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Capítulo 8

 

 

Convivendo com HPB na Lamaseria (1876-1878)

 

            Em seu livro Old Diary Leaves, Olcott descreve com detalhes o dia a dia da vida com Madame Blavatsky em Nova Iorque. O apartamento onde moravam era conhecido como “A Lamaseria”. HPB não tinha nem mesmo uma noção rudimentar de como cuidar de uma casa e seus repentes de personalidade atrapalhavam o pobre Olcott e as várias empregadas que para eles trabalharam.

 

“Os hábitos em nossa casa eram os mais simples; não bebíamos vinho ou bebidas alcoólicas, e comíamos apenas uma comida simples. Tínhamos uma empregada que fazia todo o serviço, ou melhor, uma procissão de empregadas que iam e vinham, pois não conseguíamos mantê-las por muito tempo. A moça ia para casa depois de limpar as coisas do jantar, e daí por diante tínhamos que nós mesmos atender a porta. Isso não era nada, o problema mais sério era providenciar chá, com leite e açúcar, para uma sala cheia de convidados, digamos, pela 1:00 da madrugada, quando HPB, com arrogante desdém pelas possibilidades domésticas, pediria uma xícara de chá para si e exclamaria alto: “Vamos tomar um pouco todos nós: o que vocês acham?”

            “De nada adiantava fazer gestos de discordância, pois ela não prestava atenção. Assim, após várias procuras infrutíferas à meia noite por leite e açúcar na vizinhança, acabei com isso e coloquei um aviso que dizia:

“CHÁ”

“Os convidados encontrarão água fervendo e chá na cozinha, talvez leite e açúcar, e devem por gentileza servir-se.”

            “Isso estava tão em sintonia com tom boêmio de todo o estabelecimento que ninguém pensava nada a respeito, e era encantador ver, daí em diante os habitués levantando-se silenciosamente e indo para a cozinha preparar o chá para eles mesmos. Finas senhoras, professores eruditos, artistas famosos e jornalistas, todos jocosamente se tornaram membros do que chamávamos de nosso “Ministério da Cozinha”. (ODL l, 410)

 

 

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Hábitos Alimentares

 

            Ao contrário do que muitos imaginam, Madame Blavatsky não era vegetariana. Seus hábitos alimentares eram pouco saudáveis, comendo carnes gordas e muita gordura. Esses hábitos, aliados a pouco exercício físico e, talvez, a energia gasta como veículo dos Mestres debilitaram sua saúde.

 

“HPB sempre foi, mesmo em sua juventude, uma pessoa roliça e mais tarde tornou-se bastante corpulenta. Isso parece que era uma tendência familiar, porém em seu caso a tendência foi agravada por seu modo de vida, pois ela quase não fazia exercícios e comia muito, a não ser quando estava seriamente doente. Mesmo então, comia grandes porções de carnes gordas e costumava colocar grandes quantidades de manteiga derretida sobre seus ovos fritos no café da manhã. Nunca tocou em vinhos ou bebidas alcoólicas, sendo suas bebidas o chá e o café, preferivelmente esse último. Seu apetite, na época em que a conheci, era extremamente caprichoso e ela era praticamente rebelde a qualquer hora fixa para as refeições e, portanto, um terror para todas as cozinheiras e o desespero de seu colega.

            “Lembro-me de uma ocasião em Filadélfia que mostrou essa peculiaridade de um modo marcante. Ela tinha uma empregada para todo o serviço e, nesse dia em particular, uma perna de carneiro estava fervendo para o jantar. Subitamente, HPB lembrou-se de escrever uma nota para uma senhora amiga que morava do outro lado da cidade, a uma distância de uma hora de viagem dali, uma vez que não haviam bondes ou outros meios de transporte público indo diretamente de uma casa para outra. Ela chamou em tons de trombeta a empregada, e lhe ordenou que fosse imediatamente com a nota e voltasse com a resposta. A pobre moça lhe disse que o jantar ficaria prejudicado e que não seria possível que ela estivesse de volta antes de urna hora depois do horário normal da janta. HPB não lhe deu ouvidos e disse que ela fosse imediatamente.

            “Passados quarenta e cinco minutos, HPB começou a reclamar que a estúpida e idiota garota ainda não havia retornado; que ela estava com fome e queria seu jantar e mandou todos os empregados da Filadélfia ao diabo em masse. Passados mais quinze minutos, ela havia ficado desesperada, e então fomos para a cozinha

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dar uma olhada. Naturalmente, os potes de carne e vegetais estavam guardados, o fogo apagado e a perspectiva de jantar extremamente reduzida. A ira de HPB foi veemente, mas não havia o que fazer a não ser nos virarmos e prepararmos o jantar. Quando a empregada voltou, foi repreendida tão severamente que explodiu em lágrimas e pediu demissão!

“(...) Ela nunca foi uma asceta, nem mesmo uma vegetariana, e enquanto a conheci, a carne era indispensável para sua saúde e conforto, assim como para tantos outros em nossa Sociedade, incluindo a mim mesmo.” (ODL I, 449-451)

 

            Na época em que estava escrevendo Ísis Sem Véu HPB praticamente não deixou o apartamento por cerca de seis meses. Trabalhava de manhã cedo até tarde da noite, não raro dezessete das vinte e quatro horas do dia, apenas deixando sua escrivaninha para fazer as refeições ou ir ao banheiro. Entretanto, seu apetite não diminuiu e ela comia muito. Quando Ísis foi concluída ela havia engordado muito. Nessa ocasião eles já planejavam partir para a Índia e HPB precisava emagrecer para poder viajar. Olcott conta:

 

“... um dia ela saiu com minha irmã e foi se pesar: a balança deu que ela estava com 111,1 kg, e então ela anunciou que pretendia reduzir seu peso para algo apropriado para viajar o que ela fixou em 70,8 kg. Seu método era muito simples; todos os dias, dez minutos após cada refeição lhe traziam um copo cheio de água; então ela punha a palma da mão sobre ele, olhava-o mesmericamente e bebia tudo. Eu me esqueci por quantas semanas ela continuou esse tratamento, mas finalmente ela pediu para minha irmã ir novamente com ela para se pesar. Elas trouxeram e me mostraram o certificado do dono da balança, atestando que o peso de Madame Blavatsky nessa data era 70,8 kg!” (ODL I, 453)

 

 

O Fumo

 

            Um outro hábito que HPB cultivou por muitos anos foi o fumo. Aparentemente ela sempre fumou algum tipo de cigarro que ela mesma preparava e não o comprado pronto. Olcott diz a esse respeito:

 

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“HPB era, todo mundo sabe, uma fumante inveterada. Ela consumia um número imenso de cigarros por dia e para enrolá-los possuía a maior das destrezas. Ela podia até mesmo enrolá-los com a mão esquerda enquanto ela estava “copiando” com a direita.” (ODL I, 452)

 

            Albert Rawson, amigo de Blavatsky por mais de quarenta anos, afirma que HPB também fazia uso de haxixe. Cabe realçar que na época o uso não tinha a mesma conotação que atualmente, e era comum como um instrumento de desenvolvimento psíquico em escolas iniciáticas. Rawson relata:

 

“Ela usou haxixe no Cairo com sucesso, e novamente o utilizou nessa cidade [Nova Iorque] sob meus cuidados e do Dr. Edward Sutton Smith, que tem tido uma larga experiência com drogas entre seus pacientes (...). Ela [HPB] disse: “O haxixe multiplica a vida da pessoa mil vezes. Minhas experiências são tão reais quanto se fossem eventos comuns de minha vida real. Ah! Eu tenho a explicação. É a lembrança de minhas existências anteriores, minhas encarnações prévias. É uma droga maravilhosa que desanuvia mistérios profundos”.” (Rawson 1988, 211)

 

            Outra testemunha de que Madame Blavatsky usava haxixe é Hannah Wolff, que conviveu com ela em 1874, em Nova Iorque. Ela diz:

 

“Desde o início ficou evidente que ela consumia tabaco em grande excesso, frequentemente usando, como ela me contou, uma libra (453,54 gramas) por dia. Eu logo soube também que era viciada no uso de haxixe. Várias vezes ela tentou me persuadir a experimentar o efeito em mim mesma. Ela contou que havia fumado ópio, visto suas visões e se entregado a suas fantasias, mas que as beatitudes gozadas no uso de haxixe eram como o paraíso comparado a seu inferno. Ela disse que nunca encontrou nada semelhante aos seus efeitos de gerar e estimular a imaginação.” (Wolf)

 

 

HPB das 40 Línguas

 

            Um outro aspecto que era motivo de perplexidade era o fato de que em certas ocasiões HPB apresentava um conhecimento que em outras simplesmente desaparecia. Isso se aplicava, por exemplo, às línguas. Em

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algumas ocasiões ela podia até mesmo dar uma palestra num determinado dialeto que, em outras, não conseguia nem mesmo compreender!

 

            Quando Olcott perguntou à tia Nádia sobre a educação de HPB, ela lhe respondeu que:

 

“... sua educação havia sido simplesmente aquela de uma jovem de boa família. Que ela havia aprendido, além do Russo que era sua língua materna, o Francês, um pouco de Inglês e um conhecimento superficial de Italiano, além de música. Ela estava assombrada com meus relatos sobre a erudição dela, e só podia atribuir isso ao mesmo tipo de inspiração que havia sido desfrutado pelos Apóstolos, os quais, no dia de Pentecostes, falaram em línguas estranhas das quais eles antes ignoravam. Ela acrescentou que desde a infância sua sobrinha tinha sido uma médium de extraordinário poder psíquico e variedade de fenômenos, maior do que qualquer outro que ela tivesse lido a respeito no curso de uma vida de estudos sobre esse tema.” (ODL l, 104)

 

            Mas Madame Blavatsky explica para sua irmã Vera que quem a fazia ter o conhecimento de outras línguas, era a “Voz”, isto é, seu Sahib, o Mestre Hillarion:

 

“Eu nunca contei a ninguém sobre as minhas experiências com a Voz. Quando eu tento afirmar que nunca estive na Mongólia, que não sei nem Sânscrito, nem Hebreu ou línguas europeias antigas, eles não me acreditam. “Como é isso”, eles dizem, “que você nunca esteve lá, se você descreve tudo com tanta precisão? Você não sabe as línguas, mas você traduz direto dos originais!” E assim eles se recusam a acreditar em mim. Eles pensam que eu tenho algumas razões misteriosas para o sigilo e, além disso, é para mim, algo embaraçoso negar, quando todo mundo já me ouviu discutindo vários dialetos indianos com um palestrante que havia passado vinte anos na Índia.” (Letters of H.P. Blavatsky, I)

 

            Um exemplo de ocasião na qual isso gerou perplexidade foi narrado por William Judge, que descreve um caso que ocorreu em sua presença. Em 1888, em Londres, um Hindu a quem ela havia encontrado em Meerut (Índia), disse para HPB, através de um intérprete, que ele estava sem entender porque razão ali ela não estava falando com ele em sua própria língua, como havia feito quando conversaram longamente

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em Meerut. A isso ela respondeu: “Ah, sim, mas isto foi lá em Meerut.” (Letters of H.P. Blavatsky, I)

 

            Brincando com esse conhecimento de línguas, que não era seu, numa carta para Sinnett, ela despede-se como “Sua, Blavatsky das “40 línguas”.” (LBS, 210)

 

 

A Personalidade Explosiva

 

            HPB tinha uma personalidade explosiva e, quando provocada, podia ser bastante rude no seu palavreado. Entretanto, com a mesma rapidez com que explodia, ela voltava a conversar de um modo amigável e sem mágoas.

 

            Em Nova Iorque, havia um irlandês, O’Donovan, um escultor muito talentoso, um excelente companheiro, que tinha um fino senso de humor. HPB apreciava-o imensamente e ele nutria o mesmo sentimento por ela. Ele adorava provocar Madame Blavatsky e examinar suas reações:

 

“Vendo o quão brava e esquentada HPB sempre ficava quando o catolicismo romano era mencionado, ele costumava fingir que acreditava que esse credo eventualmente varreria da face da terra o Budismo, o Hinduísmo e o Zoroastrianismo. Embora aplicasse esse golpe por vinte vezes, HPB invariavelmente caía outra vez na armadilha sempre que O’Donovan a preparava. Ela iria fumegar e xingar, e chamá-lo de um idiota incurável e outros nomes, sem resultado; ele se sentaria e fumaria num silêncio pleno de dignidade, sem mudar um traço da face, como se estivesse escutando a um discurso dramático no qual os sentimentos do próprio orador não tomam parte. Quando ela tivesse falado e gritado até perder o fôlego, ele se voltaria lentamente para a pessoa ao lado e diria: “Ela fala bem, não fala? Mas ela não acredita nisso; é apenas sua aptidão para respostas vivas e espirituosas. Ela ainda será uma boa católica algum dia.” Então HPB explodiria com a sua extrema audácia e fazia como se fosse atirar algo nele, e ele escaparia para a cozinha e prepararia uma xícara de chá! Eu o vi trazendo amigos apenas para apreciar esse tipo de provocação; mas HPB nunca alimentou qualquer malícia, e após se aliviar repreendendo-o

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com aspereza, seria tão amiga quanto antes com seu inveterado provocador.” (ODL I, 411-412)

 

            Um de seus maiores charmes era seu lado de fazer gracejos. Ela adorava dizer coisas picantes a seu respeito e ouvir os outros dizerem. Ela costumava falar de um modo nada convencional, formulando seus pontos de vista com tanta imaginação e entusiasmo que mesmo aqueles que não a compreendiam ficavam admirando seu discurso. Em seu dia a dia seu sarcasmo era afiado como uma faca, e em seus momentos de raiva explodia como uma bomba.

 

            Ela era uma pessoa que falava franca e diretamente quando não estava trocando delicadezas com um novo conhecido, em cujo caso ela era uma grande dama. Não importando quão desalinhada ela estivesse vestida, tinha a marca de seu alto nascimento e, se quisesse, poderia ser tão digna quanto uma duquesa francesa.

 

            Ela não tinha um bom olho para cores e proporções, e muito pouco senso estético. Certa vez ela e Olcott foram ao teatro e ele imaginou que toda a casa fosse se levantar quando eles se chegaram, pois:

 

“Ela, uma mulher corpulenta e marcante, vestindo um alegre chapéu com plumas, um vestido de noite de seda com muitos enfeites, uma longa e pesada corrente de ouro em seu pescoço, ligada a um relógio azulado com um monograma feito de diamantes nas costas, e em suas adoráveis mãos uns doze ou quinze anéis, grandes ou pequenos. As pessoas poderiam rir à sua passagem, mas quando percebiam seu olhar severo e sua grande face “Calmuck”, seu riso logo morria e um senso de admiração e maravilha tomava conta delas.” (ODL l, 459)

 

            HPB fazia inúmeros amigos, mas frequentemente os perdia e eles se tornavam seus inimigos pessoais. Sinnett comenta:

 

“Nenhum comportamento poderia ser pior que o seu para conquistar a confiança daqueles que procuram ardentemente um elevado ideal espiritual, e estão no momento intermediário que se situa entre o despertar de um interesse inicial pelas teorias gerais do ocultismo e uma intimidade profunda. Os que lhe fazem justiça são, de um lado, os que a conhecem pouco ou que não conhecem senão as suas obras, e do outro, os que a conhecem suficientemente fundo para que ela não possa enganá-los por sua aspereza e suas originalidades, levando-os a duvidar de seu valor.

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As pessoas que dela conseguiram se aproximar sem se tornarem íntimas, e sem possuir uma prolongada experiência dos diferentes elementos de seu caráter, não podem deixar de sentir, vez por outra, que sua confiança foi abalada e de experimentar uma dolorosa desconfiança sobre suas noções da verdade, ou do bem e do mal; e uma vez dominados por essa ideia, não podem evitar que a mesma se desenvolva, a menos que a confessem e a discutam abertamente com ela própria.” (Sinnett 1886, 245)

 

            Ninguém podia ser mais fascinante do que ela quando queria atrair pessoas para seu trabalho público. Ela seria cuidadosa no tom e nos modos, e faria a pessoa sentir-se como se fosse o melhor, senão o único amigo que ela possuía. Olcott relata:

 

“Com as pessoas comuns como eu, não poderia dizer que ela fosse leal ou fiel. Nós éramos, creio eu, nada mais que peões num jogo de xadrez, por quem ela não tinha nenhum amor profundo. Ela me repetia os segredos de pessoas de ambos os sexos – mesmo os mais comprometedores – que lhe haviam confiado, e tratava os meus, estou convencido, da mesma maneira. Mas ela era leal até o fim para com sua tia, seus outros familiares e para com os Mestres, por cujo trabalho ela sacrificaria não apenas uma, mas vinte vidas, e calmamente veria toda a raça humana ser consumida no fogo, se necessário fosse.” (ODL I, 462)

 

            Essa devoção aos Mestres sempre foi a luz que guiou HPB por toda a sua vida, uma característica reconhecida e admirada por todos aqueles que com ela conviveram mais intimamente. Como diz Olcott:

 

“Ela era uma ocultista grande demais para que julguemos sua estatura moral. Ela nos compelia a amá-Ia, por mais que pudéssemos conhecer suas faltas; a perdoá-la, por mais que ela pudesse ter quebrado suas promessas e destruído nossa primeira crença em sua infabilidade. E o segredo desse encantamento poderoso era seus inegáveis poderes espirituais, sua evidente devoção aos Mestres que ela descrevia como personagens supranaturais, e seu zelo pela elevação espiritual da humanidade através do poder da Sabedoria Oriental.” (ODL I, x)

 

 

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O “Melhor Disponível”

 

            É claro que os Mestres reconheciam as dificuldades com HPB. O Mestre KH escreve “imperfeita como possa ser nossa agente visível – e usualmente ela é a mais insatisfatória e imperfeita – ainda assim ela é a melhor disponível no momento”. (MLcr., 9)

 

            Mas os Mestres diziam que, na verdade, essas mesmas dificuldades poderiam ser encaradas como vantagens para os demais, uma vez que serviriam de testes e estímulos para realizar o trabalho:

 

“Julgo que é uma positiva vantagem para todos os demais que ela seja da maneira que é, pois assim foi-lhes dado um maior estímulo para realizar, apesar das dificuldades que você crê que ela tenha criado. Eu não digo que a teríamos preferido, caso estivesse disponível um agente mais tratável; mas ainda assim, no que diz respeito a vocês, isso foi uma vantagem”. (MLcr., 435)

 

            Eles reconheciam também que tinham muitos problemas com a mente de Madame Blavatsky, e não apenas com seu temperamento:

 

“Outro bom exemplo da habitual desordem na qual a mobília mental da Sra. H.P.B. é mantida. Ela fala sobre “Bardo” e nem mesmo diz a seus leitores o que significa! Assim como em seu escritório a confusão se multiplica por dez, do mesmo modo em sua mente se amontoam ideias num tal caos que, quando ela quer expressá-las o rabo salta antes da cabeça.” (MLcr., 194)

 

            A explicação que e dada para essa característica mental é a falta de concentração, aliada ao fato de que HPB era uma pensadora muito rápida:

 

“Todos os pensadores rápidos são difíceis de se comunicar algo – num instante eles estão longe e “alardeando”, antes de entender metade do que se quer que eles pensem. Esse é o nosso problema tanto com a Sra. B. [Blavatsky] quanto com O. [Olcott]. As frequentes falhas desse último em levar adiante as sugestões que ele algumas vezes recebe – mesmo quando escritas, são quase que completamente devidas à sua própria mentalidade ativa, que o impede de distinguir entre as nossas impressões e as suas próprias concepções. E o problema da Sra. B [Blavatsky] é (além da enfermidade física) que ela algumas vezes ouve duas ou mais de nossas vozes ao mesmo tempo; p. ex., essa manhã enquanto

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o ‘Deserdado’ [Djual Khool] (...) estava falando com ela sobre um assunto importante, ela emprestou um ouvido a um dos nossos que está passando por Bombay vindo de Chipre, em seu caminho para o Tibet – e, assim, misturou as duas numa confusão inextricável. Mulheres realmente carecem do poder de concentração.” (MLcr., 52)

 

 

A Explicação dos Mestres

 

            A natureza facilmente excitável de HPB e suas incoerências chocavam as noções do que seria um comportamento social adequado, e levaram Sinnett e Hume a considerá-la “um transmissor muito indesejável” (MLcr., 79) das mensagens dos Mestres, distante da imagem do que deveria ser um “mensageiro escolhido para a corporificação de toda pureza e virtude”. (LBS, 305) Hume escreve para Madame Blavatsky:

 

“... embora eu possa convencer aos outros – quase perdi o meu próprio convencimento. Até que eu viesse a defender nossa posição, jamais havia compreendido sua extrema fragilidade. Você, você querida velha pecadora (...) é a pior de todas as fissuras em nossa posição – sua completa falta de controle do temperamento – sua maneira totalmente não budista e não cristã de falar de todos que a ofendem – suas afirmações precipitadas, formam em conjunto uma acusação difícil de defender”. (LBS, 306)

 

            O Mestre explica para Hume e Sinnett que esse comportamento era uma consequência de seu treinamento oculto:

 

“Esse estado dela está intimamente conectado com seu treinamento oculto no Tibet, e ao fato dela ter sido enviada ao mundo sozinha, para gradualmente preparar o caminho para outros. Após quase um século de procuras infrutíferas, nossos chefes tiveram que aproveitar a única oportunidade de enviar um corpo europeu para o solo europeu, para servir como um elo de ligação entre aquela terra e a nossa própria. Você compreende? Claro que não.” (MLcr., 79)

 

            O Mestre explica que a questão, bastante complexa, estaria relacionada ao fato de que quando um chela volta de seu treinamento, pelo menos um dos sete princípios de que todo ser humano é constituído, deveria ficar para trás. Isso por dois motivos:

 

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“... em primeiro lugar para formar o elo de ligação necessário, o fio de transmissão – e em segundo lugar como a garantia mais segura de que certas coisas nunca serão divulgadas. Ela não é uma exceção à regra, e você já viu um outro exemplo – um homem altamente intelectual – que teve que deixar uma de suas peles para trás; assim, ele é considerado altamente excêntrico. O comportamento e status dos seis remanescentes depende de suas qualidades inerentes, das peculiaridades psico-fisiológicas da pessoa, especialmente das idiossincrasias transmitidas pelo que a ciência moderna chama de “atavismo”.” (MLcr., 79)

 

            Mas Hume argumenta que se ela era “um mutilado psicológico, um de seus sete princípios tendo ficado empenhado no Tibet” (LBS, 307), então qual seria esse princípio? Naturalmente não podia ser o corpo físico nem o etérico, que faz parte dele. Nem o astral, “pois se fosse, sua falta não responderia pelos seus sintomas”, isto é, suas explosões emocionais. E continua:

 

“Também certamente não é o Jivatma, você tem grande quantidade de vida em si mesma. Nem é o quinto princípio, ou mente, pois sem esse você seria “quo ad” ao mundo externo, uma idiota. Nem é o sexto princípio, pois sem esse você seria um demônio, intelecto sem consciência e, com relação ao sétimo, esse é universal e não pode ser capturado por nenhum Irmão ou Buddha, mas existe para cada um exatamente na medida em que os olhos do sexto princípio estejam abertos.

            “Portanto a explicação para mim não apenas não é satisfatória – mas uma vez que foi oferecida – lança suspeita sobre toda a coisa.” (LBS, 307)

 

            Abaixo dessas ponderações o Mestre Morya precipita o seguinte comentário:

 

“Muito esperto – mas suponha que não seja nenhum dos sete em particular, mas todos? Cada um deles sendo um “mutilado” e impedido do exercício de seus plenos poderes? E suponha que essa seja a sábia lei de um poder com ampla capacidade de previsão!” (LBS, 307)

 

            Hume conclui a carta para HPB lamentando que a questão fosse de uma tal natureza que, “quanto mais se examina, menos parece se sustentar.” E deplorava:

 

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“... a tolice dos seres superiores que a mandaram para combater o mundo armada apenas com uma parte de suas faculdades, e cuidadosamente a envolveram com uma tal rede de fatos contraditórios e comprometedores, de modo a tornar impossível que o amigo que mais a ama, e de modo algum o menos inteligente, não tenha às vezes graves dúvidas, não apenas quanto à existência deles, mas também quanto à sua boa fé.” (LBS, 307)

 

            A isso o Mestre M. acrescentou: “Nunca para aqueles que a conhecem bem.” (LBS, 310)

 

 

 

Dayanand Saraswati.

 

 

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