a partir da qual ela se tornou uma pessoa mais amplamente conhecida. Muitos biógrafos têm simplesmente repetido essa história, com poucas modificações, até mesmo em biografias recentes, como é o caso de Sylvia Cranston, em seu livro The Extraordinary Life and Influence of Helena Blavatsky (Helena Blavatsky: A Vida e a Influência Extraordinária da Fundadora do Movimento Teosófico Moderno).

 

            Em resumo, a história apresentada por Cranston é a seguinte: Aos 16 anos HPB teria conhecido o príncipe Galitzin. Nessa época ela estava muito ocupada com os livros místicos da biblioteca de seu bisavô, e Galitzin era alguém com quem ela podia discutir esses assuntos. Após vários meses, o príncipe teria deixado Tiflis e não se sabe se HPB o encontrou novamente.

 

            Durante o inverno de 1848-49, HPB, então com 17 anos, surpreendeu a família, dizendo que iria se casar e que o escolhido era o velho Nikifor Blavatsky. Sua tia Nadya explicou que isso era uma resposta à provocação da governanta, que teria dito que ela não encontraria um homem que quisesse desposá-la, tendo em vista seu temperamento. Que nem mesmo o velho Blavatsky que ela achara tão feio, e de quem rira muito chamando-o de corvo despenado.

 

            Então, em três dias, HPB ficou noiva dele. Depois, arrependendo-se e querendo voltar atrás, desesperada, ela fugiu de casa, sumindo por alguns dias. Essa fuga teria gerado falatórios, e seus familiares insistiram no casamento. Surpreendentemente ela não resistiu mais e casou-se com Nikifor em 07 de julho de 1849. Essa é, em síntese, a “história oficial” do casamento de HPB.

 

            Entretanto outros estudiosos revelam uma versão bastante diferente. Nela também vislumbramos uma HPB voluntariosa e decidida,

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mas que não casou-se como consequência de uma reação impensada a uma provocação, mas como parte de um plano para viabilizar suas intensas buscas pelo oculto.

 

            O “velho” Blavatsky tinha 40 anos por ocasião do casamento e tudo indica que a história da governanta de HPB não é verdadeira. Numa biografia escrita para o público russo por Helena Pissarev, encontramos uma outra versão para os motivos que levaram HPB ao casamento. Essa narrativa está em sintonia com os detalhes contados pela própria HPB em cartas a um amigo, o príncipe Dondoukoff-Korsakoff.

 

            Madame Pissarev diz em seu livro que esses fatos lhe foram narrados por Madame Yermolov, esposa do governador de Tiflis entre os anos de 1840 e 1850. Todos os Yermolovs eram íntimos amigos da família de HPB, especialmente dos Fadeyevs, enquanto esses residiram em Tiflis.

 

            Vejamos um resumo de sua narrativa.

 

 

Príncipe Galitzin e a Fuga de Casa

 

            Na primavera ou início do verão de 1849, Helena fugiu de sua casa, provavelmente para seguir ao príncipe Galitzin. As poucas informações a respeito do príncipe o apresentam como um maçom, estudioso do oculto e com reputação de ser um mago. Ele costumava fazer visitas frequentes à casa dos avós de HPB quando eles residiam em Tiflis.

 

            Helena deve ter encontrado no príncipe alguém que não apenas podia entendê-la, mas também ajudá-la na intensa busca interna em que se encontrava desde os 14 anos. Ela já possuía uma vida interna, espiritual, que ninguém à sua volta podia compreender, como revela em cartas para o amigo, príncipe Dondoukoff-Korsakoff:

 

“Eu estava em busca do desconhecido. O mundo – especialmente as pessoas dadas a falatórios cruéis – conhece apenas o lado externo e objetivo de minha juventude, o qual exageram de um modo verdadeiramente cristão. Mas ninguém, nem mesmo meus pais, entendeu qualquer coisa de minha vida interna íntima, aquela que eu chamaria, no The Theosophist de “Vida da Alma”.” (HPB Speaks II, 61)

 

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“... meu bisavô materno, Príncipe Paul Vasilyevitch Dolgurouki, tinha uma estranha biblioteca contendo centenas de livros sobre alquimia, magia e outras ciências ocultas. Eu os li com o maior interesse antes dos 15 anos. Todas as artes e magias, tidas como diabólicas, da Idade Média encontraram refúgio em minha cabeça e logo nem Paracelsus, Kunrath nem C. Agrippa teriam tido alguma coisa para me ensinar. Todos eles falavam do “casamento da Virgem vermelha com o Hierofante”, e daquele do “mineral astral com a sibila”, da combinação dos princípios feminino e masculino em certas operações alquímicas e mágicas.” (HPB Speaks II, 62)

 

            Príncipe Galitzin costumava ter longas conversas com a jovem Helena. Numa ocasião, logo após uma visita do príncipe aos Fadeyev, Helena desapareceu de casa, o que foi causa de um escândalo na província. Quando ela retornou sua família apressou-se em lhe arrumar um casamento. De acordo com Madame Yermolov, eles esperavam que ela se opusesse ao casamento, mas para espanto de todos ela prontamente concordou com os planos.

 

            Baseando suas conclusões na narrativa de Madame Yermolov, Madame Pissarev opina que Helena aceitou esse arranjo para casar-se com Nikifor V. Blavatsky com o propósito expresso de tornar-se livre das restrições e da supervisão familiar, de modo que pudesse continuar com seus planos de devotar-se à busca do oculto.

 

 

A Escolha de Nikifor

 

            Ou seja, ela desapareceu de casa, deu-se um escândalo, foram buscar um casamento e Helena escolheu o noivo. Isso é algo muito diferente de ter fugido como reação ao arrependimento de ter assumido impensadamente um compromisso de matrimônio e que, ao voltar, tivesse concordado em manter a palavra já dada.

 

            A meu ver, a principal diferença é que no último caso aparece uma HPB apenas voluntariosa, enquanto que no primeiro transparece alguém que já estava firmemente decidida a seguir em sua busca e para tanto já fazia seus planos. E essa teria sido a verdadeira razão da escolha de Nikifor Blavatsky, isto é, o fato dele ser alguém que poderia lhe ajudar nesse particular.

 

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            As referências que HPB faz a respeito de seu casamento para o príncipe Dondoukoff-Korsakoff reforçam essa ideia, pois ela relata que anteriormente já compartilhava com Nikifor conversas sobre o oculto:

 

“Você sabe por que eu me casei com o velho Blavatsky? Porque enquanto todos os homens jovens riam das superstições “mágicas”, ele acreditava nelas! Ele conversava comigo tão frequentemente sobre os feiticeiros do Erivan, sobre as misteriosas ciências dos Curdos e dos Persas, que eu o escolhi com o intuito de usá-lo como uma chave do portal para esses últimos. Porém – eu nunca fui sua mulher, isso eu juro até a hora de minha morte. Eu NUNCA fui a “ESPOSA Blavatsky”, embora tenha vivido por um ano sob o seu teto.” (HPB Speaks II, 63)

 

            HPB casou-se em 7 de julho de 1849 com Nikifor Vassilyevich Blavatsky e o casal partiu no mesmo dia para Darachichang, uma estação nas montanhas próximas a Erivan. Os meses de julho e agosto devem ter sido passados nesse local, onde os recém casados foram visitados, no final de agosto, pelos avós e tias de Helena Blavatsky.

 

            As histórias de Helena andando a cavalo à volta do Monte Ararat e suas redondezas devem pertencer a esse período, quando ela era acompanhada pelo chefe curdo Safar Ali Beb Ibrahim Bek Ogli, que havia sido destacado como seu guarda-costas e que em certa ocasião salvou sua vida. (CW I, 32)

 

            Porém os problemas entre o casal logo começaram a se evidenciar, pois a intensidade da busca dos dois era muito diferente. Enquanto ela estava disposta a grandes sacrifícios em prol dessa busca, até mesmo de sua honra pública, ele não tinha a mesma disposição. Essas diferenças, naturalmente, desagradaram a Nikifor, gerando discussões que culminaram com a fuga de HPB três meses após o casamento. Ela escreve ao príncipe Dondoukoff-Korsakoff:

 

“E nem fui esposa de ninguém, como pretenderam línguas maldosas – pois eu estava por cerca de 10 meses em busca do “mineral astral” que tinha que ter a “Virgem vermelha” pura e completa, e eu não encontrei aquele mineral. O que eu queria e buscava era o sutil magnetismo que a pessoa troca, o “sal” humano, e pai Blavatsky não o tinha; e para encontrá-lo e obtê-lo, eu estava pronta para me sacrificar, para me desonrar! Isso não satisfez ao velho homem e então seguiram-se discussões, quase que batalhas,

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até que fugi dele e fui de Erivan até Tiflis – em lombo de cavalo – onde me refugiei com minha avó.” (HPB Speaks II, 63)

 

            A família, então, decidiu enviá-la para o pai. Porém, ao invés de ir encontrá-lo, HPB partiu para Constantinopla, dando início a um longo período de quase 10 anos de viagens pelo mundo. Somente após esse período é que ela retornou à Rússia.

 

            Helena Pissarev sugere que o príncipe Galitzin teria apresentado HPB a um ocultista, que testou suas capacidades psíquicas e lhe deu um endereço no Egito, provavelmente de Paulos Metamon, que foi seu primeiro instrutor. Além disso, o príncipe também teria sido responsável por sua viagem em companhia de uma outra dama russa, a Condessa Kisselev.

 

 

Cortina de Fumaça sobre o Casamento

 

            Como vimos anteriormente, no que diz respeito à criação da história que se tornou a “versão oficial” de seu casamento, a própria HPB foi responsável pela cortina de fumaça que envolveu esse acontecimento de sua vida. Apenas para os amigos, em cartas pessoais, ela se revela de um modo mais verdadeiro. E se ela agiu dessa maneira, ao menos em grande medida, o fez porque sua vida, como uma buscadora e servidora do Oculto, não se encaixava dentro dos limites dos padrões das pessoas comuns.

 

            Até mesmo quanto à duração do período que conviveu com Nikifor, uma informação que aparentemente é tão insignificante, em diferentes momentos, ela faz diferentes afirmações. Para Sinnett, que preparava sua biografia, disse que havia sido de três meses. Em janeiro de 1875 numa resposta aos editores do New York Sunday Mercury, diz que esteve com Nikifor por apenas três semanas: “Se eu me casei com um “nobre”, nunca residi com ele em qualquer lugar; pois três semanas após o sacrifício eu o deixei por razões suficientemente plausíveis aos meus olhos”. (CW I, 55)

 

            Encontramos em seu Scrapbook [livro de recortes], o recorte do artigo do NY Sunday Mercury, de 18 de janeiro de 1875, que gerou a sua resposta acima citada. Nele alguns trechos foram grifados por HPB, que também adicionou comentários indicados por asteriscos, como segue:

 

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“Helena P. Blavatsky, que tem cerca de quarenta anos de idade (*), com dezessete anos casou-se com um nobre russo então em seu septuagésimo terceiro ano de idade. Por muitos anos (**) eles residiram juntos em Odessa, e finalmente uma separação legal (***) foi efetuada. O marido morreu recentemente com 97 anos. (*) uma lorota; (**) uma mentira – estive com ele por apenas três semanas; (***) legal, porque ele morreu.” (CW I, 54)

 

            É importante observarmos que pouco tempo depois da publicação desse artigo, em 3 de abril de 1875, HPB se casou com Michael Betanelly. Como ela nunca se separou legalmente de Nikifor, se não dissesse que ele estava morto, ela seria bígama. O casamento com Betanelly também durou poucos meses. Em julho HPB já estava separada, morando em Nova Iorque. O divórcio foi legalizado quase três anos depois, a pedido de Betanelly, tendo como justificativa o abandono do lar por parte de Helena Blavatsky. William Q. Judge atuou no caso como advogado de HPB.

 

 

Pequena Biografia de Nikifor V. Blavatsky

 

            Nikifor Vassilyevich Blavatsky nasceu em 1809 e pertencia à pequena fidalguia da Província de Poltava, na Ucrânia. Trabalhou como escrivão do governo civil e jornalista para o exército. Em 1842-43 foi o chefe de vários departamentos no Cáucaso. Em 27 de novembro de 1849, foi indicado Vice-Governador da recém formada Província de Erivan, e a governou durante a ausência do Governador militar.

 

            Em toda a sua carreira, Nikifor V. Blavatsky nunca foi general ou mesmo militar. Sempre serviu em funções civis e seu nível hierárquico nunca foi superior ao de Conselheiro Civil, recebido em 9 de dezembro de 1856. Demitiu-se do cargo de Vice-Governador em 19 de novembro de 1860 e foi designado para a Sede da Administração Central do Vice-Rei. Em 1864 demitiu-se de todos os cargos e foi morar numa pequena propriedade na Província de Poltava. (Barborka, 12)

 

 

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