A FALECIDA DRA The Late Mrs. Anna Kingsford, M.D. – Helena Petrovna Blavatsky

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4. A RODA

 

            “Pois o fato é que a doutrina de Buda, com suas Quatro Nobres Verdades, e seu Nobre Óctuplo Caminho, sua ilimitada compaixão em relação a toda a vida senciente, seu lógico ensinamento ético de desenvolvimento através da conquista de si mesmo e da autocultura, sua simples e não obstante profunda análise do sofrimento e da tristeza com o método da libertação desses (...), sua regeneração completa da mente, seus elevados códigos de moralidade e padrão de tolerância, paz e caridade – essa doutrina é a indispensável precursora e intérprete da doutrina de Cristo”. (A Verdade Viva no Cristianismo, p. 26)

 

            “Quão pouco este princípio da Fraternidade Universal é compreendido pelas massas da espécie humana, e quão raramente sua importância transcendente é reconhecida (...). A Sociedade (Teosófica) foi organizada com base neste único princípio, a Fraternidade Essencial da Humanidade, como aqui foi brevemente esboçado e imperfeitamente apresentado. Ela tem sido atacada como budista e anti-cristã, como se pudesse ser essas duas coisas ao mesmo tempo, já que tanto o Budismo quanto o Cristianismo, como apresentados por seus inspirados fundadores, fazem da fraternidade a essência da doutrina e da vida”. (A Chave para a Teosofia, p. 29)

 

VIVIANE: O que é a Roda?

 

ARNALDO: A Roda é talvez o símbolo mais importante do Budismo, pois representa os ensinamentos do Buda Sidarta Gautama. Ela aparece com oito raios, representando os oito passos do Nobre Óctuplo Caminho, que é aceito por todos os budistas como o coração doutrinário do Budismo.

            Seu movimento representa a transformação pela qual passa o espírito com os ensinamentos dados pelo Buda. Representa também o ciclo das encarnações, chamado samsara, cuja saída se dá pela prática dos ensinamentos dos Budas ou dos Cristos.

            A Roda também simboliza o movimento promovido por esses ensinamentos no mundo como um todo.

            Assim, na tradição budista, um dos doze grandes atos relatados na vida do Buda é o giro da Roda do Dharma (Roda da Lei), que representa a transmissão de ensinamentos. Esses atos seriam realizados não só pelo Buda Sidarta Gautama, mas também por todos os Seres Iluminados.

 

 

VIVIANE: Qual é a base do Budismo?

 

ARNALDO: A base dos ensinamentos do Buda Sidarta Gautama reside nas Quatro Nobres Verdades que o senhor Buda nos transmitiu. Elas nos falam da existência do sofrimento; da causa do sofrimento que é o apego às coisas transitórias, materiais, aos sentidos, e da possibilidade da extinção do sofrimento – a eliminação do apego dessa escravidão aos sentidos e às coisas ilusórias desse mundo. E há a Quarta Grande Verdade, o Nobre Óctuplo Caminho, que é o caminho que leva à superação do sofrimento e ao alcance da plenitude da Realização Espiritual, o Nirvana.

            Assim como ocorre em todas as outras grandes tradições religiosas, os ensinamentos do Buda Gautama contemplaram uma doutrina mais simples, destinada à família humana em geral e também ensinamentos mais profundos, destinados àqueles que se sentem atraídos e capacitados a trilhar as etapas mais elevadas da evolução espiritual.

 

 

VIVIANE: Como é feita essa diferenciação dos ensinamentos voltados às pessoas mais simples e aos que estão em uma etapa mais avançada do caminho espiritual?

 

ARNALDO: Diferentes pessoas possuem diferentes capacidades para compreender e praticar ensinamentos espirituais. Considerando isso, o Buda Gautama, como todos os outros grandes instrutores, deu ensinamentos em diferentes níveis.

            Para as pessoas que simplesmente desejam obter felicidade humana, Buda deu ensinamentos que revelam as ações e seus efeitos, ou Carma, e ensinou que a disciplina moral deve ser sua prática principal.

            Para as que desejam atingir uma paz mais profunda Buda deu ensinamentos sobre as falhas do samsara e ensinou as três práticas superiores – disciplina moral superior, concentração superior e sabedoria superior – como sua prática principal.

            Para as que desejam atingir o objetivo supremo da plena iluminação, Buda deu ensinamentos sobre como desenvolver grande compaixão e bodichitta, e ensinou que sua prática principal deve ser as seis perfeições – generosidade, disciplina moral, paciência, esforço, silenciar a mente e sabedoria.

            Além disso, considera-se que Buda deu ensinamentos diretos a seus discípulos sobre as questões mais elevadas da prática e da realização espiritual, os quais são referidos em muitas escolas budistas como os ensinamentos do Tantra. É importante não confundir os ensinamentos do Tantra Budista com os ensinamentos de outras escolas também conhecidas pelo nome de Tantra, que geralmente estão relacionados com duvidosas práticas ligadas à sexualidade.

 

 

VIVIANE: Quais são essas Quatro Nobres Verdades que você cita como base do Budismo?

 

ARNALDO: As Quatro Nobres Verdades foram apresentadas pelo Buda Gautama logo no início de sua pregação religiosa a qual, segundo as tradições budistas, ocorreu logo após sua Iluminação, ou após ter alcançado o estado de um ser plenamente iluminado, isto é, de um Buda.

            Elas podem ser referidas sinteticamente como segue:

 

1ª. Grande Verdade: a existência do sofrimento – a realidade passageira desse mundo e o consequente sofrimento a ela inerente.

 

2ª. Grande verdade: a causa do sofrimento – o desejo, ou o apego material ou sensorial a esse mundo impermanente. Se você se apega a esse mundo está no caminho da dor porque aqui tudo é transitório.

 

3ª. Grande verdade: a cessação do sofrimento – a possibilidade de superação do sofrimento, através da libertação do desejo, ou do apego material.

 

4ª. Grande verdade: o caminho que leva à cessação do sofrimento, à libertação, ao Nirvana – o Nobre Óctuplo Caminho – o caminho de oito partes ensinado pelo Buda Gautama.

 

 

VIVIANE: O que é o Nobre Óctuplo Caminho?

 

ARNALDO: Dentro dos ensinamentos do senhor Buda esse é o conjunto de preceitos e práticas que conduzem à superação do sofrimento e à Realização Espiritual. É conhecido como “Caminho do Meio” por ter como base a moderação, mantendo-se em equilíbrio e ficando longe dos extremos.

            As oito partes ou práticas do Nobre Óctuplo Caminho são:

            Reta Doutrina ou Reta Crença

            Reta Intenção ou Reta Resolução

            Reto Falar ou Reta Palavra

            Reta Conduta ou Reta Ação

            Reta Ocupação ou Reto Meio de Ganhar a Vida

            Reto Esforço ou Reto Empreendimento

            Reta Concentração ou Reta Recordação

            Reta Meditação ou Reta Contemplação

 

 

VIVIANE: E por onde se deve começar nos ensinamentos budistas?

 

ARNALDO: Não creio que haja uma rigorosa necessidade de que esses oito aspectos do caminho budista sejam trilhados em sequência. Mas, ao mesmo tempo, parece claro que eles estão dispostos em ordem de crescente sutileza e elevação, e que para alcançar grande avanço num posterior, devemos ter alcançado grande avanço no anterior. Não parece nem lógico nem possível, por exemplo, um grande avanço na Reta Contemplação, sem um grande avanço na Reta Concentração, e assim também em relação aos demais sucessivos aspectos.

            Então, o primeiro passo é a reta interpretação das Escrituras Sagradas, tomando cuidado, sobretudo, de não fazer uma interpretação literal. Quando falamos de reta interpretação vale destacar que os ensinamentos do senhor Buda não admitem nenhum tipo de crença cega. Há muitos grupos budistas, no entanto, que não seguem essa orientação original. Temos como ensinamento do senhor Buda:

 

            “Não sigam o que foi adquirido pelas muitas repetições; nem pela tradição; nem pelos rumores; nem pelo que está nas escrituras; nem pelas suposições; nem pelos axiomas; nem pelo simples raciocínio; nem pelos preconceitos relativos a alguma questão na qual se ponderou; nem pelas supostas habilidades de outra pessoa; nem pelo status atribuído, como, por exemplo: “O monge é nosso instrutor”. Porém, quando vocês mesmos souberem: “Estas coisas são boas; estas coisas não são censuráveis; estas coisas são prezadas pelos sábios; quando postas em prática e observadas estas coisas trazem benefícios e felicidade”, então, aceitem e se apóiem nestas coisas”. (Do Discurso aos Kalamas)

 

            Buda recomendava acreditar nas luzes de nossa própria consciência. Ele ensinava que as pessoas deveriam seguir o que lhes parecesse certo, segundo suas honestas avaliações, independente da opinião dos outros. Em resumo, os ensinamentos do Buda Gautama parecem nos sugerir que é melhor “errar” seguindo nosso próprio honesto entendimento do que “acertar” seguindo o entendimento de outros.

 

 

            “O Budismo ensina que a realização da Verdade é incomparavelmente mais importante do que a crença na Verdade; que a fé e a devoção religiosa, sendo apenas o primeiro passo do Caminho, não bastam por si mesmas”. (O Budismo e o Caminho da Vida, p. 94)
 

 

 

VIVIANE: A Lei de Causa e Efeito, ou do Carma, está na base do ensinamento budista, não está?

 

ARNALDO: Sim; o ensinamento do Buda Gautama começa com a Reta Doutrina, que é sua primeira coluna mestra. Essa doutrina está baseada em dois princípios: na Lei de Causa e Efeito, também chamada de Carma, ou Justiça Divina, e no princípio da multiplicidade de encarnações.

            Se abrir mão de uma dessas duas colunas, não tem como chegar à Reta Doutrina. Isso é o que toda tradição budista deveria trazer, mas nem toda ela traz com clareza, ou de forma isenta de materializações e idolatrias.

            No Cristianismo Budista tem-se claramente essa base, mostrando que a Reta Doutrina deve estar baseada na eterna Lei de Justiça – causa e efeito – assim como na possibilidade de alcançar a bem aventurança eterna seguindo o caminho da pureza e da santidade, onde está implícito o princípio da multiplicidade de encarnações, ou da reencarnação, porque para a grande maioria não é possível alcançar a libertação do samsara e a glória divina em uma única encarnação. Isso sempre será uma questão de uma longa sucessão de encarnações, como na analogia de nossa vida escolar, onde só é possível alcançar a graduação superior após uma longa sucessão de idas e vindas às escolas de diferentes níveis. E aquele que alcançar essa glória numa encarnação já viveu e aprendeu em muitas outras vidas anteriores.

 

 

VIVIANE: A idéia central é que você é o próprio responsável pelo que será sua vida e pode fazer dela uma coisa boa.

 

ARNALDO: É preciso entender que isso é uma possibilidade humana. Se não se acredita nisso, não se acredita no ser humano, na espécie humana, que nós somos filhos de Deus e, portanto, temos potencialidades divinas.

            E se não se acredita nisso, vai se acreditar em que? Na matéria? Ou vai entrar em uma forma de idolatria? Como aqueles que dizem que nós não temos a capacidade de nos salvar e que só a sua religião salva, ou que só Jesus salva. Isso é a morte espiritual e mostra que a pessoa não entendeu nada e ainda se separa dos outros irmãos que pertencem a outras tradições. Como aqueles que acham que sua religião é a única boa e que as outras não servem, não salvam ou não conduzem a Deus. Será que não estão vendo que não é esse o caminho? Se cada um acha que a sua é a boa, e a dos outros?

            Independente da religião, do caminho, é preciso saber da própria capacidade individual de alcançar a bem aventurança, ou o que os budistas chamam de Nirvana. Nós podemos chamar de Realização, de Libertação ou, como fala São Paulo, do Cristo em nós, a esperança em nós, a esperança de glória (Colossenses 1:27). Essa é a base de tudo, é a base do ensinamento do Buda Gautama, junto com o princípio da multiplicidade de encarnações, que nos garante que se nós nos esforçarmos vamos chegar lá, porque temos essa capacidade latente, e temos essas oportunidades, ou, para citar São Paulo, temos este tesouro dentro de nós (2 Coríntios 4:7).

 

 

VIVIANE: Pelo visto, a Roda é o grande símbolo budista, como a Cruz é o grande símbolo cristão. Há outros símbolos que se destacam nessa doutrina?

 

ARNALDO: Da mesma forma que a vida do senhor Cristo Jesus deve ser lida de forma alegórica, também a vida do senhor Buda Gautama, que a tradição budista nos traz, deve ser lida de forma alegórica. Embora o Budismo seja uma doutrina muito pautada na lógica, nós também encontramos nele vários símbolos que aludem a realidades místicas. Apenas para dar um exemplo, nós podemos observar na entrada de mosteiros budistas a Roda Budista entre dois cervos, um macho e uma fêmea, que simbolizam as forças com polaridades contrárias dentro de nós e no universo. Nesse símbolo, a Roda representa também a união dessas duas forças, que é a sabedoria dos Budas e daqueles que alcançaram a iluminação espiritual.

 

 

VIVIANE: Nós vemos às vezes trechos que citam Sidarta Gautama e outros que falam em Buda como se referissem a aspectos diferentes. Há diferenciação entre um e outro?

 

ARNALDO: Sidarta Gautama foi o Avatar que viveu no norte da Índia alguns séculos antes de Jesus Cristo. Sua vida, relatada nas Escrituras budistas, também contém alegorias como no caso dos Evangelhos em relação à vida de Jesus Cristo.

            Já Buda se refere a uma condição ou estatura de iluminação, por analogia ao que ocorre com o Cristo Jesus. Podemos dizer que Gautama é um Cristo, como o Cristo Jesus. Assim como podemos dizer que Jesus é um Buda (um Iluminado). Nesses casos, Cristo e Buda se referem às elevadas estaturas de iluminação espiritual que esses Filhos de Deus alcançaram.

 

 

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