THE FOOD OF MAN - By Samuel Hopgood Hart

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HART, Samuel Hopgood. O Alimento do Homem (Visto como um Ser Espiritual) [The Food of Man (Regarded as a Spiritual Being)]. Published by the Author. The Kemp Hall Press, Ltd., Oxford (Inglaterra), 1933.

 

            Informação: Este artigo foi gentilmente enviado ao Site Anna Kingsford pelo Sr. Brian McAllister. Nosso agradecimento aos colaboradores Gilmar Gonzaga e Marcus Theodoro Carvalho pelo fraternal auxílio nas tarefas de digitalização, tradução, revisão, edição e geração do arquivo em Html para a Internet. O texto foi publicado pelo próprio Autor como um panfleto, e contém uma palestra dada na Sociedade Vegetariana de Croydon, em 7 de novembro de 1933. Segue a página de rosto do original, e o texto completo, em português:

 

 

Tradução: Arnaldo Sisson Filho

[Embora o texto em inglês seja de domínio público, a tradução não é. Esse arquivo pode ser usado para qualquer propósito não comercial, desde que essa notificação de propriedade seja deixada intacta.]

 

 

 

THE FOOD OF MAN

(REGARDED AS A SPIRITUAL BEING)

 

 

By

Samuel Hopgood Hart

(Vice-president of the Croydon Vegetarian Society)

 

 

 

PUBLISHED BY THE AUTHOR

____________________________

The Kemp Hall Press, Ltd., Oxford

 

 

 

 

O ALIMENTO DO HOMEM

(VISTO COMO UM SER ESPIRITUAL)

 

Samuel Hopgood Hart

 

            Nós lemos nos Salmos (104: 15), “Ele faz brotar relva para o rebanho e plantas úteis ao homem; para que da terra retire seu alimento.” Essa é uma alimentação vegetariana, fora da qual nenhuma reforma alimentar pode ser vista como completa, uma vez que devido às razões que neste texto serão mencionadas, toda verdadeira reforma alimentar deve abarcar e incluir o vegetarianismo. Não é raro lermos na imprensa comum de nossos dias cartas e artigos escritos por médicos e outros especialistas aconselhando uma menor ingestão de carne e uma maior quantidade de frutas e vegetais, especialmente em sua condição natural. Isso é muito bom e está na direção correta, porém tal reforma alimentar se constitui apenas de um passo em direção à meta. Trata-se apenas de meio caminho andado. 

 

            Antes que possa responder à questão: “Qual o alimento correto para o Homem?” devo definir em qual sentido uso a palavra “homem”. Em linguagem popular a palavra é usada para denotar os homens e as mulheres que nós encontramos diariamente no mundo como seres físicos, tendo maior ou menor inteligência ou habilidade mental para guiá-los através da vida. Tal definição de homem, contudo (como o tema desse artigo indica), não é suficiente para o nosso propósito. Ela é demasiado estreita. É apenas uma definição parcial. Ela define apenas o homem físico e visível à nossa visão comum, enquanto que há uma parte da natureza do homem que é não física e é (para a maioria de nós) invisível, e que sobrevive à morte e à desintegração do corpo físico. Ou seja, há uma parte do homem que é de uma natureza espiritual e, para o nosso propósito, o homem precisa ser visto não apenas como um ser físico, mas também como um ser espiritual; e, dos dois, o espiritual é de longe o mais importante, porque o homem físico é apenas o homem passageiro, enquanto que o homem espiritual sobrevive à morte do corpo físico e tem dentro de si a potencialidade da vida eterna. Digo “potencialidade” porque isso depende do próprio homem, se ele escolherá ou não a vida de preferência à morte como sua meta. “A alma que peca, morrerá”. E é somente quando um homem “se afastar de suas perversidades e fizer aquilo que está de acordo com a lei e é correto”, que “ele salvará sua alma para a vida”. 

 

            Há um caminho ascendente que conduz à vida, e há um caminho descendente que conduz à morte. O primeiro desses dois caminhos está referido no Livro de Jó, onde lemos: –

 

                        “Há um caminho que nenhuma ave de rapina conheceu,

                        E que os olhos do falcão não podem ver;

                        As feras altivas não o pisaram,

                        Nem por ele passou o feroz leão”. [ 28:7-8] 

 

            O homem é quádruplo por constituição, isto é, ele possui quatros distintas naturezas ou planos de ser, dos quais dois são externos e inferiores, e dois internos e superiores. Os dois externos e inferiores são aqueles do Corpo e da Mente, e aqueles internos e superiores são os da Alma e do Espírito – a Alma sendo o Ego: o verdadeiro homem, o “homem interno”. A questão que devemos considerar é: – qual é o correto e devido alimento para um tal ser como o homem, com sua natureza quádrupla, durante sua vida na terra? Devemos ter em mente que cada estado de nossa consciência requer seu respectivo veículo apropriado, seu respectivo mundo ou corpo no qual e através do qual deve funcionar, e quanto mais elevada e mais espiritual a vida, mais elevado e mais refinado deve ser o corpo no qual e através do qual aquela vida deve manifestar a si própria. Há apenas uma substância na criação, a qual se torna diferenciada em vários planos, e o homem é uma Alma viva dotada de corpos nos quais e através dos quais deve funcionar em cada um desses vários planos.

 

            Alimentos que somente podem ser obtidos por meio de más ações não estão de acordo com a lei e, assim sendo, devem ser abandonados por aqueles que irão levar uma vida moral, a qual deve ser vivida por todos os aspirantes à consciência mais elevada que chamamos de espiritualidade. Além desses há os alimentos que, embora possam não estar em desacordo com a lei, são causa de repulsa para certas pessoas. Onde quer que tal sentimento de repulsa exista, aquele alimento deveria ser evitado por aquela pessoa.

 

            A importância da questão do alimento está acima de qualquer dúvida, como irei demonstrar. Em seu livro When the Sun Moves Northward (Quando o Sol se Move para o Norte), Mabel Collins nos diz: “Cada gota de sangue no corpo de um homem pode ser transformada em sua natureza e pode tornar-se parte de seu ser espiritual; e essa transformação e transmutação é requerida (...) a partir do ser natural o ser espiritual deve se erguer, plenamente equipado, e aperfeiçoado em sua forma”. O sangue do corpo físico é assim requerido para suprir o material para a construção de um corpo mais elevado (espiritual), e o alimento ingerido, que supre o material para a construção, deve ser adequado para tal operação. O sangue é o portador de nutrientes para todas as partes do corpo, e a condição do sangue, sua característica e composição, dependem da natureza do alimento que lhe foi oferecido. Também há que ser considerado o poder da mente sobre o corpo. Nossos corpos (e sangue) são afetados por nossos pensamentos e, portanto, é da maior importância que esses pensamentos sejam pensamentos corretos. Uma mente materialista é uma maldição para seu possuidor. Ela é o maior inimigo do progresso humano. Nos Salmos lemos que “a saúde está longe dos perversos”, e que “viver em harmonia com a vontade de Deus é viver em uníssono com o Supremo Espírito e com toda a saúde e vida”. Não apenas são nossos corpos (e sangue) afetados por nossos pensamentos. Nossas mentes são afetadas pelo estado e condição de nosso sangue. Isso é um fato que não devemos perder de vista. O homem é responsável pelo tipo de corpo que ele constrói para si mesmo, assim como por sua condição; e suas atividades mentais inferiores não devem ser permitidas a terem um tal domínio sobre ele de modo que se tornem seu carcereiro e transformem seu corpo numa prisão. O homem deve ser o senhor de sua casa. Todos nós somos mestres construtores no sentido de que estamos construindo corpos para nós mesmos, e precisamos aprender a construir tais corpos de modo que sirvam a um propósito elevado. “O homem”, diz Mabel Collins, em seu livro antes referido, “pode reconstruir sua natureza física, e criar sua natureza divina a partir dessa, somente quando ele souber que nem ela, nem o poder que a anima dentro dela são seus próprios, ou mesmo são ele próprio. Quando ele sabe isso, ele está pronto para construir seu corpo novamente, e a partir de seu interior uma forma espiritual merecedora de imortalidade”. Um dos grandes objetivos de nossa encarnação é construir um corpo mais elevado e espiritual para nós mesmos, sempre tendo em mente que “Se o senhor não constrói a casa, em vão labutam os seus construtores”. [Salmos 127:1] 

 

            Com relação ao alimento, o Sr. Carrington, o bem conhecido especialista em alimentos, diz: “Estudei criteriosamente os vários tipos de alimento, e, por meio de cuidadosa análise, mostrei que todas as carnes são prejudiciais ao corpo, pela razão de que elas não são adequadas para ele, em virtude de sua estrutura anatômica, e, mais ainda, pelos fatos comprovados pela experiência e pela higiene, os quais claramente indicam que se o homem come carne, ele sofre em consequência”. Em sua opinião, os alimentos que melhor se adaptam ao organismo do homem são as frutas e as castanhas, comidos sem ser cozidos em sua forma primitiva original. Ele diz que “uma dieta desse tipo, tem um tremendo efeito sobre a vida mental e moral, não menor do que sobre a vida física”. Outros alimentos não cárneos são, é claro, permitidos. O Sr. Carrington diz: “O alimento tem apenas um função – substituir tecidos danificados. Ele não fornece calor ou energia para o corpo, em momento algum, ou sob quaisquer circunstâncias. Tanto o calor quanto a energia são devidos a outra fonte inteiramente, e não ao alimento ingerido”. É em resposta aos requerimentos do crescimento espiritual que as formas evoluem dos estados mais baixos para os mais elevados, e nossos corpos, por agora, são as indicações externas de nosso caráter. “Ninguém”, já foi dito, “pode habitar um corpo mais eficiente do que ele é capaz de construir”. Somos os construtores de nossos corpos, os quais devem servir como veículos de nossa expressão, e se nossa expressão for aquela do Espírito Divino dentro de nós, as palavras do hino Adeste Fideles, que é cantado no Natal em honra da encarnação do “Príncipe da Paz”, se tornarão evidentes –

 

                        Patris aeterni

                        Verbum caro factum.

                        (Do eterno Pai

                        O Verbo se fez carne.)

 

            A “Veste Nupcial” das Escrituras é o Corpo Etérico ou Espiritual que o homem constrói para si mesmo. Ele de fato é, verdadeiramente, o “Tabernáculo ou Casa de Deus”. Ele tem sido chamado de “Templo Sagrado”, de “Corpo de Luz” e de “Manto de Glória”. São Tomás A. Kempis, em seu bem conhecido hino, “Salém Celestial, Morada da Luz”, diz:

 

                        Oh, quão glorioso e resplandecente,

                                   Tu serás, frágil corpo,

                        Quando adornado com tamanha beleza

                                   Pleno de saúde, e forte, e livre,

                        Pleno de vigor, pleno de prazer

                                   Que durará eternamente!

 

            Isso, então, é a chave para o significado do texto: “O Tabernáculo de Deus está com o Homem”; e para a efetivação de tal transformação e transmutação como está referido acima, uma dieta pura e sem sangue conjugada com reto pensamento é requerida. Então, cumpre a todos nós limpar nossa corrente sanguínea da impureza. Não nos é permitido viver como vampiros da carne e sangue vital de nossos irmãos menores, e isso para o nosso próprio bem e sem levar em conta a injustiça e crueldade desse modo ocasionada nas vítimas, porque é contra a lei de nossa natureza superior, a afronta à qual deve retardar nossa evolução e trazer para nós terríveis conseqüências. Pudessem todos os que se alimentam de carne serem levados a compreender isso, que enquanto “Os Leões” – isto é, aqueles que se alimentam como feras pedradoras – “ficam carentes e sofrem de fome” – porque somente sua natureza externa e inferior é alimentada – “aqueles que buscam o Senhor, ou o Espírito Divino dentro deles, e, portanto, em sua alimentação como em outras questões “buscam a paz e a promovem”, “não sentirão falta de qualquer coisa que seja boa”. Como promotores da paz eles estão incluídos entre os “Abençoados”, e em todos os planos do seu ser eles não terão falta de nada. Em nosso corpo físico externo, através dos sentidos corpóreos, nós entramos em contato e recebemos impressões do mundo físico externo, o corpo externo sendo meramente um instrumento para tal propósito. Em nosso corpo mental nós encontramos a sede de nossos desejos e objetivos mundanos e também uma abertura para os estados mais elevados de consciência, se nós assim o quisermos. Esses estados mais elevados de consciência têm sua sede na alma. É a alma que é a sede de nossos instintos divinos e do desabrochar espiritual, e se a alma irá recuperar sua condição espiritual, ela não deve ser submetida e manter-se focada no inferior pela nossa consciência mental exterior – isto é, a consciência do homem do mundo por mais astuto que ele possa ser. A alma, se ela irá perdurar, deve viver em unidade com o Espírito Divino – o Deus interno – e obedecer Sua Vontade; e, para isso, se requer dela que seja pura. Os puros de coração são os puros de alma, e tão somente eles podem alcançar o discernimento espiritual. Purificação significa purificação da alma da materialidade. É o meio pelo qual o homem transmuta a si mesmo do plano material para o espiritual. Não é o mesmo que a regeneração, embora seja um passo necessário em direção a ela. Regeneração é transmutação para o espírito – isso é Redenção, o transformar a “Água” em “Vinho”. A necessidade da purificação se estende da alma em direção ao inferior até a parte mais externa de nosso ser. Toda a nossa vida deve estar polarizadas em direção ao nosso centro divino e mais interno – o Espírito. Essa purificação requer abstenção de alimentação de carnes sob qualquer forma. Purificação e cessação de más ações são os primeiros passos em direção à vida superior. A mente e os sentidos devem ser subjugados. Deve haver disciplina tanto da mente quanto do corpo.

 

            Em uma de suas palestras sobre Ioga, The Building of the Kosmos (A Construção do Cosmos, p.102), a falecida Dra. Annie Besant diz: “Vocês encontrarão certos tipos de alimentos que são proibidos para aqueles que levam uma vida espiritual. O alimento deve estar correlacionado com o propósito para o qual se está vivendo. Não há nenhuma regra que possa ser estabelecida para todos. Há regras que são diferentes de acordo com os propósitos para os quais se esteja vivendo e querendo realizá-los. De acordo com aquilo que é o desejo de sua vida realizar, assim deve ser o alimento que você toma para nutrir, para manter, a vida do corpo. Por essa razão, quando ser um brâmane significava ser um homem que tinha feito progresso na vida espiritual e que desejava avançar rapidamente e ir mais longe nessa estrada, as regras acerca do que ele podia e não podia fazer eram muito estritas; e então ele era ensinado a comer aquelas coisas que possuem qualidade Sátvica, porque ele não queria trazer para dentro do corpo, que ele estava se esforçando para purificar, quaisquer alimentos que tivessem qualidades Rajásicas ou Tamásicas, os quais iriam puxá-lo para baixo, ao invés de elevá-lo”.

 

            O escritor de um artigo sobre “Purificação – o Caminho do Escape” (que assina como “Ion”, no The Occult Journal de novembro de 1926, quando tratando desse requisito, lembra seus leitores que “a principal razão para a abstenção da carne deve sempre ser uma razão ‘humana’, a qual quando claramente compreendida, e não meramente uma questão de sentimentalismo, significa a responsabilidade moral do homem em relação às formas inferiores de vida, e o encarar do fato de que o homem um dia terá de responder a Deus por seu tratamento a tudo e a todos em uma condição inferior de compreensão do que ele mesmo”. E, ele assinala: “se o homem tiver que receber tão pouca compaixão do Divino como ele oferece para aqueles sob seu poder, seu futuro será de fato sombrio; e de qualquer modo o seu despertar para uma verdadeira percepção do que tem sido seu tratamento para com o reino animal – e ainda é – visto desde o ponto de vista Divino, será uma experiência dolorosa e humilhante para ele. Não obstante, é uma percepção que inevitavelmente terá que acontecer, e a reparação no devido tempo terá que ser feita pelo homem em relação a todas as formas de vida que sofreram por causa dele”. Eu lembraria a vocês das palavras de Edward Maitland que disse: “Aquele que faz da existência um inferno para os outros, prepara, inevitavelmente, um inferno para si mesmo, no qual ele será seu próprio demônio, aquele que infligirá seus próprios tormentos”. No Espírito interno deve ser encontrada a Vontade de Deus ou a Lei Divina, a qual é tornada conhecida para a alma pura. Todos os degraus da escada para a perfeição estão dentro do homem. Toda a verdade deve ser encontrada no interior. Vocês irão lembrar as palavras de Browning sobre esse tema, que, na obra Paracelsus, diz:

 

                        “Conhecer, consiste muito mais em abrir uma senda

                        Por onde o esplendor aprisionado possa escapar,

                        Do que em providenciar entrada para a luz

                        Que se supõe estar fora”. 

 

            É importante ter em mente esses fatos relacionados com a natureza do homem e com a necessidade de purificação, pois de sua verdade depende a maior parte do que tenho a dizer a respeito do alimento.

 

            O corpo físico é a capa mais externa do homem. Ele tem sido chamado de seu “invólucro de alimento”. Ele é construído a partir do alimento que ele come. Daí a importância atribuída ao tipo de material usado na construção dessa mais externa vestimenta formada de alimento, a qual, como tem sido dito, “vem à existência por meio do alimento, vive pelo alimento, e perece sem o alimento”. Todos os corpos, vestimentas ou capas da alma, a qual é o verdadeiro ser, ao longo do percurso da evolução do homem devem ser renunciados, porque eles constituem aquele homem externo, o qual apresenta os obstáculos que no processo evolutivo precisam ser superados. O cérebro, que é o órgão da mente, deve ser usado como um instrumento do homem, como um trabalhador usaria uma ferramenta. Ele não é o homem. É apenas um instrumento temporário, e o veículo para as ações do homem que nele habita, pelas quais tão somente ele é responsável – responsável porque ele, o homem que ali habita, possui livre arbítrio. Ele é livre para fazer certo ou errado, e cabe a ele cuidar que seu corpo mental tanto quanto seu corpo físico sejam subservientes aos seus requerimentos como um ser espiritual. O Sr. J. N. Pryse, em seu livro The Retored New Testament (O Novo Testamento Restaurado), referindo-se ao fato de que o corpo é o Adytum (local mais sagrado, ou interno, do santuário) de Deus, diz: “os elementos que o compõem tornaram-se tão contaminados durante as longas idades da evolução material, que a alma é desse modo inclinada e instigada para o mal”; e, “essa condição foi produzida em razão da alma ter se tornado subserviente à força mental inferior”. Cabe à alma reverter esse mal, o qual para ela constitui o que tem sido chamado de “a Queda”. A falecida Anna Kingsford referiu-se a tal subserviência como “a maldição de Eva” – Eva, nesse contexto, representa a Alma. Todo o homem externo, ou natureza Adâmica – o homem da terra – deve ser feito subserviente ao homem espiritual interno antes que as condições injustas, cruéis e maléficas da vida que hoje prevalecem no mundo em que vivemos, possam ser superadas – condições que para o homem são duras e, para os animais, converteram algumas partes do mundo em verdadeiros infernos, tanto assim que os budistas chamam os países cristãos de “o inferno dos animais”. E seria isso surpreendente? Sabemos que os missionários enviados para a Índia por algumas Sociedades Evangélicas Protestantes para “converter os pagãos”, de fato requeriam de seus “convertidos”, os quais, até então, não haviam de tal modo contaminado a si mesmos, a provarem sua conversão ao Cristianismo comendo carne de porco! “Por seus frutos os conhecereis”. Há ainda razão para Cristo verter lágrimas sobre “Jerusalém”, e ainda há necessidade para seu oportuno alerta: “Tomem cuidado com os falsos instrutores que vêm em peles de cordeiro”.

 

            Com relação a essas condições maléficas, na verdade acredito que o hábito de comer carne seja a causa primária e, sendo assim, enquanto o homem estiver sofrendo sob elas, são males que, sendo produzidos por ele mesmo, são merecidos. Novamente me reporto aos Salmos, os quais contém tanto de verdade e sabedoria, e lhes relembro das palavras: “sua perversidade recairá sobre seu próprio destino”. E assim é. Matar – um ato pelo qual todos os que se alimentam de carne são responsáveis – é a causa da maioria dos males no mundo. O que significaria se a espécie humana adotasse e vivesse sob o princípio de não matar? Mabel Collins em seu livro Our Glorious Future (Nosso Futuro Glorioso), falando dos cinco grandes e essenciais votos no sistema de Ioga de Patãnjali, diz que o primeiro desses votos, que é não matar, é “o mais importante de todos”, e ela chama a atenção para as palavras do grande hindu – Dividi – autor de comentários sobre obras sagradas, que diz que “obviamente isso implica abstinência de alimentos de carne de animais ... não matar ou perfeita e universal compaixão é a única coisa fortemente prescrita e aceita – isso significa nada menos que perfeito amor”. Esse voto não é para ser tomado em um sentido limitado ou restrito. Ele não está limitado por circunstâncias de classe, local ou tempo. Muitas criaturas sencientes vivem nessa terra junto com o homem, e ele tem domínio sobre elas, e se ele agisse retamente em relação a elas, elas seriam todas amigáveis e amorosas e o serviriam como a um irmão mais velho. Nunca foi decretado por Deus, nem se pretendeu que o homem devesse matá-las e devorá-las. Tanto para o homem quanto para os animais as verdes ervas foram dadas como alimento. O alimento de todo o reino animal da criação deveria vir da terra; “Ele produziu grama para o gado e erva para o serviço do homem; a fim de que ele possa extrair alimento da terra”.

 

            Todo conhecimento está aberto ao homem, e em sua mais elevada condição – a qual implica absoluto amor e compaixão – traz consigo o serviço amigável de todas as criaturas cujos poderes ele deseja usar. Em seu livro The Transparent Jewel (A Jóia Transparente) Mabel Collins diz: “não matar não é um estado negativo que significa meramente renunciar ao ato maléfico de tirar a vida, é um estado positivo, um estado de infinita compaixão e amor universal”. Cabe ao homem reformar a si mesmo segundo as linhas que indiquei, se ele deseja que condições maléficas e sub-humanas de vida deixem de existir. O homem que não está preparado para auxiliar aos animais em sua evolução não atingiu plenamente a condição humana, muito menos a condição espiritual ou divina.

 

            O efeito maléfico do derramamento de sangue, que é parte do alimentar-se de carne, é muito maior e mais extenso do que geralmente é reconhecido. Não apenas é o ar que respiramos contaminado em detrimento de nossa saúde física, mas a própria atmosfera psíquica da terra na qual vivemos é afetada em prejuízo de nossas condições mentais e espirituais. Quando, no mês de dezembro de 1880, Anna Kingsford e Edward Maitland estavam considerando proferir suas Palestras sobre Cristianismo Esotérico – que posteriormente foram publicadas sob o título de The Perfect Way (O Caminho Perfeito) – nada de maior importância poderia ser feito por eles antes da primavera do ano seguinte. E qual a razão? Era porque as correntes magnéticas da terra estavam naquele momento “densas com o derramamento de sangue para as festas de Natal e Fim de Ano” – estando, então, próximos do Natal, quando a terra estava como uma imensa sepultura, o magnetismo requerido para a comunicação espiritual estava obstaculizado; e, quando chegou o tempo para proferir suas Palestras, eles foram proibidos de falar sobre os Grandes Mistérios para aqueles que se alimentavam de carne e eram derramadores de sangue. A esse respeito, vocês lembrarão como Cristo proibiu seus discípulos de dar as pérolas de seu divino ensinamento para aqueles que, devido ao seu modo vil de viver, ele comparou aos suínos, pois eles iriam se voltar contra eles e os atacar violentamente. Aqueles que se alimentam de carne costumam olhar com desdém para os açougueiros devido à sua horrível e degradante ocupação, porém aquele que se alimenta de carne é para quem o açougueiro trabalha, e, em conseqüência, ele é tão culpado e tão transgressor da lei divina quanto o instrumento que ele emprega para tal propósito.

 

            Eu disse que a alma é a morada de nossa consciência divina ou espiritual, a qual é a fonte de toda a verdade. Ela é o Vaso Espiritual do homem, e a Morada da Sabedoria. Quando pura ela é seu iniciador nas coisas divinas, mas se ela perde sua pureza – o que ocorre quando dá as costas para as coisas espirituais e se inclina para as coisas dos sentidos e do viver mais denso – o homem terá sua queda. Edward Maitland diz: “É através da alma, e tão somente da alma, que o homem aprende a Vontade Divina, e, ao aprendê-la, salva a si mesmo. E a clareza com a qual a alma, de sua parte, discerne e transmite aquela Vontade depende de sua pureza”. Em sua pureza, ela é o receptáculo do Núcleo Divino. “A Alma”, diz Anna Kingsford, “é nascida no seio da matéria, e dentro dela é concebido o elemento individual Divino que, embora distinto de Deus, é ainda Deus e homem”. O homem é uma parte da natureza, cujos mistérios são revelados a ele pelo seu princípio divino interior. Em seu livro Man, the Grand Symbol of the Mysteries (Homem, o Grande Símbolo dos Mistérios), Manly P. Hall diz: “O Zohar adverte o sábio a não olhar para o homem como uma criatura de carne, pele, ossos e veias, mas como uma alma viva cuja verdadeira constituição é espiritual e não física. Pele, carne, ossos e veias são apenas uma vestimenta, um manto que é usado durante o período da existência física e que é descartado na morte”.

 

            Alguns de vocês, certamente, ouviram falar de Shri Meher Baba, que andou pelo nosso país. Ele nasceu há uns quarenta anos atrás em uma família de origem persa na Índia; e por nascimento pertencia à religião Parsi (Zoroastrianismo), embora ele agora não pertença a nenhuma religião em particular. Ele diz que pertence a todas as religiões com o “Amor como seu principal fundamento”. Ele afirma que veio ao mundo não tanto para ensinar, mas mais para despertar a espécie humana, uma vez que é visto por muitos como um grande santo e instrutor espiritual. Por um período de oito anos ele observou um voto de silêncio; e eu soube que é sua intenção, em breve, passar uma mensagem ao mundo. Em um pequeno livro, Questions and Answers (Perguntas e Respostas), escrito para expor seu ensinamento, em resposta à questão “Como nós podemos superar ou escapar de nosso ‘Ego’?” (a palavra ‘Ego’ aqui significando não a alma, mas nossa personalidade externa e inferior), ele respondeu: “O mais elevado estado de consciência está latente em todos. O Filho de Deus está em todos os homens; mas ele precisa ser manifestado. O melhor e o mais fácil caminho de superação do ‘Ego’, e de alcançar a consciência Divina ou de Cristo, é purificar e aprofundar nosso amor, e ampliar continuamente o círculo daqueles que amamos, e prestar serviço altruísta à humanidade em quaisquer circunstâncias em que estejamos. Todas as práticas éticas e religiosas no final conduzem a isso. Nossos desejos animais são gradualmente sublimados se vivemos mais para os outros e menos para nós mesmos. Lentamente nosso grosseiro sentimento de ‘Ego’ é transmutado”. Com uma religião assim, não é de surpreender que Shri Meher Baba encorage o vegetarianismo. Pelo que sei, ele aconselha os alimentos vegetais por razões espirituais e também por razões de saúde. De acordo com seu ensinamento, conforme exposto no livro acima mencionado, “O alimento animal estimula a excitação, a luxúria, as paixões e os desejos maléficos, que são todos prejudiciais ao progresso espiritual. Alimentos vegetais ajudam a pessoa manter seus sentimentos, emoções e desejos equilibrados e normais, e daí são um auxílio para o aspirante no caminho espiritual. Também melhoram a saúde, auxiliam a digestão, e estão livres de certos venenos contidos nos alimentos de animais”.

 

            Edward Maitland, que também era um grande instrutor, insistia que a fim de obter conhecimento interior ou espiritual “os homens devem direcionar suas mentes vigorosa e reverentemente para a região de sua consciência espiritual dentro deles, enquanto levam uma vida que esteja em sintonia com tal elevado pensamento”. O crescimento espiritual é o fruto da auto-conquista. Tem sido dito, verdadeiramente, que o homem que conquista a si mesmo é maior que aquele que conquista uma nação. Ele é o maior dos conquistadores. Quando falava de seu método e de Anna Kingsford para produzirem o seu trabalho conjunto, Edward Maitland disse que ele consistia na “vigorosa projeção do ponto perceptivo de suas mentes para o interior e para o alto ... seguindo ao mesmo tempo o modo de vida que sempre foi tido como essencial para tal introvisão, no qual uma condição indispensável é a renúncia da carne como alimento”. Tal abstenção era praticada por eles não apenas como um meio para um fim, mas como uma parte, ou algo ligado à sua religião; pois, quando Anna Kingsford escreveu para Madame Blavatsky, chamando sua atenção para a publicação de The Perfect Way (O Caminho Perfeito), e informando-a acerca de seu modo de vida, ela disse: “por doze anos tenho me abstido de todas as carnes, e tenho desejado, até onde é possível para mim, cumprir a Vontade Divina”. A alma do homem é, de fato, o órgão do Conhecimento Espiritual Divino e da Iluminação Divina, mas isso é acessível e realizável somente por aqueles que vivem a vida requerida. “Ninguém”, diz Max Heindel, em seu livro The Rosicrucian Mysteries (Os Mistérios Rosacruzes), “pode realizar suas mais elevadas possibilidades enquanto que faz de seu estômago um cemitério para os cadáveres em decomposição de animais mutilados”. Em um recente artigo no The Occult Journal, aquele profundo pensador, Dr. Purucher, o autor de Fundamentals of Esoteric Philosophy (Fundamentos de Filosofia Esotérica), falando acerca da “sabedoria que nos vem do alto”, disse: “é a sabedoria da devoção impessoal, é um amor por seus semelhantes, é um amor, na verdade, que não conhece limites, amor que engloba em seu todo abarcante alcance não apenas a espécie humana mas os animais e as plantas e as rochas, sim, que alcança até as estrelas do céu”. Essas são as palavras de um homem com mentalidade espiritual, e aqueles que nelas crêem não irão matar para comer a carne e beber o sangue de criaturas altamente sensitivas, que deveriam poder olhar para eles com simpatia e ter deles auxílio em seu percurso ascendente, mas que por muitos daqueles que os comem são vistos como tendo sido expressamente criados por Deus para seu alimento e exploração.
 

            Algum tempo atrás, um bispo bem conhecido enviou para o Express (15 de setembro de 1925), uma carta na qual, falando como o principal pastor de seu rebanho – de almas não de ovelhas – ele disse: “nós não somos necessariamente depravados porque comemos pedaços de carneiro”. Nesse sentido ele é, sem dúvida, um verdadeiro expoente não da Religião Cristã, mas das doutrinas da Igreja na qual ele detém tal elevada posição e responsabilidade, pois em um bem conhecido livro de hinos, compilado para o uso nos serviços da Igreja Anglicana, eu recentemente me deparei com o seguinte:

 

                        “Deus ordenou que as águas sustentassem

                        O peixe nas ondas, e o pássaro em suas asas,

                        Cada qual como alimentos de nossos corpos mortais

                        Que Suas graciosas mãos prepararam.”

 

            A Igreja Católica Romana, ao mesmo tempo que requer que seus membros todas as sextas-feiras se abstenham de carne, se o dia do Natal cair em uma sexta-feira, permite que eles naquele dia celebrem o nascimento do “Principe da Paz”, com um retorno aos seus pratos de carne, e, na Páscoa aquela igreja vai ao ponto de prover uma fórmula especial para a benção do cordeiro, a carne do qual será comida pelos fiéis, “para a honra e glória de Deus”. Os não conformistas não estão em melhor posição. Os ministros da Igreja Wesleyana abertamente repudiam os princípios vegetarianos que foram ensinados pelo pio fundador da sua Igreja, sendo que ele mesmo era um vegetariano. O que podemos dizer daqueles que permitem que pobres versos tais como acima citei sejam cantados em suas igrejas? A anomalia, se não hipocrisia, disso tudo é que alguns daqueles que vêem ou dizem ver os animais como o seu alimento ordenado por Deus, não hesitam em co-participar de hinos – que são encontrados nos mesmos hinários, como aqueles dos quais os versos acima citados foram tirados – que na verdade conclamam suas vítimas, os pássaros e os animais terrestres, a dar graças a Deus por tê-los criado! Assim eles cantam:

 

                        “Primeiro que os pássaros, com alegres plumagens coloridas,

                        Exaltem o seu grande criador, e cantem – Aleluia!

                        Então que os animais da terra, com diferentes tons,

                        Juntem-se no hino da criação, e também alto cantem – Aleluia!”

 

            Devemos tratar nossos irmãos menores de forma a fazer com que hinos tais como o Benedicite, Omnia Opera, não sejam uma zombaria, mas uma real possibilidade. Na ciência divina não há lugar para pastores que não vêem nenhum mal em comer as ovelhas; nem lugar para aqueles que matam, ou promovem, ou sancionam a matança de animais inocentes exceto em caso de necessidade – o que, em condições normais nesse país, não inclui o alimento. Desde a introdução dos Festivais da Colheita – que são excelentes devido às suas implicações – nós temos testemunhado a dessacralização das igrejas sob a sanção da ortodoxia sacerdotal. Nessas ocasiões, uma igreja em particular é “decorada” – conforme os jornais o tem descrito – com peixes mortos representando a “colheita dos mares e dos rios”, e, pior do que isso, tem-se encontrado lugar para no pórtico da igreja exibir a carcaça de um cordeiro inglês – e isso no Festival da Colheita! As boas intenções dos doadores de tais artigos podem ser reconhecidas, mas, enfaticamente, sacrifícios de sangue não tem lugar na religião cristã, e não deveriam ser permitidos por aqueles que ocupam posições de autoridade em qualquer igreja cristã. É uma degradação, cuja responsabilidade recai sobre aqueles que assim o permitem. Se nós nos voltarmos novamente para os Salmos, nós podemos ler que: “O Senhor abomina tanto o homem que tem sede de sangue quanto o enganador”, porque “suas partes internas são a própria perversidade”, e é dito que sua garganta é como um “sepulcro aberto”. Que melhor descrição de um comedor de carne do que esta poderá ser encontrada? E aqueles homens sedentos por sangue são condenados. Deus é invocado para “expulsá-los em face da multidão de suas perversidades”, porque eles se rebelaram contra Ele! O significado disso, é claro, é que nós devemos expulsar de nós mesmos o homem perverso e sedento por sangue, e em nós mesmos oferecer sacrifícios a Deus, o “sacrifício da retidão”, o qual nos é pedido, como sendo o único sacrifício que é requerido de nós por Deus. “O sacrifício oferecido pelo perverso é abominação” (Provérbios XXI, 27). Eu penso que foi Edward Maitland quem disse: “O sacrifício do homem pelo pecado consiste em sua renúncia da natureza inferior, a qual opera como um véu para ocultar dele o seu verdadeiro ser”. Com tal sacrifício, o Senhor fica bem satisfeito.

 

            Nós devemos prover as condições que irão melhor permitir que o Princípio Divino dentro de nós seja manifestado. Falhar nisso é falhar na vida. Existe a possibilidade de perdemos de vista o degrau da escada – aquela Escada de Ouro – que conduz à vida, e pisarmos em um degrau de uma escada construída por nós mesmos que conduza à morte. O caminho do comedor de carne não é “a senda da paz”, que é a senda que conduz à vida. Esse é um caminho novo, construído por nós mesmos, e não um caminho Divino de manifestação. É um caminho maléfico. As duas sendas são diferentes e conduzem a diferentes lugares. Todos os caminhos de Sabedoria são de paz. Em um artigo de “Ion”, ao qual já me referi, o escritor diz: “a maior coisa que qualquer homem ou mulher pode fazer para servir à raça durante os dias críticos que se seguirão, é corporificar em sua própria vida aqueles princípios e atributos que unidos podem ser resumidos na palavra Retidão”.

 

            Há um sentido no qual toda a criação é viva, porque tudo é sustentado pela Vida Divina Una, a quem nós chamamos Deus; e a questão que se coloca para nós é “Onde em um Universo vivo está a linha que separa o matar ou tirar a vida para prover o alimento?” A resposta é: não é permissível para o homem matar ou comer qualquer “coisa morta que tenha olhado com olhos vivos sob a luz do Céu”, pois, como foi dito “o olho é o símbolo da fraternidade e não está de acordo com a lei para o homem tirar a vida de seu irmão para alimentar com essa a sua própria vida”. Se, através da vida, nós mantivermos em mente esse grande teste da fraternidade, as palavras “mesmo o menor de meus irmãos”, terá um significado mais profundo e mais amplo para nós do que seria o caso de outro modo; pois essa fraternidade reconhece uma ligação de parentesco desconhecida, ou não percebida, por aqueles que vivem a vida como “leões” – “na medida em que fizerdes isso mesmo ao menor dos meus irmãos, para mim o fareis”. Anna Kingsford e Edward Maitland foram ensinados que com exceção do caso de animais maléficos – que podem ser mortos “em nome do Senhor” – “estarão miseravelmente enganados aqueles que esperam a vida eterna, e não afastam suas mãos do sangue e da morte”. A eles foi dito: “não comam coisas mortas” e “não bebam bebidas fermentadas”, e a “tornarem elementos vivos todos os elementos de seus corpos”, e a “tomarem os seus alimentos plenos de vida e não permitirem que a morte passe sobre eles”. O conhecimento mais elevado, tal como o que eles buscavam, está reservado para aqueles que preencheram às condições necessárias para a iniciação correspondente, e dessas condições “a primeira é uma completa renúncia de uma dieta de carne”, a razão disso sendo quádrupla – espiritual, moral, intelectual e física – de acordo com a quádrupla constituição do homem. “Essa condição é imperativa. O homem não pode receber, nem irão os Poderes Divinos transmitir os Mistérios do Reino do Céu sob outras condições”.

 

            Em um artigo de Henry Carrington com o título de “O Lado Oculto da Dieta”, publicado na The Occult Review de maio de 1931 ele diz: “o alimento e a mentalidade estão indubitavelmente conectados por meio de muitos elos sutis. Nós sabemos que a mente é de algum modo dependente do cérebro nessa vida; e um cérebro saudável e claro depende da natureza do sangue que lhe é oferecido, e que, toxinas na corrente sanguínea irão envenenar as células nervosas e resultar em perturbação mental temporária. O alimento contaminado é um dos maiores destruidores da humanidade. O sangue é constituído com base no alimento. Se matéria orgânica em decomposição pode envenenar o sangue, ela também pode envenenar o tecido nervoso”. Os animais (incluindo o homem) podem assimilar somente substâncias orgânicas, não elementos inorgânicos. Os animais devem, portanto, subsistir de frutas, grãos, nozes e vegetais ou da carne de outros animais. As plantas convertem os elementos inorgânicos em substâncias orgânicas. O reino animal (incluindo o homem) desse modo depende do reino vegetal para seu suprimento de alimento vital, e não é reto ou de acordo com a lei para o homem tomar o seu alimento indiretamente ao comer a carne de outros membros do mesmo reino ao qual ele mesmo pertence. É uma negação da fraternidade à qual já me referi. Nenhum homem pode se auto-sustentar. Em seu livro When the Sun Moves Northward (Quando o Sol se Move para o Norte), ao qual também já me referi, Mabel Collins diz: “aquele que se posiciona sozinho, se posiciona para a queda”. “O amor tem a capacidade de apreciar tudo o que vive, a sofrer com tudo o que vive, a ser responsável para com tudo o que vive” e “aquele que deseja escapar da vida física pode fazer isso tão somente passando pela e através da Escola do Amor. Não há nenhum outro caminho. O amor é o primeiro passo”.

 

            A Dra. Annie Besant, em seu livro The Three Paths of Dharma (As Três Sendas do Dharma), quando tratava da maneira que um homem que deseja desenvolver as qualidades características do amor espiritual deveria alimentar seu corpo, diz: “O homem que deseja que seu corpo possa ser um veículo no qual a alma penetrada pelo Amor Divino possa habitar deve ter um corpo que seja puro, e deve usar discernimento com relação ao alimento. Ele começa por aquele aspecto elementar, e assume que o Bhakta (aspirante devoto) não deve ser uma fonte de sofrimento e tristeza para outros, uma fonte de danos ou malefícios para os animais que estão mais abaixo do que ele na escala da evolução. Ele não deve usar como alimento nada que possua vida senciente, como é o caso de todos os animais. Nenhum devoto ao Amor Divino (Bhakta) deve tocar tal tipo de alimento. Ele não apenas polui o corpo com esses alimentos, mas ele degrada sua alma ao agir com maldade e desamor ao invés de compaixão, com egoísmo ao invés de altruísmo, causando danos aos animais indefesos ao invés de protegê-los, causando o fim da bonita vida de uma criatura inofensiva, para a gratificação egoística de seu próprio paladar – isso é pisotear na própria idéia do amor. Portanto, para começar ele precisa aprender a ter discernimento acerca do alimento. Na seleção do alimento que é necessário para um devoto ao Amor Divino (Bhakta), a magnética lei da pureza deve ser seguida – a pureza que afeta os corpos sutis do homem, que são propensos a serem poluídos pelos contatos externos, e que devem ser mantidos limpos em relação à poluição externa, tanto quanto à poluição que é causada de dentro”.

 

            No mundo físico vemos a manifestação da Lei Divina, e assim como no universo há apenas uma substância, assim em todos os planos há somente uma lei. Então, consideremos a operação dessa lei em relação à enfermidade. O Sr. Reinheimer, que devotou muitos anos de sua vida ao estudo das causas do câncer, diz que em todas as coisas na natureza há um princípio moral em funcionamento. A doença, para ele, não é “nenhum mistério, nenhuma questão de acidentes”, mas é “uma questão de retribuição”. Ele não tem nenhuma simpatia com o que ele chama de “a filosofia do tigre”, de nossa moderna ciência ocidental. Ele acredita na sabedoria do Oriente, a qual ensina a doutrina da “inevitável retribuição (ou consequência) de cada ato, bom ou mau, e sendo operante tanto pára o indivíduo quanto para a comunidade, tanto de forma individual, quanto coletiva”. Em sua opinião a doença é devida às “pesadas infrações e maus atos de nossos corpos”, e à “pesada impureza de alma” da espécie humana. Ele repudia explicitamente o ensinamento daqueles cientistas vitorianos, que ensinam que “a suprema lei da natureza consiste no Canibalismo Universal (‘comer e ser comido’)”.

 

            A doutrina da responsabilidade pessoal, que é a lei moral em funcionamento, está na base não apenas da religião cristã, mas de todas as grandes religiões do mundo. O descaso e a negação dessa lei moral pela ciência moderna, diz o Sr. Reinheimer, tem sido o traço marcante mais sinistro de nossa época, e não pode senão produzir, como de fato tem produzido, os mais sombrios resultados. Ele diz: “O divórcio da medicina em relação à religião e à filosofia não tem sido menos do que um desastre”, e “o problema da saúde é algo no qual religião, moralidade e filosofia estão intimamente envolvidos. Não podemos permanecer satisfeitos com uma biologia não-moral” (The Occult Review, 1932).

 

            Com relação ao modo prevalecente de dieta ele diz: “Não pode haver qualquer dúvida que nossos hábitos carnívoros constituem uma discrepância, e também uma corrupção, biológica e moralmente falando”, e “num sentido fisiológico, nossas células se tornam corrompidas”, pelo que ele quer dizer “indiferentes ou hostis à lei de seus membros”. Isso significa: nossas próprias células assumem o caráter e, por sua vez, se tornam vítimas de nossa própria degeneração, e, em suas palavras, “elas se adaptam ao parasitismo”, do que se segue que “qualquer doença que nos acometa, essa está somente em proporção a alguma transgressão que nós mesmos tenhamos cometido”. Tendo isso em mente, não fiquei surpreso quando recentemente li na resenha de um livro que trata da Natural Cure of Cancer (Cura Natural do Câncer), que o autor, H. M. Shelton, descobriu que “o câncer aumenta tão rapidamente quanto aumenta o consumo de carne”, e que “no câncer, nossas células têm religião apenas suficiente para fazê-las odiar, mas não suficiente para fazê-las amar umas às outras”.

 

            Tendo em mente que a instrução do ignorante é um dos “Trabalhos Espirituais de Compaixão”, “Qual a razão”, vocês perguntarão, “Qual a razão de que a Igreja Cristã tem falhado – como ela tem falhado – em ensinar a verdade a respeito dessas matérias?” É porque a Igreja de nossos dias é a Igreja da Queda. Há muito tempo ela deixou como um corpo de ser a Igreja do Espírito. Anna Kingsford disse: “A religião tem sido degradada por meio da materialização da doutrina espiritual do sacrifício”, e, por essa razão, a responsabilidade recai sobre os sacerdotes. A extensão da doutrina do sacrifício vicário desde o plano sacerdotal para o social e científico, tem feito da cristandade pouco mais do que um vasto matadouro e câmara de tortura. Tenho explicado o ensinamento espiritual a respeito do sacrifício. Como um exemplo do efeito maléfico do ensinamento materialista, tenho referido um belo pequeno livro escrito por uma senhora que preferiu permanecer anônima. Seu título é The Prodigal Returns (O Pródigo Retorna). A autora, estando em estreita comunhão com Deus, escreve como segue: “É tão somente alegria encontrar a Deus? Como pode ser? … Como podem os diários requerimentos da carne serem satisfeitos sem dor – Como sem profunda humilhação e paciência nós podemos descer da contemplação para os deveres da casa? – Como sem dor considerar, com aquela mesma mente que tem tão recentemente estado envolvida em Deus, os vários méritos de pães, massas, e porções de animais mortos com o intuito de que a carne possa viver? Que grande queda é isso! – uma queda que precisa ser suportada diariamente e pacientemente”. A queda aqui referida é, de fato, muito óbvia; mas se a carne de animais mortos não for para nós um alimento ordenado por Deus – como da maneira mais enfática ela não é – não é o pecado do ato que é a razão de tal queda também óbvio? Embora não sendo assim para a autora do livro, a qual aceitou a afirmação dos pastores eclesiásticos que o comer carne não é necessariamente degradante, e dos médicos e outros profissionais que é algo natural; e assim estando contra a sua própria verdadeira intuição, chegou a considerar isso como um doloroso mas inevitável incidente da vida que deve ser “pacientemente” suportado!

 

            Nenhuma verdadeira religião pode estar em defesa da alimentação de carne; pois o que é religião? Edward Maitland diz: “Religião significa nosso senso de relação com o todo, no qual nós reconhecemos a nós mesmos como uma parte; e dever significa nosso senso de relação para com nossas partes-companheiras dentro daquele todo”. Em sentido semelhante, Madame Blavatsky diz: “Religião, em seu significado mais amplo, é aquilo que une não somente todos os homens, mas todos os Seres e todas as coisas no Universo inteiro como um grande todo”. Essas são definições que resultam em “paz na terra”, porque o referido princípio unificador é o amor – o amor estendido para a toda criação – que é o “caminho da paz”. Esse é o “caminho”, ao qual fiz referência, “o qual nenhuma ave de rapina conheceu”. Ele significa harmonia – harmonia com Deus e com sua criação.

 

            O falecido Professor Caird, em suas conferências (Gifford Lectures) sobre “Evolução da Teologia nos Filósofos Gregos”, diz: “Deus é nosso centro, do qual nos separarmos é estar em discórdia com nós mesmos e com todas as coisas; enquanto que estar em comunhão direta com Ele é alcançar perfeita harmonia e paz com nós mesmos e com o Universo”. Henry Myers em um pequeno livro escrito para os pacientes do Hospital St. Thomas, em Londres, diz: “o primeiro passo em direção à perfeita saúde física é ter uma atitude correta para com o Autor de nosso ser, reconhecer a necessidade de viver em harmonia com Ele, por meio do cultivo de um espírito de amor em direção a Ele, e por meio do esforço de que Sua Vontade possa ser feita em nós, e de obedecer Sua Lei de que nós devemos amá-Lo supremamente, e a nossos co-irmãos humanos como a nós mesmos”.

 

            É somente após muitas vidas que nós aprendemos as lições que a vida nos mundos inferiores tem para nos ensinar. Esse é conhecimento adquirido por meio da experiência. Na criação, o caminho da Centelha Divina em nós se dá de dentro para fora e de cima para baixo – o propósito sendo a individuação do Espírito. Na redenção, o processo é invertido, se constituindo na espiritualização do indivíduo. Para o cumprimento do propósito de nossa criação, é necessário que toda nossa vida esteja consagrada ao serviço do mais elevado dentro de nós – isto é, o Homem Espiritual – e o comer e o beber devem ser postos a seu serviço. Somente quando isso é feito, nós comemos e bebemos “para a Glória de Deus”, e então nossas próprias refeições se tornam como sacramentos, e nosso alimento é, literalmente, abençoado por Deus. O homem que age com retidão pode verdadeiramente pedir a Deus para abençoar seu alimento para seu uso; mas não pode fazer desse modo o homem que não age com retidão – pelo que, a esse respeito, eu quero significar o homem que não se alimenta com retidão. Somente aqueles alimentos que tenham sidos produzidos com retidão podem ser ditos como sendo abençoados por Deus. Uma vez eu li que “alimentos não consagrados nutrem somente a forma física”, enquanto “alimentos tomados como um sacramento nutrem também o corpo espiritual” (The Occult Review, setembro de 1928). O alimento do homem que quer alcançar a espiritualidade deve ser de tal natureza que ele possa ser abençoado por Deus.

 

            Eu me referi a Anna Kingsford; e, em conclusão, permitam-me repetir a vocês aquilo que, muitos anos atrás, ela disse a respeito do movimento vegetariano no qual, em seu tempo, ela era uma trabalhadora proeminente, e para a promoção do qual ela devotou tanto de sua vida. Em palavras que jamais deveriam ser esquecidas ela disse: “Considero o movimento vegetariano o mais importante movimento de nossa época. Acredito nisso porque vejo nele o começo da verdadeira civilização. Minha opinião é que até o presente momento não sabemos o que significa civilização. Quando olhamos para os cadáveres dos animais, sejam inteiros ou cortados – que com molhos e condimentos são servidos em nossas mesas – não pensamos no horrível fato que precedeu esses pratos; e, não obstante, é algo terrível saber que cada refeição que fazemos foi ao custo de uma vida. Sustento que devemos à civilização a elevação de toda aquela classe profundamente desmoralizada e barbarizada de pessoas – açougueiros, boiadeiros e todos os outros envolvidos nesse negócio deplorável. Milhares de pessoas são degradadas pela presença de abatedouros em suas vizinhanças, o que condena classes inteiras a uma ocupação aviltante e desumana. Aguardo pelo tempo em que a consumação do movimento vegetariano tenha criado homens perfeitos, pois vejo nesse movimento o alicerce da perfeição. Quando percebo as possibilidades do vegetarianismo e as alturas a que ele pode nos elevar, me sinto convencida de que ele se provará o redentor do mundo”.

 

                                                           Advento, 1933