• SISSON, Marina Villares Lenz Cesar.
Anna Kingsford e Helena Blavatsky.
Informações:
Texto revisado e aumentado, com base nos números 7, 8 e 9 do “Informativo
HPB”. Esse texto está sendo
apresentado ao público, pela primeira vez, nesse site.
Contudo, além dos números referidos do “Informativo HPB”,
a maioria das informações nele contidas também se encontram nos
capítulos de nº. 12, 13 e 14, da obra A Esfinge Helena Blavatsky
– edição da autora, Brasília, 2003. 307 pp.
O texto Anna
Kingsford e Helena Blavatsky possui um caráter biográfico e
interpretativo, sobretudo a respeito das difíceis, porém interessantes,
relações da Dra. Anna Kingsford com a Madame Helena Blavatsky e a
Sociedade Teosófica, fundada por essa última. Segue o índice dos
capítulos e o texto completo:
ANNA
KINGSFORD E HELENA BLAVATSKY
Marina Cesar Sisson
ÍNDICE
1.
Introdução
2.
Edward Maitland: seu Grande Colaborador (1874)
3.
As Iluminações de Anna Kingsford (1874-1888)
4.
Os Hinos aos Deuses Gregos
5.
A Doutrina da Reencarnação (julho de 1881)
6.
Anna Kingsford Presidente da Loja de Londres (janeiro de 1883)
7.
A “Divina Anna”
8.
Sinnett e a Autoridade do “Budismo Esotérico” (julho de 1883)
9.
O Protesto de Anna Kingsford e a Eclosão da Crise (outubro de 1883)
10.
Carta do Mestre KH para a Loja de Londres (janeiro de 1884)
11.
A Discórdia é a Harmonia do Universo
12.
O Chohan Quer Anna Kingsford Dentro da ST
13.
A Distância Aumenta Minha Beleza (março de 1884)
14.
HPB Chega Inesperadamente a Londres (abril de 1884)
15.
A Sociedade Hermética
16.
Anna Kingsford e a Golden Dawn (1886-1887)
17.
Os Livros Sagrados de Hermes Trismegistus
18.
Re-velação
19.
Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
Anna Kingsford foi uma
grande pioneira em sua época. Dotada de faculdades psíquicas e de um
intelecto brilhante, foi defensora incansável do vegetarianismo e uma
militante contra a vivissecção de animais. Foi porta-voz dos direitos
das mulheres, da doutrina da reencarnação e de uma nova interpretação
simbólica (e não histórica) das Escrituras cristãs. Após ter presidido a
Loja de Londres (LL) da Sociedade Teosófica (ST), fundou a Sociedade
Hermética. Escrevendo sobre Anna Kingsford, por ocasião de sua morte,
Helena Petrovna Blavatsky (HPB) reconhece suas imensas capacidades e o
valor de seu trabalho, assim se expressando:
“Poucas mulheres
trabalharam mais intensamente do que ela, ou em causas mais nobres;
nenhuma com mais sucesso na causa do humanitarismo. (...) Poucas
mulheres escreveram de forma mais gráfica, mais cativante, ou possuíram
um estilo mais fascinante.
“O campo de atividades
da Sra. Kingsford, entretanto, não estava limitado ao plano puramente
físico, ou mundano, da vida. Ela era uma teósofa, uma verdadeira teósofa
de coração; uma líder de pensamento espiritual e filosófico, dotada com
os mais excepcionais atributos psíquicos. (...) embora suas idéias
religiosas diferissem grandemente em alguns pontos da filosofia
oriental, permaneceu um membro fiel da Sociedade Teosófica e uma amiga
leal de seus líderes. Foi alguém cujas aspirações da vida inteira
estiveram sempre voltadas para o eterno e o verdadeiro. Uma mística por
natureza – das mais ardentes, para aqueles que a conheceram bem – ela
era, ao mesmo tempo, mesmo na opinião de materialistas e descrentes, uma
mulher extraordinária.” (CW IX, 89-90)
A Condessa de
Wachtmeister, descrevendo a visita de alguns dias que Anna Kingsford fez
a HPB em 1886, que estava então em Ostende, Bélgica, relata o embate
intelectual que as duas senhoras travavam, partindo de pontos de vista
aparentemente opostos e finalmente se encontrando:
“era interessante para
mim ouvir diferentes pontos da Doutrina Secreta sendo discutidos
dos pontos de vista oriental e ocidental do ocultismo. Os poderosos
intelectos dessas duas talentosas mulheres se envolviam em animadas
discussões, começando de pólos aparentemente opostos. Gradualmente, as
linhas de seus argumentos pareciam aproximar-se, até que finalmente se
fundiam em uma unidade. Novos tópicos então surgiriam, os quais seriam
disputados da mesma maneira magistral.” (Wachtmeister, 58)
Sua linha de pensamento
adaptada ao Ocidente, orientada para o resgate da tradição cristã
esotérica do Ocultismo ocidental, bem como sua luta pelo vegetarianismo
e seu amor pelos animais atraíram a atenção do Grande Chohan, provocando
sua inusitada interferência na crise da Loja de Londres, como explicou o
Mestre KH em carta para Sinnett, em janeiro de 1884:
“eu mesmo estou
simplesmente cumprindo a vontade de meu Chohan (...) É suficiente que
você saiba que a sua luta contra a vivissecção e sua dieta estritamente
vegetariana, conquistaram completamente, para o seu lado, nosso austero
Mestre.” (MLcr-119, 406; ML-86)
Quem era esta mulher
que discutia de igual para igual com HPB e cujo trabalho cativou a
atenção do Maha Chohan? Esse artigo oferece uma resposta a essa
pergunta, apresentando um resumo da vida e dos trabalhos de Anna
Kingsford, principalmente focalizado em seu envolvimento com HPB e com a
Sociedade Teosófica.
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2. EDWARD MAITLAND: SEU GRANDE COLABORADOR (1874)
Anna Bonus Kingsford
nasceu em 16 de setembro de 1846, na Inglaterra. Em 1867 casou-se com o
reverendo anglicano Algernon Godfrey Kingsford, com quem teve uma filha.
Para desgosto do marido, em 1870 entrou para a Igreja Católica. Entre
1872 e 1873 editou um jornal ligado aos direitos femininos. (CW
IX, 439) Em 1873 conheceu Edward Maitland o qual veio a ser, com o
consentimento do reverendo Algernon, o acompanhante de Anna durante o
tempo que estudou Medicina em Paris, a partir de 1874. Para evitar
falatórios os dois se apresentavam como tio e sobrinha.
Anna tornou-se
vegetariana nesse período e sua tese de conclusão do curso foi sobre a
alimentação vegetariana para o ser humano. Posteriormente, ela foi
revisada e publicada sob o título de O Caminho Perfeito em Dieta (The
Perfect Way in Diet). O vegetarianismo e a luta contra a vivissecção
se tornaram causas que defendeu publicamente pelo resto de sua vida. (Godwin,
335).
Edward Maitland foi seu
grande companheiro de trabalho desde essa época até o fim de sua vida.
Ele também era dotado de faculdades psíquicas. O psiquismo de Maitland
era totalmente consciente, como um “datilografar automático”. (Godwin,
337) Em parte com o auxílio dessa faculdade ele escreveu dois livros.
Num deles, The Soul and How It Found Me [A Alma e como Ela me
Encontrou], ele descreveu suas experiências e sua nova visão
das realidades espirituais que essas experiências lhe deram.
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3. AS ILUMINAÇÕES DE ANNA KINGSFORD (1874-1888)
Anna Kingsford tinha
faculdades psíquicas desde a infância. Na época do curso de Medicina,
começou a ter experiências contendo mensagens inspiradoras, às quais deu
o nome de “Iluminações”. Embora algumas fossem transmitidas por meio de
um ditado quando ela estava em transe, a maioria era recebida por visões
durante o sono natural, que ela descrevia assim que acordava.
Algumas das mensagens
vinham em resposta às suas próprias dificuldades, outras como uma
resposta imediata às perguntas mentais de Maitland, das quais muitas
vezes ela não tinha conhecimento. Freqüentemente não conseguiam
compreender as respostas no momento em que eram dadas, provando que elas
eram independentes de suas limitações mentais:
“Entretanto, cedo ou
tarde, elas nunca falharam em se demonstrar como sendo verdades
necessárias e evidentes, inalteravelmente fundamentadas na própria
natureza da existência; e nós nunca as aceitávamos e as utilizávamos até
que assim fossem demonstradas e reconhecidas por nós dois.” (Clothed,
xx)
Kingsford chamava
aquele que a inspirava de seu “gênio” e o descreve como um “anjo”, cujo
trabalho era “guiar, advertir e iluminar”. (Clothed, 36)
Numa de suas Iluminações, ela fala sobre a relação entre o gênio, Deus e
o homem:
“O homem é um planeta.
Deus – o Deus do homem – é seu sol, e a lua desse planeta é Ísis, seu
iniciador, ou gênio. O gênio existe para instruir ao homem e para lhe
dar luz. Mas a luz que ele dá é de Deus, e não dele mesmo. Ele não é um
planeta, mas uma lua, e sua função é iluminar os lugares escuros de seu
planeta. (...)
“O gênio é a lua para o
planeta homem, refletindo para ele o sol, ou Deus, dentro dele. Pois o
Espírito divino que anima e eterniza o homem, é o Deus do homem, o sol
que o ilumina.” (Clothed, 39)
Embora seu gênio
conhecesse seu futuro, nada lhe dizia, exceto que podia ter certeza que
teria problemas, pois “Nenhum homem jamais alcançou a Terra Prometida
sem ter atravessado o deserto”. (Clothed, 37) Ela diz:
“Meu gênio se parece
com Dante e, como ele, está sempre de vermelho. E tem um cáctus em sua
mão, o qual ele diz que é meu emblema. (...) Ele me pede para dizer que
a melhor arma contra os astrais [seres, entidades astrais] é a oração.
Oração significa o intenso direcionar da vontade e do desejo em direção
ao Alto; um propósito imutável de conhecer tão somente o mais Elevado.
(...)
“Devo informar-lhes que
o gênio nunca “controla” o seu cliente, nunca tolera que a alma saia do
corpo para permitir a entrada de um outro espírito. A pessoa controlada
por um astral ou elemental, ao contrário, não fala em seu próprio nome,
mas naquele do espírito que a controla (...)
“Outro sintoma, diz
ele, por meio do qual distinguir espíritos estranhos do seu próprio
gênio, é o seguinte: – o gênio nunca está ausente. Desde que a mente se
encontre em condições de ver, ele está sempre presente.” (Clothed,
36-37)
Maitland diz que essas
Iluminações não eram o produto de qualquer estimulação artificial de
suas faculdades, ou da indução de qualquer estado anormal, seja por meio
de drogas, mesmerismo ou hipnotismo. Tudo o que se fazia era produzir as
condições internas favoráveis para a recepção dessas Iluminações. Assim,
elas eram o resultado:
“do intenso direcionar
da vontade e do desejo para o Alto, e de uma imutável resolução de não
ficar satisfeita com nada menos do que o mais Elevado, a saber, a
idéia central e mais profunda do fato ou doutrina a serem
interpretados”. (Clothed, xx)
Kingsford nunca disse
ser uma médium ou uma clarividente no sentido comum dessas palavras. Ela
se intitulava uma profetisa e assim explicava seu dom:
“Não tenho quaisquer
poderes ocultos, e nunca aleguei possuí-los. Nem sou, no sentido comum
da palavra, uma clarividente. Sou apenas uma “profetisa” – alguém que vê
e sabe intuitivamente, e não pela utilização de qualquer faculdade
treinada. Tudo que recebo vem a mim por “iluminação”, como para Proclus,
para Jâmblico, para todos aqueles que seguem o método platônico. E esse
“dom” nasceu comigo, e foi desenvolvido por uma regra e uma conduta
especiais de vida. Ele é, me foi dito, o resultado de uma iniciação
anterior num nascimento passado (...) Minha iniciação foi greco-egípcia
e, assim sendo, recordo a verdade primariamente na linguagem e segundo o
método dos mistérios de Baco, que são de fato a fonte e o padrão
imediatamente precedentes dos mistérios da Igreja Católica Cristã.” (Clothed,
xxii)
Essas Iluminações,
recebidas ao longo de 14 anos, foram publicadas por Edward Maitland após
a morte de Anna Kingsford, com o título de Vestida de Sol [Clothed
With the Sun], em referência à alegoria da alma iluminada, que é
representada no Apocalipse como “uma mulher vestida de sol, tendo a
lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas em sua cabeça.”
(Apoc., 12:1) Para eles a mulher, na Bíblia, era o símbolo da
alma e da intuição – o princípio feminino no homem.
Kingsford e Maitland
eram profundamente cristãos, mas incapazes de aceitar uma interpretação
literal da Bíblia, ou o dogmatismo das igrejas. Para eles o Cristianismo
era apenas uma das religiões da Antigüidade, cujos mistérios ensinavam
as mesmas verdades sobre o destino da alma. As Iluminações confirmaram
suas hipóteses, pois nelas os Evangelhos eram quase totalmente
alegóricos – eles são uma descrição do destino da alma:
“A religião não é
histórica, e de modo algum depende de fatos passados. (...) Jesus não
era o nome histórico do iniciado e adepto cuja história é relatada. É o
nome que lhe foi dado na iniciação. (...) As Escrituras dizem respeito à
alma, e não aos sentidos externos. Toda a história de Jesus é um
conjunto de alegorias, as coisas que ocorreram a ele sendo usadas como
símbolos.” (Clothed, 86)
Cristo não é uma
pessoa, mas o estado de um homem regenerado, no qual a alma se tornou “una
com o Espírito Divino”. (Godwin, 338) E Jesus era um homem
que havia realmente vivido e realizado esse estado de união, um iniciado
cujo nome ela só conseguia ver a primeira letra – a letra “M”. (Clothed,
85)
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4.
OS HINOS AOS DEUSES GREGOS
Mas nem todas as
Iluminações vinham numa linguagem estritamente cristã. Anna Kingsford
tinha visões de deuses gregos, que brilhavam como prata, e que lhe
ditavam arrebatados hinos, de uma beleza e de uma profundidade poética
impressionantes:
“1. Como uma luz
movendo-se entre o céu e a terra; como uma nuvem branca assumindo muitas
formas;
“2. Ele desce e se
eleva, guia e ilumina, transforma-se de pequeno para grande, de
brilhante para sombreado, da imagem opaca para a névoa diáfana.
“3. Estrela do Oriente
conduzindo os Magos: nuvem de cujo seio a sagrada voz fala: de dia, uma
coluna de vapor, de noite uma chama brilhante.
“4. Eu vos contemplo,
Hermes, Filho de Deus, matador de Argus, arcanjo, que conduzes o cetro
do conhecimento, pelo qual são medidas todas as coisas no céu ou na
terra.” (Clothed, 150)
O Hino ao
Deus-planeta, Iacchos, e às Divindades Elementais, foi dado em
sonho, no início de março de 1881, à medida que ela passava “com um
grupo de iniciados, através de um vasto templo egípcio”. (Godwin,
338) O tema principal do Hino ao Deus-planeta é o êxodo místico,
ou a libertação da alma do domínio do corpo, onde o Egito simboliza o
corpo, e Israel representa a alma. (Clothed, 154)
“1. Oh Pai Iacchos; Vós
sois Senhor do Corpo, Deus manifesto na carne;
“2. Duas vezes nascido,
batizado com fogo, vivificado pelo espírito, instruído em coisas
secretas embaixo da terra:
“3. Que vestes os
chifres do carneiro, que montas sobre um asno, cujo símbolo é a videira
e o novo vinho é vosso sangue;
“4. Cujo Pai é o Senhor
Deus das Hostes; e cuja Mãe é filha do Rei.
“5. Evoi Iacchos,
Senhor da iniciação; pois por meio do corpo é a alma iniciada.” (Clothed,
154) [Evoi: grito de invocação dos Mistérios de Baco.]
Os Hinos às
Divindades dos Elementos são dedicados aos quatro grandes Gênios ou
Anjos de nosso planeta, que são os espíritos dos elementos do macrocosmo
e do microcosmo, representando os quatro estados “da carne, do
intermediário, do humano e do divino (...) E as rodas de seu reino
quádruplo englobam toda a terra”. (Clothed, 163) O primeiro
hino é dedicado a “Hephaistos o Rei-Fogo, cujo símbolo é o leão
vermelho, Senhor da serpente, da chama e das partes secretas da terra”.
(Clothed, 160)
O segundo é um hino
dedicado a Deméter:
“1. (...) justa
Mãe-Terra (...) cujas mãos estão plenas de fartura e bênção.
“2. Anjo do cadinho
[provação], guardiã dos mortos, que constróis e destróis, que agregas e
dissolves, que fazes brotar vida da morte, e transformas todos os
corpos.
“3. (...) de vosso
ventre eles vieram, e para vós eles retornam, Oh Mãe do nascimento e do
sono!
“4. Que fazes o volátil
tornar-se fixo, e o real tornar-se aparente, quer no grande ou no
pequeno, quer no externo ou no interno.” (Clothed, 161-162)
O terceiro hino é
dedicado a “Poseidon, Senhor das Profundezas, Mestre da
substância de todas as criaturas, que exibe a face de um anjo, pois ele
é o Pai das Almas”. (Clothed, 162) E o quarto é para
Pallas Athena, “virgem de olhos azuis, Senhora do Ar, com cabeça
de águia, que dás a todos os corpos o alento da vida: mãe Imaculada da
palavra da profecia, símbolo da essência divina”. (Clothed,
163)
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5.
A DOUTRINA DA REENCARNAÇÃO (JULHO DE 1881)
Pouco antes de deixar
Paris, Kingsford e Maitland descobriram Ísis Sem Véu, e souberam
da existência da Sociedade Teosófica (ST). Embora achassem Ísis
desorganizada e desnecessariamente agressiva, estavam atônitos e
encantados por encontrar outras pessoas realizando um trabalho paralelo
ao deles. Indo a Londres, entraram em contato com espíritas, com
pesquisadores psíquicos e com membros da ST Britânica. Em meados de
1881, proferiram várias palestras, que foram publicadas no início de
1882 como O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo [The
Perfect Way; or, The Finding of Christ]. (Godwin, 339)
Esse livro causou
grande polêmica no meio espírita, não tanto por apresentar um enfoque
simbólico e não histórico do Cristianismo, mas principalmente por sua
defesa da reencarnação. Mesmo nos meios espíritas da época não havia um
consenso quanto a essa questão que gerava um debate quase permanente.
Até então, os defensores mais fortes da doutrina da reencarnação eram os
médiuns da escola francesa de Allan Kardec; e na Inglaterra, Lady
Caithness, Anna Blackwell, Francesca Arundale, Isabel de Steiger e
também o espírito Ski, que costumava falar através da Sra.
Hollis-Billing. Contra eles estava a maioria dos médiuns ingleses e
americanos, como P.B. Randolph, Stainton Moses e Emma Hardinge Britten.
É importante notar que
a idéia da reencarnação não era uma idéia corrente na Sociedade
Teosófica dos primeiros tempos. A própria HPB, durante a primeira parte
de sua carreira pública, como em Ísis Sem Véu, parecia negar a
doutrina da reencarnação. Somente mais tarde, quando já morava na Índia,
é que HPB passou a se declarar publicamente a favor dessa doutrina.
Olcott afirma que ele, pelo menos, não conhecia a doutrina da
reencarnação:
“Naturalmente, não é da
minha conta porque ela não nos foi ensinada (...) Não acredito que o
mistério da incongruência dos ensinamentos de Nova Iorque de 1875, e os
posteriores na Índia possa ser explicado, pelo menos a ponto de
satisfazer aqueles que atacam o problema do ponto de vista da crítica
literária: para aqueles que têm o poder de levantar o véu e estudar a
questão a partir do interno, essa dificuldade desaparece. Mas não se
pode esperar que estudantes limitados ao plano físico recebam como sendo
conclusivas as explicações de alunos avançados da Loja Branca. A
conclusão que cheguei há muito tempo é a de que essa questão deve
simplesmente ser deixada como um mistério.” (ODL V, 38)
Não há dúvidas de que
Olcott realmente não havia sido ensinado sobre a reencarnação. Mas, e
com relação à Madame Blavatsky? William Judge afirma que, embora ela
realmente não ensinasse ao público a doutrina da reencarnação
durante essa época em Nova Iorque, “ela de fato a ensinou para
mim e para outros, naquela época como agora. (...) HPB me falou muitas
vezes, pessoalmente, da real doutrina da reencarnação, compelida pelo
caso da morte de minha própria filha; portanto, eu sei o que ela
conhecia e acreditava”. (Judge, 119)
Numa carta de março de
1875, para Corson, HPB se posiciona contra a reencarnação da maneira
como os kardecistas a concebiam. (Corson, item 10). Eugene
Corson, que publicou as cartas de HPB para seu pai, comenta sobre as
razões da reencarnação não ser então ensinada por HPB:
“Ela [a reencarnação]
era a idéia dominante em todo o Oriente. Era quase a nota tônica da
filosofia de Platão. O neo-platonismo de Plotino e Proclus está repleto
dela. (...)
“A única explicação que
me vem à mente é que ela ficou em silêncio, como o fez em tantas outras
coisas naquela época. Ela deveria estar consciente de que isso seria
repugnante aos espíritas americanos, e eu não sei se mesmo hoje é aceita
por eles. Também não acredito que seja aceita na Inglaterra. A maioria
dos espíritas não são filosoficamente inclinados e não se preocupam em
olhar além do mero fato da inter-relação entre os dois mundos. (...)
Minha opinião é que ela permaneceu em silêncio, do mesmo modo como
silenciou em outras questões, que foram extensamente elaboradas em seus
escritos posteriores.” (Corson, item 27)
Sinnett chegou em
Londres, vindo da Índia, para publicar seu livro O Mundo Oculto
em fins de março ou começo de abril de 1881. O livro foi publicado em
junho desse ano e ele retornou para a Índia em 04 de julho. Durante esse
período que esteve em Londres, Sinnett encontrou-se com Anna Kingsford e
Edward Maitland. Os três ficaram até tarde da noite discutindo a questão
da reencarnação – eles a favor e Sinnett contra. (Credo, 5)
Porém, um ano após
isso, Sinnett publica na revista The Theosophist de maio de 1882,
uma crítica literária sobre O Caminho Perfeito, onde demonstrava
ter passado a aceitar a doutrina da reencarnação. Isso, é claro, causou
surpresa a Kingsford e Maitland, ao lembrarem do quanto ele havia sido
enfático em negá-la, no ano anterior. Escreve Kingsford numa carta para
Lady Caithness:
“O próprio crítico
literário – o Sr. Sinnett – que escreve com tanta pseudo-autoridade no
The Theosophist, no intervalo de um ano, alterou completamente
suas visões em pelo menos uma questão importante – me refiro à
reencarnação. Quando veio nos ver a um ano atrás, em Londres, ele
veementemente negou aquela doutrina e afirmou, com imensa convicção, que
eu estava completamente enganada em meu ensinamento referente a ela. Leu
uma mensagem de Ísis Sem Véu para me contestar e discutiu
longamente sobre a questão. Ele não havia então recebido quaisquer
instruções de seu Guru indiano sobre ela. Agora ele foi assim instruído,
e escreveu uma longa carta ao Sr. Maitland reconhecendo a verdade da
doutrina que, depois que nos encontrou, foi ensinado.” (Shirley,
15)
Para Kingsford foi o
fato dela ter exposto a reencarnação em O Caminho Perfeito que
havia “provocado” uma reação dos Adeptos, que conseqüentemente teriam se
decidido a expor essa doutrina. Em janeiro de 1883, numa carta a
Sinnett, o Mestre KH lhe aconselha a escrever para Massey dizendo que
isso não era verdade, uma vez que ele já havia sido ensinado sobre a
reencarnação a partir de julho de 1881, vários meses antes do livro de
Kingsford ser publicado. Entretanto, o fato é que isso ocorreu após sua
longa discussão com Kingsford e Maitland. O Mestre KH diz:
“Apenas permita-me
dar-lhe um aviso. Um incidente agora tão trivial, que parece ser apenas
a inocente expressão de vaidade feminina, pode, se não for corrigido de
uma vez, produzir conseqüências muito maléficas. Numa carta da Sra.
Kingsford para o Sr. Massey, condicionalmente aceitando a presidência da
S. T. Britânica, ela expressa sua crença – ou melhor, o aponta como um
fato inegável – que, antes da aparição de O Caminho Perfeito,
ninguém “sabia o que a escola oriental realmente sustentava quanto à
reencarnação”; e acrescenta que “vendo o quanto foi exposto naquele
livro, os adeptos estão se apressando em abrir seus próprios tesouros”
(...) Então escreva, meu bom amigo, a verdade ao Sr. Massey. Diga-lhe
que você possuía a visão oriental da reencarnação vários meses antes que
o trabalho em questão tivesse aparecido – uma vez que foi em julho (18
meses atrás) que você começou a ser ensinado sobre a diferença entre a
reencarnação à la Allan Kardec, ou
renascimento pessoal – e a da mônada espiritual.” (MLcr-101,
342-343; ML-57)
Além da crítica
literária de Sinnett, um artigo de Hume, contendo a publicação de mais
algumas cartas dos Mahatmas, sob o título de Fragmentos de
Verdade Oculta, e um editorial de HPB (CW IV, 119) o qual
ela, privadamente, atribuiu ao Mestre KH, começaram a mostrar que os
Adeptos, afinal, também estavam ensinando a reencarnação. Essa mudança
de atitude causou polêmica na Loja de Londres, levando Massey a pedir a
HPB que explicasse e esclarecesse a questão.
Madame Blavatsky,
então, argumentou que, na verdade, havia duas maneiras de falar sobre o
destino de um indivíduo. Do ponto de vista mais exotérico [externo],
dado em Ísis, estava correto dizer que uma pessoa nunca
reencarna. Porém, desde um ponto de vista mais elevado, uma
individualidade o faz. Para ilustrar isso ela apresentou o esquema
esotérico [interno] dos sete princípios do ser humano.
Segundo esse esquema os
três princípios inferiores que compõem o Corpo, ou o “Ego
terreno”, sempre morrem. Os dois princípios seguintes compõem a Alma,
ou o “Ego pessoal”. Eles são destruídos após algum tempo e só
reencarnam sob circunstâncias especiais, conforme escrito em Ísis Sem
Véu. Finalmente, os dois princípios restantes que constituem o
Espírito, ou “Mônada Espiritual”, são eternos e indestrutíveis. Esse
esquema pode ser melhor compreendido observando-se o quadro abaixo:
GRUPO I |
ESPÍRITO |
7. Atma
– “Espírito Puro”.
6. Buddhi
– “Alma Espiritual ou Inteligência”. |
Mônada
Espiritual
ou “Individualidade” – e seu veículo. Eterna e
indestrutível. |
GRUPO II |
ALMA |
5. Manas
– “Mente ou Alma Animal”.
4. Kama-rupa
– “Desejo” ou Forma “Passional”. |
Mônada Astral
– ou o Ego pessoal e seu veículo. Sobrevive ao
Grupo III e é destruída depois de um tempo, a menos que
reencarne, como foi dito, sob circunstâncias excepcionais. |
GRUPO III |
CORPO |
3. Linga-sharira
– “Corpo Vital ou Astral”.
2. Jiva
– “Princípio de Vida”.
1. Sthula-sharira
– “Corpo”. |
Composto
Físico, ou o “Ego terreno”. Os três morrem juntos
invariavelmente. (CW IV, 185) |
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da página
6.
ANNA KINGSFORD PRESIDENTE DA LOJA DE LONDRES (JANEIRO DE 1883)
Em 1882, a Sociedade
Teosófica Britânica estava em crise. Alguns de seus membros, ainda
fervorosos espíritas, não aceitavam as críticas de HPB ao movimento
espírita, e outros queriam provas da existência dos Mestres. Seu
presidente, Wyld, havia renunciado. Pensando em ter mais seções dentro
da ST, entre elas uma seção católica, Massey convidou Kingsford para
juntar-se a eles. Ela, de início, entretanto, não aceitou o convite,
pois tinha uma imagem bastante negativa da ST, conforme podemos ler nas
palavras de Maitland:
“nós já sabíamos o
bastante da ST, sua origem, motivos e métodos para não acreditar nela.
Seus prospectos originais cometiam a flagrante inconsistência de
declarar absoluta tolerância da Sociedade a todas as formas de religião
e, depois, afirmar que um objetivo principal era a destruição do
Cristianismo. Seus fundadores também a comprometeram com a rejeição da
idéia de um Deus, pessoal ou impessoal, e isso ao mesmo tempo em que a
chamaram Teo-sófica.” (Credo, 11)
Realmente, numa
circular feita para divulgação da ST, em maio de 1878, quando seus
objetivos ainda não tinham a formulação atual, se lia:
“Os objetivos da
Sociedade são vários. (...) A Sociedade ensina e espera que seus membros
exemplifiquem pessoalmente as mais elevadas moralidade e aspiração
religiosa; oponham-se ao materialismo da ciência e a toda forma de
teologia dogmática, especialmente a cristã, que os Chefes da Sociedade
consideram como particularmente perniciosa; tornar conhecido nas nações
ocidentais, os fatos há muito suprimidos sobre as filosofias
religiosas orientais, sua ética, cronologia, esoterismo, simbolismo;
contrapor-se, tanto quanto possível, aos esforços dos missionários de
iludir aos assim chamados “Infiéis” e “Pagãos” com relação à real origem
e dogmas do Cristianismo e aos efeitos práticos dos últimos sobre o
caráter público e privado nos assim chamados países civilizados”. (CW
I, 376-377)
Maitland diz que essa
questão não foi adiante nesta época, mas:
“ficamos surpresos ao
saber que Mary [nome que Anna Kingsford recebeu de seu gênio] foi
reconhecida pelos misteriosos chefes da ST como “a maior mística
natural de nossos dias, e com incontáveis idades adiante da grande
maioria da humanidade”.” (Credo, 11-12)
Anna Kingsford
finalmente aceitou sua indicação para presidente da Sociedade Teosófica
Britânica após lhe terem dito “enfática e inequivocamente que nenhuma
forma de obediência aos Mahatmas, a HPB ou a qualquer outra pessoa, real
ou não, me seria exigida, mas apenas aos Princípios e Objetivos da ST”.
(Credo, 19)
Sob indicação de Massey,
ela foi eleita presidente da ST Britânica, em 7 de janeiro de 1883, com
Maitland e Wyld como vices. Como nessa ocasião ela ainda estava na
França, somente assumiu suas funções após 20 de maio, quando retornou a
Londres. Um dia antes da posse de Kingsford, Sinnett recebeu uma carta
do Mestre KH, onde lhe advertia que este seria o ano em que as
sociedades seriam provadas e o resultado dependeria, portanto, do seu
trabalho coletivo:
“Quatro europeus foram
colocados em provação há doze meses; dos quatro – apenas um, você, se
mostrou merecedor de nossa confiança. Este ano as Sociedades, ao
invés de indivíduos, que serão testadas. O resultado dependerá de seu
trabalho coletivo e o Sr. Massey engana-se ao esperar que eu esteja
preparado para me juntar à heterogênea multidão de “inspiradores” da
Sra. K. Deixe-os permanecer sob suas máscaras de São João Batista e
aristocratas bíblicos semelhantes. Desde que estes últimos ensinem
nossas doutrinas – por mais que misturadas com adições alheias – um
grande ponto terá sido ganho.” (MLcr-101, 342; ML-57)
Anna Kingsford procurou
realmente se empenhar em seu trabalho pela Loja de Londres, a fim de que
se tornasse um corpo verdadeiramente influente e ativo, saindo da crise
em que se encontrava. Para tanto, ela acreditava que seria importante
que um dos objetivos especiais da Loja de Londres, a “reconstrução da
religião numa base científica, e da ciência numa base religiosa; e a
elaboração de um perfeito sistema de pensamento e regras de vida” (Ransom,
196) também fosse aplicada ao Cristianismo e não apenas ao Hinduísmo e
ao Budismo. Ela escreve, em maio:
“Farei o máximo ao meu
alcance para tornar nossa Loja de Londres um corpo realmente influente e
científico. . . . Além disso, nós não queremos nos comprometer apenas
com o Orientalismo, mas com o estudo de todas as religiões
esotericamente, e especialmente àquele da nossa Igreja Católica
ocidental. Teosofia é igualmente aplicável a tal estudo; mas o
Orientalismo só pode se relacionar ao Brahmanismo e ao Budismo.” (Credo,
14)
Em outra carta ela diz:
“Tenho um plano que
sinceramente espero ter, de algum modo, os meios pare colocá-lo em
prática na próxima primavera. Trata-se de dar palestras em um dos
auditórios em Londres sobre “Cristianismo Esotérico”. Eu explicarei o
significado verdadeiro e oculto das doutrinas católicas – tanto quanto
isso for possível, é claro – e o significa interno de todos os mitos
sagrados. Já elaborei um esboço a partir de um pequeno esquema que, se
puder se realizado, irá, estou segura, fazer mais pela nossa Teosofia do
que qualquer quantidade de livros publicados.” (Credo, 14)
Em junho, a pedido de
Anna Kingsford, os membros decidiram alterar o nome de Sociedade
Teosófica na Grã-Bretanha, para Loja de Londres da Sociedade Teosófica,
a exemplo dos movimentos maçônicos que eram um corpo único com várias
subdivisões em Lojas.
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da página
7.
A “DIVINA ANNA”
Entretanto, o desejo de
Anna Kingsford de transformar a Loja de Londres num “corpo realmente
influente e científico”, não comprometido “apenas com o
Orientalismo, mas com o estudo de todas as religiões esotericamente”,
dando especial ênfase ao estudo “da nossa Igreja Católica ocidental”
(Credo, 14), era algo que não agradava HPB que tinha uma
conhecida implicância com o Cristianismo dogmático, tendo uma
preferência particular pela filosofia oriental.
Como já mencionamos,
Anna Kingsford foi uma grande pioneira humanitária de sua época,
especialmente em sua luta pelo vegetarianismo e pela defesa dos animais,
enquanto que Madame Blavatsky não era nem mesmo vegetariana. Isso
acrescentava mais um ponto de tensão entre elas.
Além do fato de que as
linhas de trabalho de Anna Kingsford não eram as que mais agradavam à
Madame Blavatsky, Kingsford se considerava uma profetiza, porta-voz de
uma nova era e de um novo evangelho, e com um conhecimento que ela dizia
ser superior àquele que HPB recebia, uma vez que era obtido diretamente,
sem intermediários, em suas Iluminações, enquanto a Sociedade Teosófica:
“afirmava que suas
doutrinas eram derivadas de fontes que, mesmo que tivessem existência
real – uma questão da qual não tínhamos nenhuma prova – não podiam ser
comparadas com aquelas das quais as nossas eram derivadas, enquanto que
a doutrina em si mesma era palpavelmente inferior, até o ponto em que
havia sido revelada, e isso tanto no conteúdo quanto na forma.” (Credo,
11)
Talvez essa seja a
origem do apelido irônico com que HPB se referia a ela em suas cartas
particulares para Sinnett: “divina Anna”. (LBS, 44) Embora
publicamente Madame Blavatsky não demonstrasse seus sentimentos em
relação a Anna Kingsford, em suas cartas para Sinnett ela os extravasava
livremente, revelando suas críticas: “Eu era, desde o começo, contra
sua nomeação, mas tive que segurar minha língua, uma vez que é a escolha
de KH e que Ele percebe sementes tão maravilhosas nela, que Ele até
mesmo desconsidera suas críticas pessoais arrogantes acerca Dele.” (LBS,
60). Ou, referindo-se à escolha dela por Massey:
“não foi ele, e
somente ele que propôs e a elegeu como a única possível
Salvadora da Sociedade Teos. Britânica? Bem, agora agradeça a ele e
fique com ela para que os transforme todos numa geléia [um grupo amorfo,
sem identidade]. É claro que ela irá lhe adular mais do que nunca. Eu
sei que isto irá acabar com um escândalo.” (LBS, 22)
O fato é que a “divina
Anna” também incomodava HPB em outros aspectos bem mais pessoais. Anna
Kingsford era uma mulher de rara beleza. Maitland descreve a primeira
vez que a encontrou com as seguintes palavras:
“Alta, esbelta e de
formas graciosas. De aparência agradável e requintada. Brilhante e
jovial em expressão. O cabelo longo e dourado, mas as sobrancelhas e os
cílios escuros, e os olhos fundos e de cor castanho-claro, ora
sonhadores, ora penetrantes. A boca harmoniosa, carnuda e perfeitamente
formada. A larga sobrancelha proeminente e precisamente talhada. O nariz
delicado, ligeiramente curvado, e proeminente apenas o suficiente para
dar personalidade à face. E o vestido um tanto excêntrico, como se
tornava sua aparência. Anna Kingsford parecia, à primeira vista, mais
como uma fada do que humana, mais criança do que mulher. Pois embora na
verdade tivesse vinte e sete anos, ela mal aparentava dezessete, e
parecia particularmente feita para ser cuidada, mimada e satisfeita, e
de modo algum para ser tomada seriamente.” (Shirley, 12)
Tamanha beleza parecia
também incomodar Madame Blavatsky que nessa época já tinha a saúde
comprometida e estava bastante obesa. Ela deixa isso claro pela maneira
como descreve a aparência física e o modo de vestir de Anna Kingsford.
HPB havia pedido a Sinnett um retrato dela, pois não a conhecia
pessoalmente, mas, pouco depois lhe escrevia dizendo que Kingsford
lhe havia sido mostrada:
“Diga, por que ela
estava usando um vestido que parecia com “o pelo preto e amarelo das
zebras da criação do Rajá do Kashmir?” E é verdade que usava rosas
em seu cabelo “o qual é como um pôr de sol flamejante, amarelo dourado”?
E por que – piedade! Por que ela tinha “suas mãos e braços pintados de
preto, bem preto — até os cotovelos?” ou eram luvas? e mais, é
verdade que naquela noite ela trazia uma bolsa de metal brilhante a sua
frente, com fivelas e guizos e mais alguma coisa, e “tilintantes brincos
de lua crescente” – simbólicos do crescente brilho da “Loja de Londres”?
Essa lua tomou luz emprestada do Satélite. (...) Mas por que – por que
ela, a “mística do século” tinha que usar tantas jóias! Como pode
confabular com os deuses invisíveis quando se parece “com uma vitrine de
uma joalheria inglesa em Delhi”? Bem, eu penso também tê-la visto, e
gostaria de ter o seu retrato para comparar. Pois ela me foi
mostrada. Não é alta, fina na cintura mas larga nos ombros, e muito
bonita, bochechas ligeiramente rosadas e com lábios bem vermelhos, e um
nariz que fica mais largo quando ela fala, do que quando está em
repouso? Seus olhos são azul claro. Ela é fascinante; mas então,
por que fazer seu lindo cabelo ficar parecido com “a mitra de um Dugpa
Dashata-Lama”? Bem, tudo isso é besteira. Estou extremamente triste, e
não tenho ânimo para brincar.” (LBS, 51-52)
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da página
8. SINNETT E A AUTORIDADE DO “BUDISMO ESOTÉRICO”
(JULHO DE 1883)
Em julho de 1883, Anna
Kingsford fez sua primeira aparição pública como presidente da Loja de
Londres, numa reunião para recepcionar Sinnett, que havia recém chegado
da Índia e publicado seu segundo livro – Budismo Esotérico. Sua
chegada e a publicação do livro modificaram completamente a Loja de
Londres, pois ele chegava com o status de alguém que estava em
contato com os Mestres. À volta do casal Sinnett reuniu-se um grupo de
pessoas para estudar o livro, e a Loja passou uma resolução de que
deveria se devotar “principalmente ao estudo da filosofia oculta como
ensinada pelos Adeptos da Índia com quem o Sr. Sinnett tem estado em
comunicação”. (Ransom, 187)
Kingsford e Maitland
também se dedicaram ao estudo da obra Budismo Esotérico. O
principal ponto criticado por eles era o fato de terem que aceitar uma
autoridade, independentemente da compreensão, pois, desse modo, estariam
criando um novo “sacerdotalismo” em relação a esses homens divinizados
denominados Mahatmas. (Credo, 17) Na verdade, eles não
negavam a possibilidade da existência de tais Seres evoluídos, mas
questionavam o método de como verificar se eles eram realmente Seres
dessa estatura. Maitland escreveu a esse respeito:
“Pois, assim como
somente aqueles que possuem o espírito de Cristo, em alguma medida,
podem reconhecer o Cristo, do mesmo modo apenas aqueles que são, eles
mesmos, em alguma medida adeptos, podem reconhecer os Adeptos. E mesmo
que o ensinamento em questão tenha vindo da fonte alegada, qual a
garantia de que ele não tenha passado, na transmissão, por uma mudança
suficiente para o deturpar?” (Credo, 16)
Essas diferenças de
postura começaram a criar uma situação difícil dentro da Loja de
Londres. Sinnett reclamava com HPB, a qual não podia compreender como os
Mestres tinham Kingsford em tão alta consideração, uma vez que “a
Sra. K. não acredita e, se acredita, não se importa nem um
pouco com os Irmãos.” (LBS, 48) Porém, Madame Blavatsky
logo começou a suspeitar que, por detrás da escolha da “divina Anna”,
não estava apenas o Mestre KH, mas também seu Superior, o Grande Chohan:
“Por que o Mahatma KH
teria imposto sobre a sua Sociedade um tal emplastro como parece ser a
Sra. K., uma criatura arrogante, fútil e opiniática, um monte de
presunção ocidental – “Deus” sabe, eu não. Eu acredito que o Chohan
interferiu subitamente, como ele não raro faz. E agora vai haver uma
bela confusão.” (LBS, 64)
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da página
9. O PROTESTO DE ANNA KINGSFORD E A ECLOSÃO DA CRISE
(OUTUBRO DE 1883)
Até então, o conflito
na Loja de Londres estava restrito aos seus bastidores. Entretanto, em
outubro de 1883, Maitland leu na Loja um discurso de Kingsford contendo
duras críticas. O conflito interno começava a se exteriorizar, e surgiu
um movimento pedindo que ela saísse da presidência da Loja. Anna
Kingsford, então, escreve uma longa carta a HPB, expondo seus pontos de
vista, e pedindo que os submetesse ao Mestre KH. Nessa carta ela se
posiciona contra o sentimento de idolatria e submissão sem
questionamento, que os membros, liderados por Sinnett, estavam nutrindo
pelos Mestres. Ela achava que, além de que isso “deve ser
desagradável aos próprios Mahatmas” (LBS, 70), esse tipo de
sentimento estava criando para a Sociedade uma aparência de seita, o que
era prejudicial para um movimento que pretendia atrair a atenção de
líderes de pensamento:
“Isso é “insensato”
porque num país “onde o olhar da crítica e da ridicularização hostil
permanece fixo sobre qualquer novo movimento”, é “manifestamente
imprudente nossa Sociedade apresentar-se diante do mundo sob a aparência
de uma Seita, tendo chefes a quem se conferem poderes super
humanos de grandeza”. Tudo isso levou o Standard a nos chamar de
“uma Sociedade fundada sobre os alegados feitos de certos impostores
indianos.” [itálico no original] “Esse incidente e outros episódios
similares têm aborrecido e preocupado” a ela. Por mais que estime o Sr.
Sinnett, ela pensa que “ele está cometendo um erro em aplicar neste
país uma política idêntica à que está sendo seguida pela Sociedade
na Índia. Ela será fatalmente destruidora de todas as nossas esperanças
de atrair a atenção dos líderes de pensamento (...) e ciência, cuja
cooperação seria inestimável para nós” etc., etc., etc.” (LBS,
70)
Para Kingsford a base
da Sociedade deveria ser a de uma escola filosófica, “constituída
sobre as bases herméticas antigas, seguindo métodos científicos e
processos exatos de razão, independentes de qualquer autoridade absoluta
de um tipo exterior, embora aceitando com reverência ensinamentos de
fontes competentes”. (LBS, 70) Na Índia, onde o conhecimento
sobre os Adeptos era algo comum, tal política poderia estar bem, mas em
Londres essa conduta levaria a Sociedade:
“a ser considerada, por
um lado, como demonstrando uma credulidade e uma ignorância fora do
comum acerca dos métodos científicos; e, por outro, como um sistema que
apresenta – para a mente protestante – uma impressionante semelhança ao
sistema católico de mentores e confessores, com a requerida submissão do
catecúmeno em relação a seu guru ou Mahatmas.” (LBS, 70)
Para HPB e outros
chelas, como Subba Row, uma tal posição era um desrespeito
inaceitável em relação aos Mestres, que lhes causava indignação:
“Ontem recebi uma carta
de três jardas de comprimento da Sra. K. com sua comunicação
confidencial; primeiro fruto da bondade de KH! Bem, isso é Carma do
Chohan. Seja lá como for, de Subba Row até Brown, todos aqui estão
indescritivelmente chocados com este panfleto ou esta crítica tão
insolente e impertinente de Maitland. Ela pede que KH a torne “o
apóstolo na Europa da Filosofia Esotérica Oriental e Ocidental”!!!!!”
(LBS, 63)
HPB continua sua carta
dizendo que, de acordo com o Mestre KH, esse já havia avisado a Sinnett
que, a menos que ele criasse uma Seção secreta e também a presidisse, “enquanto
que a Sra. K. seria o lindo e cintilante cartaz da “Loja”,
representando o Cristianismo Esotérico ou qualquer outra tolice – eles
(os Mahatmas) não teriam mais nada a ver com membros
ingleses.” (LBS, 64) E que, sob ordens do Mestre M., Subba
Row estava se encarregando de escrever uma resposta às críticas de
Kingsford. Essa resposta, entretanto, só foi publicada três meses
depois, no final de janeiro de 1884. Enquanto isso, HPB não continha
suas críticas e continuava a reclamar junto a Sinnett e a seu Mestre,
até que Ele lhe ordenou a ficar quieta. Ela assim escreve a Sinnett, em
novembro 1883:
“pois eu sabia todo o
tempo que fêmea esnobe insuportável era “a divina Anna”. Eu sabia, e o
repeti e continuei protestando do início ao fim, até que meu PATRÃO M.
me chamou de “chata” e uma “fêmea de visão curta” (...) e me ordenou a
“calar a boca”, uma elegante expressão que ele pegou, eu creio, do
estoque de palavras ianques de Olcott. Ainda assim, ele nunca disse que
eu estava errada, mas simplesmente que a Kingsford vestida de zebra
havia sido escolhida pelo teu protetor e guia KH, e que ELE sabia o que
Ele estava fazendo – apesar de tudo. Bem, eu supus que fosse uma de suas
costumeiras sinuosas experiências com a natureza humana, e assim
calei a boca. Mas agora minha língua está mais uma vez livre. Ótimos
acontecimentos!” (LBS, 65-66)
Mas, poucos dias
depois, ela escreve para Sinnett: “Estamos fritos, tanto você quanto
eu. (...) estamos fritos além de qualquer redenção”. (LBS,
69) Seu plano de tirar de cena a “divina Anna” – “uma criatura
egoísta, fútil e mediunística, que gosta demais de adulação,
vestidos e jóias cintilantes para ser do tipo certo” (LBS,
69) – havia falhado completamente, pois os Mestres haviam decidido que
ela era necessária para o movimento e deveria permanecer. Com esses
sentimentos em relação à “divina Anna”, HPB lhe respondeu com uma
“longa, polida e, pelo que eu imaginava, diplomática carta”. (LBS,
71) Porém, para sua tristeza:
“eu mal havia acabado
de copiar minha carta (inglês corrigido por Mohini), uma operação
realizada no meu melhor papel e com minha caneta nova, que me tomou toda
uma manhã, em detrimento de, e negligenciando outros trabalhos, quando o
seguinte ocorreu. Minha carta de 8 páginas – foi silenciosamente
rasgada, uma página após a outra, por meu PATRÃO!! Sua grande mão
aparecendo na mesa debaixo do nariz de Subba Row (que queria que eu
escrevesse de um modo bem diferente) e Sua voz dizendo um cumprimento em
Telugú, o qual não devo traduzir, embora Subba Row parecesse me traduzir
com grande júbilo. “KH quer que eu escreva de um modo diferente” – era a
ordem. Eles (os Patrões) confabularam e decidiram que a “divina Anna”
deve ser agradada. Ela é necessária para eles; ela é um
maravilhoso paliativo (seja lá o que for nesse mundo que essa
palavra signifique nesse caso!) e eles pretendem usá-la. Ela deve
ser levada a permanecer como a presidente auréola, e você o
presidente núcleo (ou nucleático?). Vocês devem ver um ao outro
como os dois pólos, oportunidade guiada por Mestres, traçando
finalmente o verdadeiro meridiano entre vocês dois, para [o bem da] a
Sociedade. Agora, não imagine que eu ri ou caçoei. Estou num estado de
mudo e impotente desespero – pois dessa vez estou perdida, se entendi o
que eles pretendem! (LBS, 71)
Como entender que uma
mulher que se referia com pouca veneração ao Mestre KH, pudesse receber
esse tratamento? A essas reclamações de HPB, Djual Khool simplesmente
lhe respondeu:
“As palavras de uma
mulher, ferida em sua vaidade física, brava por não chamar a atenção do
Mestre (KH) são menos que uma brisa passageira. Ela pode dizer o que
quiser. Os membros cumpriram seu dever protestando, como fizeram, ela
saberá melhor agora, mas ela deve permanecer, e o Sr. Sinnett deve se
tornar o líder e presidente do círculo interno.” (LBS, 71)
Madame Blavatsky teve
que “lhe escrever, em conseqüência, e dizer para ela todos os tipos
de piedosas e mentirosas congratulações que eu não sinto”. (LBS,
72) E, se o fez, foi apenas porque devia obediência a seu Mestre, pois
ela própria era claramente contrária, como escreve:
“Deixe o Carma disso
cair sobre meu PATRÃO (“Boss”) – pois eu tenho sido única e
exclusivamente seu instrumento e agente sem responsabilidade em tudo
isso. E suponho que Mahatma KH atuou em primeiro plano e meu Patrão, em
segundo, como de costume. E como você diz, eu tenho apenas que
obedecer.” (LBS, 72)
E, abaixo dessa frase o
Mestre M. precipitou o seguinte comentário: “Exatamente, pois essa é a
melhor política”.(LBS, 72) No final da carta, para tranqüilizar
Sinnett, o Mestre M. também precipitou a mensagem abaixo:
“Sinnett Sahib – você
não deve estranhar. Nós temos o bem de todo o Movimento e da Sociedade
no coração. Mesmo os desejos da maioria não devem prevalecer – os
sentimentos da minoria menos iluminada também têm que ser consultados.
Deve chegar o dia em que tudo será melhor compreendido. Enquanto
isso a akhu tenta fascinar KH com seu retrato!” (LBS, 73)
[Akhu: Inteligência, entre os egípcios. (Glosario Teosofico,
27)]
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10. CARTA DO MESTRE KH PARA A LOJA DE LONDRES
(JANEIRO DE 1884)
O clima era cada vez
mais tenso. Aproximadamente em 9 de dezembro de 1883, Anna Kingsford e
Maitland publicam um panfleto com severas críticas ao livro de Sinnett,
Budismo Esotérico. Logo após essa publicação, Kingsford
recebe um telegrama do Mestre KH dizendo “Permaneça presidente”.
(CW VI, xxiv) O Mestre KH também mandou um telegrama com o
mesmo teor para Sinnett e uma carta que, embora escrita no dia 7 de
dezembro, ele declara ter recebido em janeiro de 1884. Nela, o Mestre
diz que havia chegado a hora de Sinnett provar sua boa vontade, seguindo
seus conselhos, pois era o desejo de seu Superior, o Grande Chohan, que
Anna Kingsford permanecesse como presidente. Escreve o Mestre KH:
“Em uma de suas cartas
recentes para a “V.S.” [Velha Senhora, HPB], você expressa sua prontidão
em seguir meu conselho em quase tudo que eu pudesse lhe pedir. Bem – o
tempo chegou para você provar sua boa vontade. E como, nesse caso
específico, estou simplesmente executando a vontade de meu Chohan,
espero que você não experimente demasiada dificuldade em compartilhar de
meu destino, agindo – como eu estou agindo. A “fascinante” Sra. K. tem
que permanecer como presidente – jusqu’ au nouvel ordre [até nova
ordem]. (...) Explicações detalhadas seriam uma tarefa por demais longa
e tediosa. É suficiente que você saiba que sua luta contra a vivissecção
e sua dieta estritamente vegetariana conquistaram completamente, para o
lado dela, nosso austero Mestre. Ele liga menos do que nós para qualquer
expressão ou sentimento de desrespeito externo – ou mesmo interno – aos
“Mahatmas”. Deixe-a cumprir seu dever para com a Sociedade, ser
verdadeira aos seus princípios e todo o resto virá no seu devido tempo.
Ela é muito jovem, e sua vaidade pessoal e outras falhas femininas devem
ser deixadas para o Sr. Maitland e o coro grego de seus admiradores.” (MLcr-119,
406; ML-86)
E o Mestre anexa a essa
uma outra carta, para ser lida numa reunião geral da Loja de Londres, a
respeito da qual comenta Virginia Hanson: “É uma das cartas mais
importantes do livro, no que diz respeito à Sociedade Teosófica –
especialmente no Ocidente”. (MLcr-120, 409; ML-85)
Nessa, o Mestre KH começa dizendo que havia mandado os dois telegramas
notificando Sinnett e Kingsford que ela deveria permanecer como
presidente, e que esse não era apenas o desejo dele e do Mestre M., mas
a vontade expressa do próprio Maha Chohan:
“A eleição da Sra.
Kingsford não é uma questão de sentimentos pessoais entre nós e aquela
Senhora, mas baseia-se inteiramente na conveniência de ter na direção da
ST, num local como Londres, uma pessoa bem adaptada para o padrão e
aspirações de um público (por enquanto) ignorante (das verdades
esotéricas) e, portanto, malicioso. Também não é questão que tenha a
menor importância se a dotada presidente da “Loja de Londres” da Soc.
Teos. nutre sentimentos de reverência ou desrespeito para com os
humildes e desconhecidos indivíduos que estão na direção da Boa Lei
Tibetana – ou para com o autor da presente, ou qualquer de seus Irmãos –
mas antes uma questão de se a mencionada Senhora está capacitada para o
propósito que todos nós temos em nossos corações, a saber, a
disseminação da VERDADE através de doutrinas esotéricas, transmitidas
por qualquer canal religioso, e a atenuação do materialismo crasso e dos
preconceitos e ceticismo cegos.” (MLcr-120, 409; ML-85)
O Mestre KH continua a
carta dizendo que concordava com a Sra. Kingsford, quando essa dizia que
o público ocidental deveria ver a ST como uma Escola Filosófica
constituída sobre uma base Hermética, uma vez que esse público, nunca
tendo ouvido falar do Sistema Tibetano, tinha uma noção muito pervertida
acerca do Sistema Budista Esotérico, e que:
“Desse modo, e até esse
ponto, nós concordamos com as observações contidas na carta escrita pela
Sra. K para Madame B. [Blavatsky], com o pedido a essa última para
“submeter a KH”; e lembraríamos a nossos membros da “LL”, com referência
a isso, que a Filosofia Hermética é universal e não sectária,
enquanto que a Escola Tibetana sempre será considerada, por aqueles que
conhecem pouco, ou nada, sobre ela, como mais ou menos marcada pelo
sectarismo. Uma vez que a primeira não está ligada a nenhuma casta, cor
ou credo, nenhum amante da sabedoria Esotérica pode ter qualquer objeção
ao nome o que, de outro modo, poderia sentir se a Sociedade à qual ele
pertence fosse rotulada com uma denominação específica pertencente a uma
dada religião. Filosofia Hermética adapta-se a qualquer crença e
filosofia e não colide com nenhuma. Ela é o oceano sem limites da
Verdade, o ponto central para onde fluem e onde se encontram todos os
rios, assim como todos os riachos – estejam suas fontes no Oriente,
Ocidente, Norte ou Sul. Assim como o curso do rio depende da natureza de
sua bacia, assim o canal para a comunicação do Conhecimento precisa
adaptar-se às circunstâncias à sua volta. (...)
“Portanto é evidente
que os métodos do Ocultismo, embora no principal sejam imutáveis, ainda
assim têm que se conformar às diferentes épocas e circunstâncias. O
estado da sociedade inglesa como um todo – muito diferente daquela da
Índia, onde nossa existência é um assunto de crença comum e, por assim
dizer, inerente na população, e em vários casos de positivo conhecimento
– requer uma política muito diferente na apresentação das Ciências
Ocultas. O único objetivo pelo qual esforçar-nos é o melhoramento da
condição do HOMEM por meio da difusão da verdade adaptada aos vários
estágios de seu desenvolvimento e àquele do país em que ele habita e
pertence. A VERDADE não tem marca de propriedade e não sofre por causa
do nome sob o qual ela é promulgada – desde que o referido objetivo seja
alcançado.” (MLcr-120, 409; ML-85)
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da página
11.
A DISCÓRDIA É A HARMONIA DO UNIVERSO
Para o Grande Chohan,
os dois – Sinnett e Kingsford – eram necessários, justamente por serem
desiguais, por serem como “os dois pólos calculados para manter todo
o corpo em harmonia magnética, uma vez que o criterioso emprego de ambos
criará um excelente campo intermediário, que não seria obtido por
qualquer outro meio; um corrigindo e equilibrando o outro”. (MLcr-120,
411; ML-85) E o Mestre KH continua falando da importância da
diversidade de opiniões, da liberdade de pensamento, da “harmoniosa
discordância” pois, a discórdia é a “verdadeira harmonia do
universo”, e que esse era o segredo do sucesso da ST na Índia:
“Eu quase não
precisaria salientar como o arranjo proposto está calculado para
conduzir a um harmonioso progresso da “L.L. S.T.”. É um fato
universalmente aceito que o maravilhoso sucesso da Sociedade Teosófica
na Índia é devido inteiramente ao seu princípio de sábia e respeitosa
tolerância às crenças e opiniões dos outros. Nem mesmo o Presidente
Fundador tem o direito de, direta ou indiretamente, interferir com a
liberdade de pensamento do mais humilde dos membros, e menos ainda
procurar influenciar sua opinião pessoal. É apenas na ausência dessa
generosa consideração que até mesmo a mais pálida sombra de diferença
arma buscadores da mesma verdade, de outro modo sérios e sinceros, com o
ferrão de escorpião do ódio contra seus irmãos, igualmente sinceros e
sérios. Vítimas iludidas da verdade distorcida, eles esquecem, ou nunca
souberam, que a discórdia é a harmonia do universo. Assim, na Sociedade
Teosófica, do mesmo modo que nas gloriosas fugas do imortal
Mozart, cada parte vai incessantemente ao encalço da outra, em
harmoniosa discordância, nos caminhos do progresso Eterno, para
encontrar e finalmente se fundir, no limiar do objetivo perseguido, em
um harmonioso todo, que é a linha mestra na natureza. A Justiça
Absoluta não diferencia entre os muitos e os poucos.” (MLcr-120,
412; ML-85)
Assim sendo, embora
agradecendo à maioria dos teosofistas da Loja de Londres pela lealdade a
eles, Instrutores invisíveis, era preciso lembrar que a Sra. Kingsford:
“também é leal e
verdadeira – àquilo que ela acredita ser a Verdade. E como
ela é assim leal e verdadeira às suas convicções, por menor que
seja a minoria que a apoie no presente momento, a maioria, liderada pelo
Sr. Sinnett, nosso representante em Londres, não pode, com justiça,
atribuir-lhe a culpa, a qual (...) assim o é apenas aos olhos daqueles
que forem por demais severos. Todo teosofista ocidental deveria aprender
e recordar, especialmente aqueles que pretendam ser nossos seguidores –
que em nossa Fraternidade todas as personalidades submergem numa idéia –
direito abstrato e absoluta justiça prática para todos. E que, embora
nós não possamos dizer como os cristãos “retribua o mal com o bem” – nós
repetimos com Confúcio “retribua o bem com o bem; para o mal – JUSTIÇA”.
Assim os teosofistas que pensam do mesmo modo que a Sra. K. – mesmo que
eles se opusessem, sem tréguas, a algum de nós pessoalmente – são
merecedores de tanto respeito e consideração de nossa parte e de seus
membros companheiros com visões opostas (enquanto eles forem sinceros),
quanto aqueles que estão prontos, junto com o Sr. Sinnett, a seguir
incondicionalmente apenas nossos ensinamentos especiais.” (MLcr-120,
412; ML-85)
No início de fevereiro,
o telegrama foi mostrado à Loja e Anna Kingsford confirmada na
presidência. Como a situação na LL ainda estava confusa e as duas
facções não estavam conseguindo chegar à harmonia pedida na carta, os
membros decidiram postergar a eleição, esperando a vinda de Olcott e
Mohini a Londres, para ajudar a resolver a questão, a qual, disse o
Mestre KH, embora “dolorosa para alguns, e cansativa para outros,
ainda assim é melhor isso do que se a velha calma paralítica tivesse
continuado”. (MLcr-121, 413; ML-84)
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da página
12.
O CHOHAN QUER ANNA KINGSFORD DENTRO DA ST
Tentando achar uma
solução que permitisse que ela continuasse seu trabalho na Loja de
Londres, Anna Kingsford propôs a criação de duas Seções. Uma seria
formada pelos membros que quisessem seguir os ensinamentos dos Mahatmas,
e também reconhecê-los como seus Mestres, com Sinnett como presidente. A
outra encorajaria o estudo do Cristianismo Esotérico e também do
Ocultismo ocidental, do qual ele surgiu. Essa última seria conhecida
como Seção Católica, e seria presidida por ela. Nessa proposta, os
membros poderiam atender livremente às reuniões das duas Seções. (Ransom,
197) Essa idéia era próxima ao que os Mestres queriam, com a criação de
dois grupos dentro da Loja de L, uma vez que o Grande Chohan “que
nunca interfere em nada teosófico, menos ainda europeu” (LBS,
90) desejava que Kingsford ficasse dentro da Sociedade, tendo seu espaço
de trabalho preservado:
“Não sei o que é que o
Mestre ordenou Olcott a fazer. Ele guardou segredo sobre sua
instrução e não diz nada. Mas estou certa de que nem mesmo o Chohan a
imporia à Sociedade contra a vontade da maioria. Deixe-a fundar
uma sociedade separada da sua (...). Agora meu Patrão quer que ela
permaneça como presidente – uma vez que o Velho Chohan está apaixonado
pelo seu vegetarianismo e seu amor pelos animais – mas não
necessariamente da sua Sociedade. O Chohan a quer dentro da
Sociedade, mas não consentiria em forçar a opinião ou voto de um único
membro da LL. Ele não influenciará o último deles, pois então ele
não seria melhor que o Papa, que pensa que pode obrigar a uma obediência
inquestionável e depois evitar que caia sobre si mesmo os carmas da
pessoa. Isso é o que o Patrão acabou de me dizer para lhe escrever.
Portanto, é melhor você se preparar e buscar o conselho e a opinião de
cada membro que pensa como você, e estar pronto para se dividirem em
duas Sociedades, pois isto é o que o Coronel tem que fazer – me foi
dito.” (LBS, 81-83)
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da página
13.
A DISTÂNCIA AUMENTA MINHA BELEZA (MARÇO DE 1884)
HPB, Olcott, Mohini,
Padshah e o serviçal indiano Babula partiram da Índia em 20 de fevereiro
de 1884, chegando a Marselha em 13 de março. Ela não queria ir. Ainda na
Índia, em carta para Sinnett, de janeiro de 1884, lhe contou que só
havia concordado em viajar para a Europa com a seguinte condição:
“Não preciso, não
devo e não irei a Londres. Faça o que quiser. Nem mesmo vou me
aproximar de lá. Mesmo que meu Patrão tivesse me ordenado isso – penso
que preferiria enfrentar seu desagrado – e desobedecê-lo.” (LBS,
74)
Já na França, em março,
HPB recebeu tantos convites insistentes para que fosse a Londres, que
acabou respondendo-os na forma de uma circular, agradecendo aos
convites, mas recusando-os, pois sua saúde não permitiria que ela fosse
a Londres. Além disso, HPB escreve nessa circular:
“E qual seria a
utilidade de minha ida a Londres? Que bem poderia eu fazer a vocês em
meio a seus fogs misturados com as venenosas evaporações da
“civilização superior”? (...) Estou eu adequada para tais pessoas
civilizadas como todos vocês? Em apenas sete minutos e um quarto, me
tornaria perfeitamente insuportável para vocês, ingleses, se eu tivesse
que transportar para Londres minha enorme e feia pessoa. Eu lhes
asseguro que a distância aumenta minha beleza, a qual eu logo perderia
se estivesse próxima.”
(Letters
of HPB, VI)
Para Sinnett HPB também
escreveu que Olcott e Mohini, com as instruções que tinham dos Mestres
M. e KH, respectivamente, eram as pessoas adequadas para resolver a
questão, pois:
“Eu faria o oposto. Eu
não poderia (especialmente em meu atual estado de nervos) ficar por lá e
ouvir calmamente as espantosas novidades (...) de que Sankara
Charya era um teísta e que Subba Row não sabe do que está
falando, sem que isso me mande de uma vez para a morte; (...) De fato eu
não tenho mesmo vontade de ir para a Inglaterra. Eu amo todos vocês de
longe, eu poderia odiar alguns de vocês da L.L. se tivesse que ir
até lá. Você não entende por que? Você não pode compreender, com
tudo o que sabe a meu respeito e da verdade (essa última é
ignorada apenas pelos que não querem vê-la), que seria para mim um
indizível sofrimento ver como os Mestres e sua filosofia são ambos mal
interpretados?” (LBS, 78)
Em 5 de abril de 1884,
pela manhã, Olcott partiu de Paris para Londres, deixando HPB que
declarava não ter a menor condição ou desejo de ir a Londres, pois
estava com seus nervos fragilizados pela tensão acumulada nos meses em
que o caso Kingsford-Sinnett vinha se arrastando:
“Como posso encarar uma
Sociedade onde alguns de seus membros nutrem tais pensamentos
insultantes e os expressam por escrito? É por isso que não posso
ir a Londres. Se fosse seguir os ditames da minha afeição por vocês
dois, e o meu desejo de me relacionar pessoalmente com membros tão
encantadores como a Sra. e a Srta. Arundale, o Sr. Finch, o Sr. Wade e
outros, eu conheço os resultados. Ou eu iria saltar, rasgando o
céu e o inferno na primeira oportunidade, ou teria que explodir como uma
granada. Não posso manter a calma. Secretei e acumulei bílis por
mais de seis meses durante esse embroglio Kingsford-Sinnett;
segurei minha língua e fui forçada a escrever cartas civilizadas
que são agora vistas como “correspondência simpática e encorajadora”. Eu
– não importa o que tenha acontecido, e o quanto sofri dessa coléres
rentrés [raiva reprimida]; minha doença atual é mais do que
parcialmente devida a eles. Bem, não nasci para uma carreira
diplomática. Eu entornaria o caldo – e não faria bem algum – de qualquer
modo, não até que toda a coisa seja decidida e o equilibre
théosophique est retabli [o equilíbrio teosófico seja
restabelecido].” (LBS, 81)
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14. HPB CHEGA INESPERADAMENTE A LONDRES (ABRIL DE 1884)
William Judge, que
havia ficado com Madame Blavatsky em Paris, para ajudá-la com a
Doutrina Secreta, descreve que na noite de 5 de abril, quando
estavam sentados conversando, sentiu “o velho sinal de uma mensagem
do Mestre, e vi que ela estava escutando.” (Caldwell, 172)
HPB então lhe disse que o Mestre acabara de lhe ordenar que fosse para
Londres pelo expresso das 7:45h da noite seguinte, e ficasse por lá
apenas um dia, retornando no seguinte. Assim, inesperadamente,
obedecendo a ordens, embora confessando que não estava entendendo, ela
partiu para Londres no dia 6 de abril, ficando hospedada com os Sinnett.
No dia marcado para a
eleição, 7 de abril, Maitland propôs a reeleição de Anna Kingsford, mas
apenas um ou dois membros apoiaram a proposta. Sinnett então propôs
Finch, que foi eleito pela maioria. Olcott sugeriu ao grupo de Kingsford
que formassem uma nova Loja, que seria chamado de “Sociedade Teosófica
Hermética” – o que foi aceito. (ODL III, 97)
Depois de resolvido o
ponto mais delicado, eles passaram para a discussão da noite. Olcott
tentou harmonizar as diferenças de opinião, mas sem muito sucesso, e o
clima tornou-se tenso. Então HPB entrou inesperadamente na reunião,
sentando-se no fundo da sala, ao lado de Archibald Keightley, que era um
membro novo e ainda não a conhecia pessoalmente. Ele descreve que, no
momento em que alguém lá na frente aludiu a alguma ação de Madame
Blavatsky, a robusta senhora a seu lado confirmou, dizendo em voz alta:
“É isso mesmo.” Nesse ponto, a reunião virou uma confusão e
Mohini correu para jogar-se aos pés de HPB. (Caldwell, 175)
C.W. Leadbeater, que
também era um membro novo e estava presente nessa reunião, descreve que
uma robusta senhora, vestida de preto, havia entrado e sentado no fundo
da sala. Após alguns minutos, demonstrando impaciência com a falta de
progresso das discussões, ela pulou de seu assento e gritou num tom de
comando militar: “Mohini!”, saindo para o corredor. Então:
“O altivo e sério
Mohini veio correndo por aquela longa sala, na maior velocidade e, assim
que alcançou o corredor, jogou-se incontinente, com sua face no chão,
aos pés da senhora de preto.” (Leadbeater, 36)
Muitas pessoas
levantaram-se, confusas, não sabendo o que estava acontecendo. Mas logo
depois Sinnett, que também havia ido até o fundo, voltou e anunciou:
“Permitam-me apresentar
à Loja de Londres como um todo – Madame Blavatsky!
“A cena que se seguiu
era indescritível; os membros freneticamente alegres e, contudo, ao
mesmo tempo, meio amedrontados, se juntaram à volta de nossa grande
fundadora, alguns beijando suas mãos, vários ajoelhando-se diante dela,
e dois ou três soluçando histericamente.” (Leadbeater, 37)
Ela então foi conduzida
à plataforma onde, após ouvir explicações sobre o caráter insatisfatório
da reunião, a encerrou e reuniu-se com os dirigentes. Relata Leadbeater
que, após ouvir explicações de Kingsford e Sinnett, ralhou com ambos,
como se fossem dois estudantes e fez com que dessem as mãos, numa
demonstração de que suas diferenças haviam se encerrado! (Leadbeater,
37)
Como já vimos
extensamente, os sentimentos de HPB estavam longe de serem imparciais e
isentos, como aparentam ser na narrativa de Leadbeater. Após a reunião,
Madame Blavatsky voltou para a casa dos Sinnett, e ficou em Londres por
uma semana, antes de voltar a Paris.
O episódio acima
narrado, em que Mohini atira-se aos pés da Madame Blavatsky, é muito
interessante. Ele apresenta aspectos que dificilmente podemos entender
completamente, pois estão na alçada da vida do Ocultismo, e não da vida
comum. Isso porque, ainda em outubro de 1883, quando o Mestre decidiu
que no ano seguinte Mohini iria a Londres com Olcott para ajudar a
resolver a questão da Loja de Londres, HPB escreveu a Sinnett,
alertando-o para o fato de que não deveria considerar o Mohini que ele
havia conhecido como o mesmo que estaria em Londres:
“Em 17 de fevereiro
Olcott provavelmente partirá para a Inglaterra para tratar de vários
assuntos, e Mahatma KH envia seu chela, sob o disfarce de Mohini
Mohun Chatterjee (...). Não cometa o erro, meu querido patrão, de tomar
o Mohini que você conheceu pelo Mohini que irá. Há mais de uma
Maya nesse mundo, da qual nem você, nem seus amigos e o crítico
Maitland são sabedores. O embaixador será investido de uma vestimenta
interna, bem como de uma vestimenta externa. Dixit.” (LBS,
65)
Do mesmo modo que HPB
havia alertado Sinnett de que não considerasse Mohini como sendo o
Mohini usual, o Mestre KH manda uma carta ao próprio Mohini, em março de
1884, lhe dizendo algo semelhante com relação à Madame Blavatsky e lhe
orientando como deveria se comportar. Ele lhe diz que como as aparências
eram importantes, especialmente entre os europeus, era necessário
impressioná-los externamente antes que uma impressão interna, regular e
duradoura, ocorresse. Por essa razão, o Mestre orienta Mohini que quando
HPB chegasse a Paris:
“você irá encontrá-la e
recebê-la como se estivesse na Índia e ela fosse sua própria mãe.
Você não deve ligar para a multidão de franceses e outros. Você tem que
impressioná-los; e, se o Coronel lhe perguntar por que, você lhe
responderá que é o homem interior, o ocupante interno que você
está saudando, não HPB, pois você foi avisado por nós nesse sentido. E
saiba, para sua própria edificação, que Alguém muito superior a mim
gentilmente concordou em inspecionar toda a situação, sob o disfarce
dela, e então visitar, através do mesmo canal, ocasionalmente, Paris e
outros locais onde membros estrangeiros possam residir. Você irá
saudá-la desse modo ao vê-la e ao despedir-se dela, durante todo o tempo
em que estiver em Paris – independente de comentários e de sua
própria surpresa. Isso é um teste.”
(LMW,
2nd S., 111)
Como vimos, HPB acabou
inesperadamente indo a Londres e Mohini encontrou-a lá, e não em Paris,
mas obedeceu literalmente às instruções de seu Mestre, jogando-se aos
seus pés para saudá-la como faria com sua mãe na Índia. Ou, quem sabe,
para saudar ao “Ocupante” interno que ali poderia estar.
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da página
15.
A SOCIEDADE HERMÉTICA
Em 9 de abril a Loja
Hermética foi organizada, com Olcott e Mohini presentes. (Ransom,
198) Entretanto, o problema não ficou resolvido pois poucos dias após a
criação da Loja Olcott resolveu editar uma nova regra pela qual as
filiações múltiplas ficavam proibidas. Isso significava, na prática, que
os membros da Loja Hermética não poderiam freqüentar as reuniões da Loja
de Londres, e assim se beneficiar das instruções lá oferecidas e
vice-versa. Essa decisão transtornou os planos para a Loja Hermética e,
em 22 de abril, o grupo de Kingsford decidiu devolver a carta
constitutiva e formar uma sociedade independente da Sociedade Teosófica.
(Ransom, 198)
Maitland diz que Olcott
teria feito essa regra, que proibia a filiação múltipla, seguindo
conselhos de Sinnett. (Credo, 24) Talvez seja a isso que o Mestre
KH esteja se referindo nesta passagem abaixo, onde repreende Sinnett:
“Então você nega
que jamais tenha havido qualquer rancor em você contra K. [Kingsford].
Muito bem; chame-o de qualquer outro nome que quiser; ainda assim foi
um sentimento que interferiu com a estrita justiça, e fez O. [Olcott]
cometer um erro ainda pior do que o que ele já havia cometido – mas
que foi permitido seguir seu curso, pois se adequava aos nossos
propósitos, e não causou nenhum grande mal, a não ser para ele mesmo –
que foi tão mesquinhamente desdenhado por isso.” (MLcr-126, 424;
ML-62)
Em 9 de maio a
Sociedade Hermética foi fundada e logo se provou um grande sucesso, com
as palestras de Anna Kingsford enchendo grandes salões. No final de
1884, Kingsford e Maitland saíram da Loja de Londres, mas não
abandonaram a ST, permanecendo ligados a Adyar. Anna Kingsford e HPB
ainda se encontraram em duas outras ocasiões, em julho de 1884 e em
outubro de 1886. Esse último encontro foi o de Ostende, narrado pela
Condessa de Wachtmeister e já citado na Introdução desse artigo.
A Sociedade Hermética
funcionou regularmente, sobretudo com palestras de Anna Kingsford e
Maitland, até o início de 1887, quando o estado de saúde dela já estava
muito debilitado. Ela tinha problemas pulmonares crônicos e acabou
morrendo de tuberculose, aos 42 anos, em 22 de fevereiro de 1888. (Godwin,
335)
Após sua morte,
Maitland publicou dois livros em nome de Anna Kingsford. O primeiro, “O
Credo do Cristianismo, e Outros Discursos e Ensaios sobre Cristianismo
Esotérico” é composto de várias de suas palestras na Sociedade
Hermética. O outro, como já vimos em As Iluminações de Anna Kingsford,
é a compilação de suas Iluminações obtidas durante quase 14 anos, e que
recebeu o título de “Vestida de Sol, o Livro das Iluminações de Anna
(Bonus) Kingsford”.
Podemos agora avaliar
melhor porque a Sociedade Teosófica perdeu uma grande oportunidade de se
transformar naquilo que os Mestres tanto almejavam: um centro onde
diferentes tradições pudessem conviver harmoniosamente, colocando em
prática a tolerância que é a base do seu 1° Objetivo. Não há dúvidas de
que, caso Anna Kingsford tivesse permanecido ativa dentro da Loja
de Londres, como queria o Grande Chohan, isso teria marcado o início de
uma abertura inédita na ST. Pois, como o Mestre KH escreveu:
“a Filosofia
Hermética é universal e não sectária, enquanto que a Escola Tibetana
sempre será considerada (...) como mais ou menos marcada pelo
sectarismo. (...) Filosofia Hermética adapta-se a qualquer crença e
filosofia”. (MLcr-120, 409; ML-85)
No entanto, a Sociedade
Teosófica seguiu outro caminho, muito menos universal, e acabou
desenvolvendo uma doutrina própria, com um perfil e uma terminologia
bastante orientais, que passou a ser denominada de “Teosofia”. Assim
sendo, não é estranho que o próprio Mestre KH – que seguindo a vontade
do Chohan interferiu na crise da Loja de Londres – tenha feito um severo
alerta quanto aos caminhos que estavam sendo seguidos pela ST
escrevendo, em 1900, na última carta conhecida com a caligrafia dos
Mestres:
“A ST e seus membros
estão lentamente manufaturando um credo. Diz um provérbio tibetano:
‘credulidade gera credulidade e termina em hipocrisia’.” (LMW 1st
S., 99)
Não há dúvidas,
portanto, de que a Sociedade Teosófica perdeu uma grande oportunidade de
se transformar naquele centro de vanguarda do pensamento que os Mestres
tanto almejavam, especialmente no Ocidente. Um centro onde essas duas
facções pudessem conviver harmoniosamente, demonstrando, na prática, a
tolerância pregada no 1° Objetivo. Como bem notou P. Washington:
“O conflito entre
Blavatsky e Kingsford era tanto pessoal quanto doutrinário. Duas
mulheres fortes (...) estavam fadadas a entrar em conflito. (...)
“Essa foi uma
oportunidade perdida. As duas mulheres tinham forças diferentes que
poderiam ter sido complementares. Se
Anna tinha vantagem sobre HPB na aparência, posses e posição social, HPB
tinha o controle de uma organização internacional. Mas as diferenças
foram longe demais. Elas são descritas pela própria Anna em termos de
ocultistas orientais versus místicos ocidentais, e esse conflito
ainda causaria freqüentes divisões dentro da Sociedade nos anos
seguintes. Enquanto HPB rejeitava Kingsford como sendo uma médium comum,
no livro de Anna sua rival era uma ocultista — e ocultistas estão bem
abaixo na escala religiosa, em contato com o mundo dos espíritos apenas
indiretamente.
“Pouco antes de sua
própria morte, Anna K. afirmou ter sonhado que encontrou HPB no céu
budista. Blavatsky ainda estava fumando seus desagradáveis cigarros, mas
assim o fez somente após pedir humildemente permissão para o próprio
patrão de Anna, Hermes (...). A cena é apropriadamente simbólica: a
divisão entre as crenças ocidentais e orientais; a primeira, mas de modo
algum a última rebelião daqueles que sentiam que a Teosofia estava se
inclinando demais em direção ao Oriente e abandonando a tradicional fé
cristã. Esse não era, de acordo com seus críticos, um sinal de
universalidade religiosa, mas de uma ardorosa adoção de um credo
estrangeiro.” (Washington, 77-78)
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16. ANNA KINGSFORD E A GOLDEN DAWN (1886-1887)
A interpretação que
Kingsford e Maitland fizeram das Escrituras cristãs naturalmente fez com
que se interessassem pela Cabala, onde encontraram grandes semelhanças
com as Iluminações de Kingsford. Isso os levou a uma relação com o barão
Giuseppe Spedalieri, discípulo e editor literário de Eliphas Levi.
Encontrando-se com ele em 1887, quando visitava a França, Maitland
recebeu alguns manuscritos de Eliphas Levi e a sua cópia do tratado de
Trithemius, De Septem Secundeis. Posteriormente, Maitland passou
esse material para Wynn Westcott, o qual o editou como Ritual Mágico
do Sanctum Regnum. (Godwin, 345)
Westcott era ligado à
ordem secreta e oculta conhecida como S.R.I.A. ou Societas
Rosicruciana in Anglia, da qual faziam parte Bulwer Lytton, John
Yarker (que em 1877 havia concedido a HPB um diploma maçônico) e Samuel
L. MacGregor Matthers. Westcott e Matthers foram também os principais
fundadores da Golden Dawn, que inicialmente se apresentava como uma “ordem
não maçônica, aberta a homens e mulheres”, a qual se intitulava “Os
Estudantes Herméticos da G.D.” (Godwin, 223)
Tanto Westcott quanto
Matthers eram muito ativos na Sociedade Hermética de Kingsford. Matthers
deu duas palestras, uma sobre Cabala e outra sobre Alquimia, e durante o
ano de 1886 trabalhou na tradução de um livro que Maitland e Kingsford
haviam consultado no Museu Britânico. Quando publicado sob o título
The Kabbalah Unveiled [A Cabala Sem Véu], o livro foi
dedicado aos dois.
De acordo com o
biógrafo de Matthers, Colquhoun, provavelmente foi sob a influência de
Anna Kingsford que Matthers se tornou um feminista, pelo menos no que
diz respeito a questões ocultas, insistindo para que as mulheres fossem
admitidas na Golden Dawn em igualdade de condições com os homens. Mas as
semelhanças entre a Golden Dawn e Kingsford vão muito além disso:
“Pode-se entender muito
melhor a Golden Dawn após se conhecer o trabalho de Kingsford e Maitland.
Seus rituais evocaram o mesmo universo iniciático que as Iluminações de
Anna Kingsford haviam descrito: um universo cuja mitologia era Egípcia,
Cabalística, Eleusiana e Cristã (Rosacruz). Era um complemento prático
para os ensinamentos teóricos e morais de O Caminho Perfeito.” (Godwin,
362)
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17. OS LIVROS SAGRADOS DE HERMES TRISMEGISTUS
Em 1884, Kingsford e
Maitland publicaram uma tradução de A Virgem do Mundo de Hermes
Mercurius Trismegistus, que continha textos herméticos muito raros.
Além do fragmento que dá o título, contém: “Asclépios sobre
Iniciações”, “Definições de Asclépios” e “Fragmentos”,
que inclui os “Fragmentos do Livro de Hermes a seu Filho Tatios”,
“Fragmentos dos Escritos de Hermes a Ammon” e “Vários
Fragmentos Herméticos”. Desse último citamos a Parte III:
“Por isso
a visão incorpórea sai do corpo para contemplar a beleza,
elevando-se e adorando, não a forma, nem o corpo, nem a aparência, mas
aquilo que por trás de tudo, é calmo, tranqüilo, substancial e imutável;
aquilo que é tudo, sozinho e uno, aquilo que é por si mesmo e em si
mesmo, semelhante a si mesmo, e sem variação.” (Virgin, 151)
Os livros sagrados de
Hermes continham as leis, ciência e teologia do Egito, e os sacerdotes
diziam que eles haviam sido escritos durante o reinado dos Deuses, que
precedeu àquele de seu primeiro rei, Menes. Havia quatro livros
que, subdivididos, compunham 42 volumes. Eles eram guardados no recinto
mais sagrado do templo, e apenas os sacerdotes de uma ordem superior
tinham permissão de consultá-los. Nas grandes procissões religiosas os
livros de Hermes eram reverentemente carregados. (Virgin, i)
“Os principais
sacerdotes levavam os dez volumes relacionados às emanações dos Deuses,
à formação do mundo e à divina anunciação de leis e regras para o
sacerdócio. Os profetas carregavam quatro, tratando de astronomia e
astrologia. O líder dos músicos sagrados carregava dois, contendo os
hinos aos Deuses e máximas para guiar a conduta do rei, as quais o
cantor deveria saber de cor. A antigüidade e santidade desses hinos
egípcios era tal que Platão afirmou que eles eram atribuídos a Ísis, e
que se acreditava que teriam dez mil anos de idade. Os servidores do
templo levavam mais dez volumes, contendo formas de oração e regras para
os oferecimentos, festivais e procissões. Os outros volumes tratavam de
filosofia e ciências, incluindo anatomia e medicina.” (Virgin, i)
O imperador romano
Severus reuniu todos os escritos sobre os Mistérios e os queimou no
túmulo de Alexandre o Grande; e Diocleciano destruiu todos os livros
relacionados com a Alquimia. Os renomados livros de Hermes estiveram
perdidos por 15 séculos. Nos primeiros séculos do Cristianismo, Hermes
era considerado um revelador inspirado e seus escritos considerados a
teologia que havia sido passada para Moisés. Essa opinião foi aceita até
a Renascença por vários estudiosos, os quais consideravam os livros de
Hermes como a fonte das iniciações Órficas e da filosofia de Pitágoras e
Platão. (Virgin, ii)
Embora haja críticos
contrários a essas conclusões, eles reconhecem uma grande semelhança
entre essas doutrinas e as do Cristianismo e reconhecem, portanto, que o
Cristianismo não era algo completamente novo quando surgiu, mas um
desenvolvimento ou uma reformulação de uma doutrina há muito
pré-existente. (Virgin, viii)
Maitland explica que o
método Hermético para a obtenção da perfeição em qualquer plano –
físico, intelectual, moral ou espiritual – é a pureza:
“Não apenas tendo, mas
sendo consciência, o homem é homem e é capaz de perceber na
medida em que for puro; a pureza completa implicando numa percepção
total, até mesmo de ter a visão de Deus, como os Evangelhos o afirmam.
Na mesma proporção ele também tem poder. O Hermetista plenamente
iniciado é um mago, ou um homem de poder, e pode realizar o que para o
mundo parecem milagres, e isso em todos os planos – físico, intelectual,
moral e espiritual – pela força de sua própria vontade. Mas seu único
segredo de poder é a pureza, do mesmo modo que sua única motivação é o
amor.” (Virgin, xv)
As doutrinas herméticas
falam da intuição como o modo essencial para o homem entrar em contato
com seu ser mais essencial e permanente – a alma – e dela obter
conhecimento das coisas divinas que obteve em épocas distantes de seu
passado. A doutrina dos múltiplos renascimentos da alma num corpo físico
e a doutrina da responsabilidade pelos frutos de suas ações também estão
presentes nos ensinamentos Herméticos.
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18. RE-VELAÇÃO
A curta vida de Anna
Kingsford gerou muitos frutos, que ainda estão ao alcance das pessoas em
suas obras, onde ela revela, através de suas Iluminações e filosofia, um
caminho para o Oculto. É um valioso legado para aqueles que se dedicarem
a trilhá-lo. Algo que ela mesma intuiu quando, poucos dias após a
fundação da Sociedade Hermética, escreveu:
“O que realmente
buscamos é reformar o sistema cristão e começar uma nova Igreja
Esotérica. Uma vez que isso se inicie, poderá prosseguir
indefinidamente, como acontece com a Igreja Exotérica. (...) Algumas
vezes penso que as verdades e conhecimentos que possuímos são tão
elevados e tão profundos que essa época ainda não está preparada para
recebê-los, e que tudo que nos será possível fazer será formulá-los em
algum livro, ou livros, para deixá-los como um legado ao mundo quando
tivermos partido.” (Credo, 28)
Concluímos esse artigo
sobre Anna Kingsford e suas relações com Helena Blavatsky, citando uma
de suas Iluminações, “Sobre a Revelação”, onde se destaca a beleza,
profundidade e poesia da mensagem:
“Todas as iluminações
verdadeiras e valiosas são re-véu-ações, ou re-velações. Marque o
significado dessa palavra. Não pode haver nenhuma iluminação verdadeira
ou valiosa que destrua distâncias e exponha os detalhes das coisas.
“Olhe para esta
paisagem. Contemple como suas montanhas e florestas estão banhadas com
suave e delicada névoa, que meio encobre e meio revela suas formas e
tons. Veja como essa névoa, como um delicado véu, envolve as distâncias
e mescla as bordas da terra com as nuvens do céu!
“Quão belo é, quão
ordenada e completa a sua adequação e a delicadeza de seu apelo aos
olhos e ao coração! E quão falso seria aquele sentido que desejasse
destruir esse véu sobreposto, para trazer para perto os objetos
longínquos, e reduzir tudo a um primeiro plano, no qual apenas detalhes
fossem aparentes, e todos os contornos fossem nitidamente definidos!
“A distância e a névoa
fazem a beleza da Natureza: e nenhum poeta desejaria contemplá-la de
outra forma que não fosse através desse adorável e modesto véu.
“E assim como na
natureza exotérica, assim é com a natureza esotérica. (...)
“Assim, a doutrina dos
mistérios é verdadeiramente re-véu-ação – um velar e um re-velar
daquilo que não é possível para o olho contemplar sem violar toda a
ordem e santidades da natureza.
“Pois a distância e os
raios visuais, causando as diversidades do próximo e do distante, de
perspectivas e nuances que se fundem, de horizontes e primeiros planos,
são parte da ordem e seqüência naturais: e a lei expressa em suas
propriedades não pode ser violada.
“Pois nenhuma lei
jamais é quebrada.
“Os tons e aspectos da
distância e da névoa realmente podem variar e se dissolver, de acordo
com a qualidade e a quantidade de luz que cai sobre elas: mas elas estão
sempre lá, e nenhum olho humano pode anulá-las ou aniquilá-las.
“Mesmo as palavras,
mesmo as figuras são símbolos e véus. A própria verdade não pode ser
jamais proferida, a não ser de Deus para Deus.” (Clothed, 9-11)
Início
da página
19.
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