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Capítulo 17

 

 

Mestre M. Arrebata HPB das Garras da Morte

 

            Com todos esses problemas HPB caiu gravemente enferma. Olcott e Leadbeater haviam viajado em 14 de janeiro para a Birmânia a convite do rei Theebaw III, para conversar sobre o trabalho em prol do Budismo. (ODL III, 208). Em 28 de janeiro Olcott recebeu um telegrama de Damodar que dizia: “Volte imediatamente. Upasika (HPB) perigosamente doente.” (ODL III, 215) Ele embarcou no dia seguinte, sentindo o coração pesado pela possibilidade de encontrá-la morta ao voltar. Escreveu em seu diário:

 

“Minha pobre colega terá terminado sua vida de aventuras, angústia, violentos contrastes e inabalável devoção à humanidade? Ai de mim, minha perda será maior do que se você tivesse sido esposa, namorada ou irmã; pois agora terei que carregar sozinho o imenso fardo dessa responsabilidade que os Seres Sagrados nos encarregaram.” (ODL III, 216)

 

            Ao chegar em Adyar no dia 5 de fevereiro, Olcott encontrou-a entre a vida e a morte, com congestão dos rins, gota reumática e uma alarmante perda de vitalidade. Além disso, o coração também estava enfraquecido. Sua alegria ao vê-lo era tão grande que ela “colocou seus braços à volta de meu pescoço, quando cheguei ao lado de sua cama, e chorou em meu peito. Eu estava indizivelmente feliz de estar lá para, pelo menos, me despedir e lhe assegurar de minha inabalável lealdade.” (ODL III, 216)

 

            Seus médicos disseram que era um milagre que ela não tivesse morrido. Como Olcott escreve para Srta. Arundale, isso só ocorreu porque:

 

            Nosso Mestre novamente arrebatou HPB das garras da morte. Poucos dias atrás ela estava morrendo e eu fui chamado da Birmânia por telegrama, com quase nenhuma perspectiva de vê-la novamente. Mas quando três médicos estavam esperando que ela mergulhasse no coma e assim, sem sentidos, saísse da vida, Ele veio, colocou sua mão sobre ela, e todo o aspecto do caso mudou.” (Caldwell 1991, 206)

 

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            Isabel Cooper-Oakley ficara cuidando de HPB, numa crescente ansiedade e preocupação à medida que ela piorava. Ela relata que mesmo com HPB aparentemente a ponto de morrer, sentia-se sempre segura. Para ela:

 

“Isso prova quão maravilhosa era a influência protetora de HPB, doente ou sã; pois embora eu estivesse completamente sozinha com ela noite após noite vaguei para cima e baixo [do terraço no topo do prédio], para respirar o ar entre 3 e 4 horas da manhã, e me perguntava, enquanto olhava a luz do dia romper sobre a baía de Bengala, por que eu me sentia tão sem medo, mesmo com ela deitada aparentemente a ponto de morrer. Eu nunca pude imaginar um sentimento de medo surgindo perto de HPB. Finalmente veio a angustiosa noite quando os médicos a desenganaram e disseram que nada poderia ser feito (...) ela estava em coma (...) os médicos disseram que ela morreria nesse estado e eu sabia que, humanamente falando, essa seria a última noite de vigília. Não posso aqui entrar em detalhes do que aconteceu mas –perto das 8h da manhã HPB subitamente abriu os olhos e pediu seu café, a primeira vez que ela falava naturalmente por dois dias. Fui procurar o médico, cujo assombro pela mudança era muito grande. HPB disse: ‘Ah! Doutor, você não acredita em nossos grandes Mestres.’ Daí por diante ela melhorou continuamente.” (Some of Her Pupils, 17)

 

            Mas Madame Blavatsky escreve para Sinnett em 17 de março de 1885 que embora ela tenha sido curada, ainda tinha sérios problemas físicos:

 

“... apesar dos médicos (que proclamaram meus quatro dias de agonia e a impossibilidade de minha recuperação) eu subitamente melhorei, graças à mão protetora do Mestre. Carrego em mim duas doenças mortais que não estão curadas – coração e rins. A qualquer momento o primeiro pode ter ruptura e o último pode me levar embora em poucos dias. Eu não verei mais um ano. E tudo isso é devido a cinco de anos de constante angústia, preocupação e emoção reprimida.” (MLcr., 444)

 

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Hodgson e a Teoria da Espiã Russa (março de 1885)

 

            Pouco antes de retornar para a Inglaterra, Hodgson já estava convencido de que HPB havia realmente escrito as cartas publicadas pelos missionários. Madame Blavatsky reclamava que Hodgson estava conduzindo as investigações de modo tendencioso. Ela escreve para Sinnett:

 

“Eu, junto com mil outros teosofistas, protestamos contra a maneira e forma como as investigações são realizadas pelo Sr. Hodgson. Ele interroga apenas nossos maiores inimigos – ladrões como Hurrychund Chintamon (...) e tendo ele lhe mostrado algumas novas cartas (!! eu devo ter escrito milhares!) recebidas por ele, como garante a Hodgson, há 7 anos atrás da América. Hodgson copia alguns parágrafos dessas cartas, que ele acredita serem os mais prejudiciais, e constrói sobre isso uma teoria de que sou uma espiã russa, além de ser uma impostora e de enganar Olcott desde o início.” (LBS, 75)

 

            Hodgson afirmou ao Sr. Oakley que havia visto, numa carta de HPB para Chintamon, uma frase onde ela lhe pedia: “Encontre-me alguns membros que não sejam leais, mas desleaisao governo anglo-hindu. (LBS, 76) Para ele era uma evidência de que ela era contra o governo. HPB diz que sempre trabalhou para conciliar os hindus com os ingleses e, se foi ela que escreveu essas palavras, as escreveu em algum tipo de brincadeira. Ela lembrava que certa vez Chintamon lhe havia perguntado sobre o governo russo, se ele era tão cruel quanto o inglês com os povos que conquistava, ao que ela teria respondido:

 

“Possam os céus protegê-los e salvá-los do governo russo. É melhor para cada hindu afogar-se imediatamente do que estar algum dia sob o governo russo, ou palavras nesse sentido – mas lembro-me perfeitamente do espírito com que as escrevi. E ainda assim por causa dessa carta e de um certo papel que me foi roubado por Madame Coulomb e que os missionários mostraram para ele, um papel total ou parcialmente escrito numa escrita cifrada, diz ele, o Sr. Hodgson tem publicamente me proclamado espiã russa.”(LBS, 76)

 

            HPB explica que esse papel só poderia ser um de seus manuscritos em Senzar, a linguagem secreta utilizada pelos Iniciados. Os Coulombs

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haviam roubado de sua mesa um papel de aparência suspeita, que entregaram aos missionários garantindo-lhes que era um código usado por espiões russos. Esses levaram “a prova” para a polícia, que a mandou para análise em Calcutá, onde por cinco meses os melhores especialistas tentaram descobrir o que significava, sem resultados. (LBS, 76) Alguns, como Hume, achavam que esse papel tinha apenas tolices, coisas sem importância. HPB explica:

 

“É um de meus manuscritos em Senzar. Tenho plena convicção disso, pois uma das folhas de meu caderno com páginas numeradas está faltando. Se for isso, eu desafio qualquer um que não um ocultista tibetano a decifrá-lo. De qualquer modo, os missionários fizeram o melhor que podiam para provar que eu era uma espiã russa, e falharam – enquanto que o Sr. Hodgson me proclamou como tal publicamente.

            “Será isso justo, ou nobre, ou honesto? Por favor, pergunte ao Sr. Myers. E agora, pela teoria do Sr. Hume de que não há Mahatmas, toda a Sede está comprometida. Nós somos todos impostores e falsificadores da caligrafia do Mahatma KH.” (LBS, 76)

 

            Devido à relação de amizade com HPB, Subba Row também passou a ser considerado como suspeito por Hodgson. O Mestre KH escreve:

 

“E agora Hume e Hodgson incitaram Subba Row à fúria lhe dizendo que, como um amigo e companheiro ocultista de Madame B. o governo suspeitava que ele também fosse um espião. É a história do “Conde St. Germain” e Cagliostro contada novamente.” (MLcr., 449)

 

            Essa não era a primeira vez que HPB era acusada de ser uma espiã russa. Assim que chegaram à Índia ela era constantemente vigiada por um detetive, que a seguia por todos os lados. (ODL II, 82) Embora nada tenha sido provado, essas acusações sempre acompanharam a vida de Madame Blavatsky.

 

            É interessante notarmos que, em julho de 1995, a Dra. Maria Carlson publicou no Theosophical History uma carta que HPB teria escrito para a polícia secreta russa, oferecendo seus serviços como espiã. A carta havia sido originalmente publicada num respeitado jornal de Moscou, por dois acadêmicos russos. A Dra. Carlson escreve:

 

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“Apesar de aparecer durante o ano politicamente ambíguo de 1988, a publicação dessa carta sensacional tem o seu lugar na mitologia que cresceu à volta de Mad. Blavatsky; ela tem sua própria contribuição à documentação contraditória e incongruente sobre a extraordinária vida de Mad. Blavatsky. Tem havido considerável especulação, ao longo dos anos, sobre o possível papel de espionagem na vida de Mad. Blavatsky (era ela, ou não, uma espiã russa?), mas nada nunca foi provado. Essa carta é a primeira indicação de que pode haver, de fato, algum fundamento para a especulação, embora a oferta de seus serviços aparentemente não foi aceita pela polícia secreta russa.” (Carlson, 226)

 

            Ela também ressalta que na publicação da carta não se fala nada sobre a verificação da caligrafia, apenas que se encontrava nos arquivos da polícia secreta. E também que há uma frase curta da polícia, datada de 27 de janeiro de 1873, dizendo: “Nenhuma ação foi tomada com relação ao pedido de Madame Blavatskaia.” (Carlson, 231)

 

            A carta foi escrita em Odessa, datada 26 de dezembro de 1872. Nela HPB se apresenta, fala da Societé Spirite que fundara no Cairo, declara seu amor pela Rússia e oferece seus serviços esclarecendo: “Não estou motivada por cobiça, mas, mais exatamente, pela proteção e assistência moral, mais do que material.” (Carlson, 229)

 

 

O Senso da Suprema Obrigação de Cumprir com o Meu Dever

 

            Logo que retornou da Birmânia, Olcott e o Sr. Oakley foram conversar com Hodgson, sobre as suspeitas de que HPB era uma espiã russa. Os dois saíram com a falsa impressão de que o haviam convencido de que essa acusação era totalmente sem fundamento. Nessa conversa, Hodgson mostrou para Olcott uma carta de HPB para H. Chintamon, da Arya Samaj em Bombay, onde ela afirmava que Olcott: “estava tão sob seu encanto hipnótico que ela poderia me fazer acreditar no que ela quisesse, simplesmente olhando-me na face.” (ODL III, 230) Para ele, mais do que o uso que os oponentes poderiam fazer dessa afirmação:

 

“... pior do que isso, para meu coração, foi que HPB, de quem tenho sido amigo leal através de todas as circunstâncias, pudesse

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fazer esse ato de traição comigo; e meramente para satisfazer sua vaidade, como poderia parecer. Mas essa é a criatura contraditória que ela era, em seu eu físico, e eram esses traços que na época tornavam tão intensamente penoso para qualquer pessoa trabalhar com ela por qualquer período de tempo. Tenho sempre dito que a dificuldade de se dar bem com ela, como Helena Petrovna, era infinitamente mais difícil do que superar todos os obstáculos externos, impedimentos e oposições que se ergueram no caminho do progresso da Sociedade.” (ODL III, 230)

 

            Madame Blavatsky escreve para Sinnett que não negava que tivesse escrito a Chintamon algo como:

 

“Não se preocupe com Olcott e com o que ele diz (sobre a fusão das duas Sociedades), eu farei com que ele faça isso. Eu posso ‘psicologizar o velho o homem com um olhar’ etc. Alguma coisa do tipo, de brincadeira, é claro. Isso é utilizado pelo Sr. Hodgson para mostrar claramente, baseado em minha própria confissão, que desde o início tenho iludido e psicologizado Olcott e que; portanto, seu testemunho não tem valor. Pobre Olcott está pronto para cometer suicídio.” (LBS, 75)

 

            Olcott sentiu-se profundamente traído. Ele afirma jamais algo o afetou tanto, em toda sua experiência teosófica, quanto esse fato:

 

“Isso me deixou desesperado e por 24 horas quase a ponto de ir à praia e me afogar no mar. Mas quando eu me perguntei com que propósito eu estava trabalhando, se para o louvor dos homens, pela gratidão de HPB ou de qualquer outra pessoa viva, todo esse desalento foi embora e minha mente nunca mais voltou a esse estado. O senso da suprema obrigação de cumprir com o meu dever, de servir aos Mestres na realização de seus elevados planos – sem agradecimentos, sem reconhecimento, mal compreendido, caluniado – não importa o que – veio como o raio de uma grande luz, e houve paz.” (ODL III, 231)

 

 

Eu Não Seria Deixado Sozinho

 

            No dia em que retornou Olcott também descobriu que Hartmann e Lane-Fox haviam convencido HPB a assinar um documento depondo-o da presidência e criando um Comitê composto por Subba

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Row e mais quatro europeus, que assumiria toda a direção da Sociedade. HPB havia escrito no documento: “Acreditando que esse novo arranja é necessário para o bem estar da Sociedade, até onde isso me diz respeito, eu o aprovo.” (ODL III, 229)

 

            Olcott ficou chocado quando lhe entregaram a resolução e foi lhe perguntar se ela realmente achava justo que ele, após tantos anos de lutas e dedicação pela Sociedade, fosse deposto dessa maneira. Ela respondeu:

 

“... que havia assinado algo que eles lhe trouxeram em seu leito de morte e que disseram que era muito importante para a Sociedade, mas que ela nunca havia compreendido tratar-se do que eu lhe descrevi, e que ela repudiava tal ingratidão. Ela me disse para rasgar os papéis, mas eu disse que não, que deveria guardá-los como a memória de um episódio que poderia ser útil para o historiador do futuro.” (ODL III, 218)

 

            Olcott também relata que enquanto eles conversavam, ele recebeu um bilhete do Mestre M., de modo fenomênico, dizendo que HPB deveria assegurar a Subba Row e Damodar que com sua morte, o elo entre a ST e o Mestre permaneceria inalterado. Na carta para Francesca Arundale, Olcott também descreve o apoio que ele recebeu do Mestre:

 

“Anteontem as coisas pareciam tão ruins que Subba Row e Damodar desencorajaram-se, entraram em pânico e disseram que a ST se arruinaria. Bem, ontem veio aqui um certo Iogue indiano, vestido no costumeiro manto açafrão e acompanhado de uma asceta – que suponho ser sua discípula. Fui chamado, vim e me sentei, e ficamos olhando fixamente um para o outro em silêncio. Então ele fechou os olhos, se concentrou e me transmitiu psiquicamente sua mensagem. Ele havia sido enviado pelo Mahatma em Tirivellum (...) para me garantir que eu não seria deixado sozinho. Ele me lembrou de minha conversa do dia 7 com ... [Damodar] e ... [Subba Row] E me perguntou (mentalmente) se eu pude por um momento acreditar que ele, que sempre havia sido tão verdadeiro comigo, me deixaria continuar sem auxílio.” (Caldwell 1991, 206)

 

            A recuperação de HPB foi tão rápida que em 10 de fevereiro, quando chegou telegrama de Leadbeater pedindo que Olcott voltasse para Birmânia, ela consentiu. Chorando, despediu-se dele,

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que só conteve as lágrimas porque naquele instante de pesar lhe volttou “a recordação de que não permitiriam que ela morresse antes seu trabalho estivesse concluído e alguém estivesse pronto para preencher a lacuna que ela deixaria.” (ODL III, 218)

 

 

Damodar Parte de Adyar (fevereiro de 1885)

 

            Em 23 de fevereiro de 1885 Damodar embarcou para Calcutá. De lá foi para Benares onde ficou até 14 de março com Mâji. Em 19 de abril entrou no Sikkim e no dia 23 recebeu permissão para segui para Kali, de onde mandou os servos que o acompanhavam de volta para Darjeeling, com seus pertences pessoais e com seu diário. Por muitos anos esperou-se que Damodar voltasse para Adyar e especulou-se se ele estaria vivo ou morto. Olcott escreve:
 

“Quatro pessoas desse lado dos Himalaias tiveram voz nessa questão, das quais três eram HPB, T. Subba Row e Mâji de Benares: a principal autoridade, é claro, era HPB, o Sr. Subba Row tendo apenas algumas questões para serem respondidas e Mâji algumas informações clarividentes para dar. Não mencionarei o nome da quarta pessoa, mas apenas direi que ele é alguém igualmente bem conhecido de ambos os lados das montanhas, e faz frequentes viagens religiosas entre a Índia e o Tibet. Damodar esperava ter a permissão de ir com ele em sua volta a Lhassa, embora sua constituição, naturalmente delicada, estivesse esgotada pelo excesso de trabalho, com sinais de tuberculose e ele havia tido algumas hemorragias. Logo após ele ter deixado Darjeeling, circularam os mais preocupantes rumores sobre o nosso querido rapaz ter perecido em sua tentativa de cruzar as montanhas.” (ODL III, 270)

 

            Em 4 de janeiro de 1886 HPB escreveu para Sinnett: “Vi Damodar na noite passada.” Quase que na mesma época ela escrevia Hartmann que Damodar estava vivo e provavelmente no Tibet: “Feliz Damodar! Ele foi para a terra da bem-aventurança, para o Tibet, e agora deve estar longe, nas regiões de nossos Mestres.” (Eek 1940)

 

            Com base em afirmações de peregrinos vindos do Tibet, “Mâji” disse que Damodar estava lá. No The Theosophist de julho de 1886 foi publicada uma nota, assinada por Olcott e por Subba Row, relatando

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que em 7 de junho haviam chegado notícias de que Damodar estava a salvo “sob a proteção de amigos a quem ele buscou”, mas que seu retorno seria ainda por muito tempo incerto. (Eek 1940)

 

            Numa carta aberta aos membros indianos, em 1890, HPB comenta a importância da passagem de Damodar pela Sociedade Teosófica e de seu desenvolvimento espiritual, ao escrever que se a Sociedade Teosófica “nunca tivesse dado à Índia mais do que aquele futuro Adepto (Damodar), que agora tem a perspectiva de se tornar um dia um Mahatma, apesar do Kali Yuga, somente isso seria prova de que ela não foi fundada em Nova Iorque e transferida para a Índia em vão.” (CW XII, 159)

 

 

Hume Tenta “Salvar” a Sociedade (fevereiro de 1885)

 

            Com Olcott novamente na Birmânia, o Comitê Central reassumiu a administração da sede. Entretanto, no final de fevereiro, Olcott recebe notícias de Hartmann informando que o Comitê Central havia renunciado e que alguns ramos ameaçavam se dissolver se não fosse autorizado que HPB entrasse na Justiça contra os missionários. (ODL III, 223) Olcott escreve:

 

“HPB, com sua usual incongruência, me reprovou por tê-la impedido – como ela disse, embora não tivesse sido eu, mas a Convenção que fizera isso – de instaurar um processo contra eles; e me foram enviadas cópias do mais recente panfleto dos missionários contra nós. Como escrevi em meu diário, havia “algo hostil no ar”.” (ODL III, 223)

 

            No dia seguinte chegou telegrama de Adyar, dizendo que HPB tivera uma recaída e pedindo que ele voltasse urgentemente. Olcott chegou em Adyar no dia 19 de março, descobrindo que Hume, em 14 de março, pretendendo “salvar” a ST, convocara uma reunião do Conselho para análise de uma proposta. HPB conta o que aconteceu numa carta para Sinnett:

 

“O Sr. Hume quer salvar a Sociedade e encontrou um meio. (...) ele propôs, para salvar a Sociedade (...) forçar Coronel Olcott, seu presidente vitalício, Madame Blavatsky (...) etc., ao todo 16 pessoas, a renunciarem uma vez que todos eram impostores e cúmplices, já que os Mestres não existiam e muitos deles afirmaram

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que conheciam os Mestres independentemente de mim. A Sede deve ser vendida e, em seu lugar, erguida uma nova Sociedade Teosófica Científico-Filosófico-Humanitária. Eu não estava na reunião (...) Mas os conselheiros vieram em grupo falar comigo após a reunião. Contudo, ao invés de aceitar a proposta e declarar os fenômenos uma fraude (...) rejeitaram a proposta, colocando-a de lado com desgosto. Todos eles acreditam nos Mahatmas e nos fenômenos que testemunharam pessoalmente, mas não permitirão mais que seus nomes sejam profanados. Os fenômenos devem ser, daqui por diante proibidos e se eles realmente ocorrerem independentemente, não se pode falar a respeito, sob pena de expulsão.” (MLcr., 444)

 

            Na mesma carta HPB comenta uma ironia do destino: os conselheiros mal terminaram de votar a resolução que não haveria mais fenômenos na Sede, nem se falaria mais dos Mestres, quando, ainda na sala de reuniões, Subba Row recebeu uma carta do Mestre M. sua língua nativa, o Telugu, a qual HPB desconhecia. Não obstante, mantiveram a decisão. Madame Blavatsky era a única ligação entre os membros europeus e os Mestres, mas para os hindus isso não importava, pois:

 

“Dezenas deles são chelas, centenas Os conhecem, mas, como no caso de Subba Row, eles prefeririam morrer do que falar de seus Mestres. Hume não tirou nada de Subba Row, embora todos saibam quem ele é. (...) Embora eles sejam leais a mim e o serão até o final, me acusam de ter profanado a Verdade e os Mestres, por ter sido o meio para os livros O Mundo Oculto e Budismo Esotérico.” [escritos por Sinnett] (MLcr., 447)

 

            Outras notícias ruins continuavam a chegar. No dia 17 de março, um perito em caligrafia, Netherclift, havia declarado que a letra nas cartas publicadas pelos missionários era mesmo de HPB. Os missionários continuavam seu trabalho de difamação, editando e distribuindo pelo país novos panfletos contra a ST e HPB. Ela escreve: “Eles têm todas as vantagens sobre nós. Eles (os inimigos) trabalham dia e noite, inundando o país com literatura contra nós, e nós sentamos, imóveis, e apenas discutimos dentro da Sede.” (MLcr., 447) Apesar de alguns, como os Oakleys lhe assegurarem sua amizade, ela estava descrente. HPB escreve para Sinnett:

 

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“Apesar de Hume, do amigo deles, Hodgson, e de todas as evidências, os Oakleys não acreditam que eu seja uma impostora. Eles têm total confiança nos Mestres; nada, dizem eles, fará com que duvidem da existência deles (...) e, como eles dizem, são seus melhores amigos. (...) Como posso acreditar que qualquer um seja meu amigo nesse momento? É apenas aquele que sabe, da mesma maneira que sabe que vive e respira, que nossos Mahatmas existem e os fenômenos são reais, é que pode se solidarizar comigo e olhar para mim como uma mártir; mas quem o faz?” (MLcr., 447)

 

 

HPB Deixa a Índia para Não Mais Voltar (março de 1885)

 

            Diante da acusação pública de espionagem, HPB resolveu renunciar a seu cargo de Secretária Correspondente, para que a Sociedade não fosse prejudicada. Ela escreve a Sinnett:

 

“Embora sejam meus amigos, os Oakleys me aconselham a renunciar, enquanto que os hindus dizem que sairão todos da Sociedade se eu o fizer. Eu preciso renunciar, pois sendo considerada uma “Espiã Russa”, ponho em perigo a Sociedade. Essa é minha vida durante a convalescência, quando cada emoção, dos o médico, pode se tornar fatal. Tanto melhor. Eu irei, então, renunciar de facto.” (MLcr., 447)

 

            Hodgson partiu para Londres em 26 de março de 1885. Poucos dias depois, em 31 de março, gravemente doente, HPB partiu da Índia, para nunca mais voltar, acompanhada de Bowajee, Mary Flynn e Franz Hartmann. Para Judge, HPB diz que Hartmann foi junto porque:

 

“Subba Row disse que a menos que o Dr. H. [Hartmann] deixasse Adyar ele iria renunciar. Todos os hindus se recusaram unanimemente a estar no mesmo comitê que ele; e Olcott foi notificado de que a menos que se fizesse o Doutor ir embora, muitos renunciariam. (...)

            “Ainda está para ser visto o que acontecerá com a Doutrina Oculta – a Sociedade etc., sem mim. Eu não ligo. Estou tão enojada com suas eternas intrigas, mentiras, conspirações e assim por diante, que à menor provocação renunciarei até mesmo da minha filiação & romperei para sempre toda conexão com a Sociedade.

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Olcott prepara, como ele me escreve, para me sacrificar pelo bem & salvação da Sociedade & firmemente acredita que ele está fazendo o que é correto. Ele não hesitaria em sacrificar mesmo, isso eu sei. (...)

            “Tenha cuidado com Hartmann. (...) Ele acredita (...) que eu geralmente sou uma “casca” que somente se torna boa para alguma coisa quando alguém mais entra nela. Acredite no que quiser.” (HPB to Judge, 2)

 

            Em 1890, numa circular aos membros indianos, ela revela porque fizera um voto de nunca mais voltar a Adyar, uma vez que a fragilidade de sua saúde era apenas uma desculpa, pois: “Aqueles que me salvaram da morte em Adyar, e mais duas vezes desde então, poderiam tão facilmente me manter viva lá como Eles o fazem aqui.” (CW XII, 157) Ela escreve:

 

“... em 1884, Coronel Olcott e eu saímos para uma visita à Europa e, enquanto estávamos longe, ‘caiu o raio’, Padres-Coulombs. (...) Abalados em suas crenças, os temerosos começaram a se perguntar: ‘Se os Mestres são Mahatmas genuínos, por que Eles permitiram que tais coisas acontecessem...?’ (...)

            “Eu digo, se naquele momento crítico, os membros da Sociedade, e especialmente seus líderes em Adyar, indianos e europeus, tivessem permanecido unidos como um só homem, firmes em suas convicções da realidade e poder dos Mestres, a Teosofia teria saído mais triunfante do que nunca, e nenhum de seus temores jamais teria se realizado, por mais ardilosas que fossem as armadilhas legais preparadas contra mim, e sejam lá quais tenham sido os enganos e erros de julgamento que eu, sua humilde representante, possa ter cometido na condução executiva da questão.

            “Mas a lealdade e a coragem das Autoridades de Adyar, e dos poucos europeus que haviam confiado nos Mestres, não esteve à altura da provação quando ela veio. Apesar de meus protestos, fui impelida a ir embora da sede.” (CW XII, 160-162)

 

            Olcott criou um comitê executivo experimental para administrar a Sociedade. Subba Row e A.J. Oakley estavam nesse comitê e Leadbeater era o secretário. Em 12 de abril de 1885, o comitê aceitou a renúncia de HPB do cargo de Secretária Correspondente. (ODL III, 233)

 

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            Embora não falasse publicamente sobre o assunto, Subba Row nunca deixou de reconhecer Madame Blavatsky como uma agente dos Mahatmas. Contudo, considerava que a própria ST era mais importante do que HPB e, portanto, tinha que estar acima das suspeitas que recaiam sobre ela. Numa carta para Sivavadhanulu Garu, em julho de 1885, ele escreve:

 

“O temperamento de Madame B. é, como você diz, muito ruim em alguns aspectos. Entretanto, acontece que ela é o único agente que pode ser empregado pelos Mahatmas para os propósitos da ST. Não fosse por esse mau temperamento, ela estaria agora em algum outro lugar. (...) A questão em discussão (...) não é se Madame B. é honesta ou desonesta, mas se a ciência oculta é uma realidade ou uma ficção. Mesmo um único fenômeno genuíno deve conseguir um veredicto em nosso favor. Meu cliente é a Sociedade Teosófica e não Madame B.” (Row, 565)

 

            Em carta para HPB, de outubro de 1885, Olcott lhe conta que Subba Row havia declarado que “se HPB continuar com essa agitação (...), ele não apenas sairá da Sociedade Teosófica, mas levará todos aqueles sobre quem tiver influência a fazer o mesmo.” (Ransom, 228)

 

            Em maio de 1886, quando Olcott conversou com Subba Row sobre a possibilidade de HPB retornar à Índia, ele foi positivamente contrário a seu retorno. Olcott escreve:

 

“Por alguma razão seus sentimentos com relação a ela haviam mudado completamente; ele agora estava positivamente hostil, e protestou dizendo que ela não deveria ser chamada por mais um ou dois anos, de modo a dar tempo para que a animosidade pública amainasse e evitar o escândalo que seria causado pelos missionários, incitando novamente os Coulombs a processá-la por difamação.” (ODL Ill, 372)

 

 

É Necessário uma Natureza Justa para Ficar do Lado da Minoria

 

            Hodgson achou HPB “difícil” por perceber que ela não confiava nele. (Ransom, 217) Suas conversas com Damodar, Subba Row e Bowajee também foram “difíceis”, pois para eles era degradante ter que responder sobre assuntos sagrados. Para os três era preferível calar-se,

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não defendendo HPB, pois divulgar qualquer coisa acerca dos Mestres seria uma vulgar profanação.

 

            Mesmo com Hartmann, enquanto HPB e Olcott estavam Europa, Damodar era bastante reticente, o que deu origem a desentendimentos entre os dois. Hartmann, como presidente do Conselho de Controle da Sede, achava que tinha direito a saber de tudo que ocorria, com o que Damodar não concordava. (Eek 1978, 9) Para Hartmann segredo e sigilo eram sinais de mentira:

 

“Assim, o Sr. Hodgson veio para Adyar. Hartmann começou colocando-o contra Subba Row, Bowajee, Damodar etc., dizendo-lhe que todos eles eram ‘terríveis mentirosos’, desse modo predispondo Hodgson contra as principais testemunhas.” (HPB to Judge, 2)

 

            De acordo com HPB, o Mestre KH atribuiu a Dharbagiri Nath (Bowajee), Damodar e Subba Row dois terços das ilusões que afetaram e prejudicaram o trabalho de Richard Hodgson:

 

“... Mahatma KH sustenta que ele [Dharbagiri Nath], Damodar e Subba Row são responsáveis por dois terços das “mayas” [ilusões] do Sr. Hodgson. Foram eles que, irritados e insultados com sua aparição em Adyar, considerando sua (de Hodgson) investigação detalhada e sua conversa sobre os Mestres – degradante para eles e uma blasfêmia com relação aos Mestres; ao invés de francos com H. [Hodgson] e lhe dizerem abertamente que havia muitas coisas que eles não poderiam lhe contar – continuaram trabalhando para aumentar sua perplexidade, permitindo que ele sugerisse coisas sem as contradizer, fazendo com que ele perdesse completamente o rumo. Veja bem, Hodgson não estava entre os seus: não tinha qualquer ideia do caráter de um verdadeiro hindu – especialmente de um chela – de sua intensa veneração por coisas sagradas, de sua reserva e privacidade em questões religiosas; e eles (nossos hindus) de quem nem mesmo eu jamais ouvi pronunciarem ou mencionarem um dos Mestres pelo nome – foram incitados à fúria ao ouvir Hodgson fazendo tão pouco daqueles nomes – falando de forma zombeteira de ‘KH’ e ‘M’ – etc. com os Oakleys.” (LBS, 122)

 

            Para Subba Row, Madame Blavatsky era culpada por revelar segredos do Ocultismo e, por isso, seria melhor que as pessoas pensassem que ela não estava mais relacionada com os Mestres, duvidando

(p. 269)

dela, para que assim ela não divulgasse mais conhecimentos. HPB escreve a esse respeito para Francesca Arundale e sua mãe, em junho de 1885:

 

“Brâmanes iniciados intransigentes – tais como Subba Row – nunca revelarão nem mesmo aquilo que lhes é permitido revelar. Eles odeiam demais os europeus para isso. Ele não proclamou seriamente para o Sr. e Sra. C.O. [Cooper-Oakley] que eu era, daqui para frente, ‘uma casca desertada e abandonada pelos Mestres?’, Quando eu o censurei por isso, ele respondeu: ‘Você tem sido culpada pelo mais terrível dos crimes. Você tem revelado os segredos do Ocultismo – os mais sagrados e os mais ocultos. Antes seja você sacrificada do que aquilo que jamais deveria ser revelado para mentes europeias. As pessoas tinham excessiva confiança em você. Era tempo de jogar dúvida em suas mentes. De outro modo, eles poderiam ter extraído de você tudo que você sabe.’ E agora ele está agindo sob esse princípio.” (LBS, 95)

 

 

A Tentativa de Abrir os Olhos do Mundo Cego Quase Falhou

 

            Em dezembro de 1884 Subba Row, preocupado com a continuidade da transmissão dos ensinamentos dos Mahatmas, havia proposto a criação de um comitê que teria a função de receber ensinamentos esotéricos dos Mestres e transmiti-los para o “Grupo Interno” da Loja de Londres, além de contribuir com artigos para o The Theosophist.

 

            A proposta foi aceita pelos Mestres e ficou acertado que o material seria transmitido através de Subba Row e Damodar. Também faziam parte do comitê Olcott, Isabel Cooper-Oakley, A.J. Oakley e Ramaswanier Iyer. (Ransom, 206) Porém, os acontecimentos em Adyar impediram que esse projeto pudesse ser levado adiante. Na primavera de 1885, o Mestre KH escreve para Sinnett:

 

“Você deve ter entendido por agora, meu amigo, que a tentativa centenária feita por nós de abrir os olhos do mundo cego quase falhou: na Índia – parcialmente; na Europa, com umas poucas exceções – completamente. Há apenas uma chance de salvação para aqueles que ainda acreditam: unirem-se e enfrentarem a tempestade bravamente. (...)

(p. 270)

            “Assim, meu amigo, chegamos a um fim forçado para as projetadas instruções ocultas. Tudo estava arrumado e preparado. O Comitê secreto apontado para receber nossas cartas e ensinamentos e transmiti-los ao grupo oriental estava pronto, quando alguns europeus – por razões que prefiro não mencionar – tomaram a si mesmos a autoridade de reverter a decisão de todo o Conselho. Eles declinaram (embora a razão que deram seja uma outra) – a receber nossas instruções através de Subba Row e Damodar, sendo o último odiado pelos Srs. Lane-Fox e Hartmann. Subba Row renunciou e Damodar foi para o Tibet. Deverão os nossos hindus ser censurados por isso?” (MLcr., 449)

 

            Após o encontro com os Coulombs, Hodgson fez outras visitas ocasionais a Adyar pedindo a Olcott trechos de seu diário e outras informações que sempre foram fornecidas de boa vontade. Olcott ainda acreditava que Hodgson faria um relatório favorável a eles. Mas Isabel Cooper-Oakley escreve que após umas poucas entrevistas de Hodgson com os Coulombs e os missionários, era evidente que ele estava se voltando contra HPB:

 

“É necessário uma cabeça fria e uma natureza justa para ficar do lado da minoria, e quando o Sr. Hodgson chegou na Índia ele encontrou toda a comunidade anglo-indiana armada contra Madame Blavatsky, por dois pontos principais: (1) porque ela era uma espiã russa; (2) porque ela ficava do lado dos hindus contra os anglo-indianos, se achasse que eles eram injustamente tratados e, sobretudo, porque tinha a coragem de dizer isso. Agora, a posição de um jovem homem que queria ao mesmo tempo fazer a coisa certa e ser popular com a maioria era necessariamente muito difícil, e uma contínua série de jantares não tendia a esclarecer suas visões, pois ele tinha incessantemente em seus ouvidos uma torrente de calúnias contra ela. As investigações do Sr. Hodgson não foram conduzidas com uma mente imparcial, e de ouvir todos dizendo que Madame Blavatsky era uma impostora ele começou a acreditar: após umas poucas entrevistas com Mad. Coulomb e os missionários, vimos que suas opiniões estavam se voltando contra a minoria.” (Some of Her Pupils, 16)

 

 

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