A FALECIDA DRA The Late Mrs. Anna Kingsford, M.D. – Helena Petrovna Blavatsky

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HART, Samuel Hopgood. Edward Maitland – His Life and Work (Vida e Obra de Edward Maitland). Quarterly Transactions of the British College of Psychic Science Ltd. (Atas das Reuniões Trimestrais da Faculdade Britânica de Ciências Psíquicas), Vol. X, No. 4. Janeiro 1932. (pp. 274-283). Mais informações e texto HTML completo, em português, neste site.

 

            Informação: As informações abaixo foram enviadas pelo Sr. Brian MacAllister, que gentilmente fotocopiou e enviou este texto para o Site Anna Kingsford:

            “Este artigo (Vida e Obra de Edward Maitland), de Samuel Hopgood Hart, foi fotocopiado a partir de uma cópia do próprio Sr. Hart das Atas das Reuniões Trimestrais da Faculdade Britânica de Ciências Psíquicas, Vol. X, No. 4, de janeiro de 1932 (pp. 274-283). Ele inclui correções feitas pelo próprio Sr. Hart à mão.”

 

 

 

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VIDA E OBRA DE EDWARD MAITLAND

 

            Edward Maitland, o amigo e colaborador de Anna Kingsford, foi um daqueles grandes homens de nosso tempo que sacrificou sua vida na luta pelas causas do Espiritualismo, do Misticismo e da Humanidade, em oposição ao materialismo prevalecente na ciência e na religião, e em oposição à crueldade e à injustiça, especialmente no que afeta ao mundo animal. Em Maitland, Kingsford encontrou um verdadeiro amigo e valioso colaborador na grande obra à qual, à época em que eles se conheceram, ela havia decidido dedicar sua vida. Eles acreditavam que tinham se unido para uma obra divina que somente eles poderiam realizar.

 

            Conheci Edward Maitland em 1894. Ele era então um homem idoso trabalhando intensamente contra o tempo para completar a biografia de Anna Kingsford, na elaboração da qual ele estava, à época, envolvido, e a qual ele temia não poder viver o suficiente para concluir. O que mais me impressionou foi que nele encontrei um homem que conhecia a verdadee cuja simples palavra bastava para trazer convicção – e, nesse particular aspecto, eu nunca tinha encontrado alguém como ele, nem vim a conhecer outro desde então.

 

            Muito do que ele disse era novo para mim. Não consegui absorver de uma vez o significado completo de tudo, mas sabia que o que ele disse era verdade e tinha o propósito de me pôr no caminho correto. Tenho para com ele um débito de gratidão que jamais poderei pagar. Tive fome e ele me deu de comer; tive sede e ele me deu de beber – pois é isso que seu ensinamento e de Anna Kingsford têm sido para mim, assim como para muitos outros.

 

            Nas páginas de The Perfect Way (O Caminho Perfeito) tomei conhecimento do “Novo Evangelho da Interpretação”, a respeito do qual, quando devidamente compreendido, Edward Maitland disse: “É impossível para a mente discordar dele, assim como é impossível discordar das demonstrações de uma proposição de geometria”.

 

            Ele sustentava que seus escritos e de Anna Kingsford representavam “uma verdadeira re-apresentação da doutrina religiosa a partir de sua fonte original, feita com o objetivo expresso de salvar a religião, por meio da sua interpretação, e desse modo levando a consciência espiritual da raça para um novo e mais elevado estágio em sua evolução.

 

            Edward Maitland disse que a principal ocupação de sua vida era “a busca, sem se importar com as conseqüências, da mais elevada verdade, para os mais elevados propósitos”.

 

            Ele nasceu em 27 de outubro de 1824, em Ipswich, filho do Reverendo Charles David Maitland, que foi o Pároco Vitalício da Capela St. James, em Brighton. Desde tenra idade ele tinha consciência de que tinha uma missão na vida. Quando rapaz, ele não aceitou a crença da rígida seita evangélica à qual seu pai pertencia, e na qual ele foi criado. Desde cedo na vida, ele passou a ver seus preceitos, “especialmente a total dependência do pecado original e do sacrifício vicário, como uma

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posição que não é menos do que uma blasfêmia, tanto contra Deus como contra o homem”. Ele sentia que somente na medida em que ele pudesse ser o meio de abolir “crenças tão degradantes e tão destituídas de qualquer ideal elevado”, sua vida seria bem sucedida e satisfatória para ele mesmo, e lhe parecia que sua própria credibilidade estava em jogo nessa questão. Para ele, ao refutar tais crenças ele estaria reafirmando seu próprio caráter, “pois”, ele disse, “se Deus fosse mau, como essas doutrinas O retratam, eu não teria nenhuma possibilidade de ser bom, uma vez que eu devo ter minha origem Nele; e eu sabia que, por mais fraco e ignorante que eu fosse, eu não era mau”.

 

            Antes de ter conhecido Anna Kingsford sua vida, como a dela, tinha sido de muito isolamento e meditação. Ele se sentia “um estranho mesmo entre os que lhe eram mais íntimos”.

 

Em 1847 ele graduou-se em Cambridge, com o intuito de se ordenar sacerdote, mas logo descobriu que não poderia fazer isso e ficar em paz com sua consciência. Ele sentiu que se comprometer com qualquer condição incompatível com uma absoluta liberdade de pensamento e de expressão seria uma traição a si mesmo e a seus semelhantes, pois ele “estava inclinado a penetrar o segredo das coisas em primeira mão e por meio de um pensamento absolutamente livre”. E ele queria descobrir a verdade não visando nenhum objetivo pessoal.

 

            Almejando afastar-se de seu ambiente e se ver distante de tudo o que lhe havia sido ensinado para tornar sua mente como uma folha em branco, onde pudesse receber impressões verdadeiras em primeira mão, ele juntou-se a uma expedição para as recém descobertas áreas de mineração da Califórnia, e ingressou em um dos grupos dos Forty-niners (dos garimpeiros de 1849) naquele país. Em seguida, viajando de um lugar para o outro, ele permaneceu no exterior, nos continentes e ilhas do Pacífico, por cerca de oito anos, período em que vivenciou “praticamente todo tipo de vicissitudes e condições extremas que podem servir para elevar a consciência, aumentar a fibra e provar a alma do homem”. Mas, disse ele, “durante todas as experiências que passei, a idéia de uma missão permanecia em mim, ganhando força e consistência, até que ficou claro para mim que não simplesmente a destruição, mas sim a construção, não simplesmente a exposição do erro, mas a demonstração da verdade, é que faziam parte dessa missão”.

 

            Quando esteve na Austrália ele se casou, mas ficou viúvo após um ano de vida conjugal. Ao retornar à Inglaterra, em 1857, ele, após certo tempo, dedicou-se à literatura, se esforçando por “explorar a consciência até o seu limite em todas as direções, com o objetivo de descobrir um ponto central, radiante e irrefutável a partir do qual todas as coisas possam ser deduzidas, e em torno do qual, como um pivô, todas as coisas devam depender e girar”.

 

            Nessa época ele lia bastante e andava com muitas pessoas, mas descobriu em sua busca pela verdade que poderia obter o que buscava somente a partir do pensamento, e, nesse sentido, teve que aprender, por meio de amargas experiências, de lutas, de tentações e de provações, que a “própria capacidade de pensar é aperfeiçoada pelos sentimentos, não menos do que pelo pensamento”.

 

            O “ensinamento

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da dor” encontrou assim sua explicação. Ele disse, “fui levado a aprender pela experiência, muito antes dos fatos serem formulados para mim em palavras, que somente ‘pelo moer do exterior, o interior é libertado’, e ‘o homem só está vivo na medida em que ele sentiu’”.

 

            Além de outros problemas, ele sofreu “uma sucessão tão séria de perdas a ponto de reduzir seus meios de subsistência apenas a um mínimo compatível com as necessidades básicas, sem sair do lugar em que vivia.” Durante todo esse período, o que lhe deu forças foi principalmente o pensamento de que seus problemas, “difíceis de suportar como foram, e não merecidos como pareciam ser, poderiam se provar bênçãos disfarçadas, na medida em que poderiam favorecer a realização da principal meta de sua vida, educando-o para ela”.

 

Foi insinuado a Anna Kingsford que para qualificá-lo plenamente para o cumprimento da parte que lhe tocava na obra designada para eles, foi necessário que ele fosse “isolado de todo interesse e de toda ligação que pudesse vinculá-lo ao mundo”; e, se referindo a isso, ele disse que “nenhuma provação foi poupada, nenhuma mortificação foi afastada, para que pudesse favorecer a supressão de todas as tendências incompatíveis”.

 

            No que diz respeito à religião, embora as Escrituras e os dogmas fossem para ele – da forma em que eram apresentados por seus expositores oficiais – algo que ofendia seu raciocínio e revoltava sua consciência, mesmo assim, ele não os via como necessariamente falsos ou indecifráveis. Ele se sentiu inclinado, antes de descartá-los, a descobrir o que realmente significavam. Ele não acreditava na veracidade da apresentação ortodoxa, mas se negava a renunciar aos escritos originais, nos quais essa apresentação se baseava, até estar convencido de que tinha chegado ao seus verdadeiros significados.

 

            Para ele, a verdadeira religião deve ser “idealmente completa, de acordo com o mais perfeito ideal que possamos conceber”, e “os meios para que o homem possa alcançar a perfeição devem ser inerentes a esse sistema religioso. O homem deve ser capaz de aplicar esses meios efetivamente por si mesmo (...) e tal sistema deve dar ao homem o tempo e as oportunidades suficientes para a descoberta, a compreensão e a aplicação de tais meios”.

 

            Essa era a visão de Edward Maitland em janeiro de 1874, quando conheceu Anna Kingsford. No mês seguinte, em resposta a um convite dela e de seu esposo (o Reverendo Algernon G. Kingsford), ele os visitou em sua residência paroquial em Shropshire, ficando com eles por aproximadamente duas semanas.

 

            Durante o período que se passou desde seu retorno para a Inglaterra, vindo da Austrália, ele tinha se tornado famoso como o autor de três romances: The Pilgrim and the Shrine (O Peregrino e o Santuário), publicado em 1868 e essencialmente autobiográfico; Higher Law (A Lei Superior); e, By and By, an Historical Romance of the Future (Dentro em Breve: um Romance Histórico do Futuro). E na época em que se conheceram ele estava escrevendo The Keys of the Creeds (As Chaves dos Credos), que foi publicado no ano seguinte; um livro, ele disse, que “o elevou ao véu que divide aquilo que pode ser conhecido pelos sentidos daquilo que é realmente espiritual”.

 

            O encontro entre Anna Kingsford e Edward Maitland marcou uma

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nova fase na vida de ambos. Um efeito disso foi seu engajamento na causa da defesa dos animais, especialmente, na luta contra a vivissecção, a respeito da qual ele, na época, tomou consciência. Daquela ocasião em diante, no campo moral, bem como em outros campos, ele se tornou um dos mais engajados opositores da vivissecção, a qual ele via como o resultado lógico e inevitável do materialismo, que até aquele momento ele rejeitava apenas em bases intelectuais.

 

            Dali em diante, ele resolveu fazer da abolição da vivissecção, e do sistema representado por ela, a meta principal de sua vida e de sua obra. Ele reconheceu nisso “uma extensão, para o plano da ciência, do princípio que o tinha revoltado fortemente no plano da religião, que é o do sacrifício vicário – o princípio de buscar sua própria salvação por meio do sacrifício de outrem, e esse sendo um inocente”.

 

            Os resultados iniciais dessa colaboração com Anna Kingsford foram algumas cartas que ele escreveu sobre The Doctors and the Vivisection Bill” (Os Médicos e a Lei Contra a Vivissecção), que foram publicadas na revista Examiner em junho de 1876. O impacto desses textos foi imenso. Eles foram reimpressos por uma série de associações, bem como por indivíduos privadamente, e foram distribuídos às dezenas de milhares.

 

            Outro efeito desse encontro foi a adoção por Maitland do tipo de regime alimentar de Anna Kingsford, que era vegetariana. Embora ele nunca estivesse satisfeito com a forma predominante de nutrir nossos organismos, um fator muito importante para que ele realizasse essa mudança alimentar foi por sentir que “somente como alguém que se abstém de se alimentar de carne ele poderia, com plena coerência, combater a vivissecção”.

 

            Algumas semanas após sua visita à residência paroquial de Shropshire, ele recebeu do Sr. Kingsford uma carta pedindo-lhe que acompanhasse sua esposa até Paris, aonde ela teria de ir por alguns dias com o propósito de se inscrever como aluna da Universidade de Paris. Do contrário, se isso não fosse possível, ela teria de abandonar a idéia de uma carreira médica, que ela tinha escolhido. Ele (o Sr. Kingsford) não poderia permitir que ela fosse sozinha e desprotegida, e não havia ninguém, naquela ocasião, mais adequado e disponível para essa tarefa.

 

            Maitland ficou contente em fazer companhia para Anna Kingsford nessa ocasião, como também durante o curso de Medicina da Universidade de Paris, pois, várias vezes, quando ela tinha que estar em Paris, ele, sob pedido semelhante, desempenhou esse mesmo papel. Dessa maneira eles tiveram a oportunidade de uma proximidade que era necessária para lhes permitir realizar sua missão conjunta – uma missão que, segundo lhes foi garantido, representava uma obra divina que nenhum dos dois poderia ter realizado sem a participação e a ajuda do outro. A obra especial para a qual eles tinham se associado não permitiu, à medida que o tempo passou, nenhum distanciamento prolongado, e a “força das circunstâncias”, quando a sua reunião era necessária, sempre os aproximava.

 

            No verão de 1874 ele deixou Brighton, onde esteve vivendo por algum tempo, mudando-se para acomodações em Londres, tornando assim possível encontrar-se

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com Anna Kingsford com mais frequência durante suas visitas à cidade, aonde, de tempos em tempos, ela tinha de ir para ter aulas particulares, quando não estava envolvida em seu curso de Medicina em Paris.

 

            Em 1875 ele estava estudando os diversos sistemas religiosos da antiguidade, visando apurar até que ponto eles possuíam em comum alguma idéia central dominante, e até que ponto tal idéia (se possuída por eles) estava relacionada à consciência do homem acerca de sua própria natureza e necessidades. Nesse estudo, se tornou evidente para ele que – se construída para o benefício do homem, considerado como um ser permanente – a Religião deve ter como sua temática e seu objetivo a parte permanente do homem, ou “alma”, e que “somente trata-se de religião, em qualquer sentido verdadeiro e digno, aquela que consiste no cultivo da alma”.

 

            Durante esse tempo ele segue seu novo tipo de dieta [vegetariana], e ficou feliz ao perceber que estava desenvolvendo “uma faculdade notavelmente aumentada de ideação [percepção mental], que se manifestava como um poder de insight acerca de problemas que até então tinham desafiado a sua compreensão”.

 

            Ao falar, em 1876, sobre a mudança de condição que vinha gradualmente acontecendo nele, ele disse que:

 

“Consistia de um aprimoramento de faculdade tão notável quanto inesperado, em virtude da qual eu me descobri senhor de problemas que anteriormente me deixavam perplexo, e capaz de discernir claramente diante de meus olhos mentais, amplos e luminosos panoramas de pensamento, alcançando grandes distâncias em direção ao próprio centro do Ser, fazendo, assim, uma ponte sobre o abismo entre o real e o aparente, ao ponto de expor a sua igualdade essencial, convertendo todas as coisas à unidade. O processo de aprimoramento não ficou confinado apenas à natureza intelectual, ele abrangeu também a natureza emocional, a afetiva, a moral e a Espiritual”. [The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford), vol. I, cap. 7, p. 90]

 

            A barreira que dividia o mundo dos sentidos do mundo do espírito foi rompida. O pensador havia se tornado um vidente. Pois, ele diz:

 

“Me descobri dotado de um novo sentido, e um que, ainda que eu soubesse que ele existia, jamais tinha me julgado capaz de tê-lo. Nem era eu apenas um vidente, pois eu tinha me tornado espiritualmente sensível com respeito ao tato e à audição, bem como à visão, e estava com a percepção aberta para um mundo que eu não tinha nenhuma dificuldade de reconhecer como sendo de natureza celestial”. [The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford), vol. I, cap. 7, p. 90]

 

            Muitos exemplos dessa faculdade recém desenvolvida são dados na obra The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford). Ao falar de suas experiências espirituais, Edward Maitland diz:

 

“(...) com tal poder e plenitude [essas faculdades] nos foram concedidas que ter duvidado da realidade do mundo espiritual, ao qual elas pertencem, teria sido como nos deixar sem razão para acreditar na realidade do próprio mundo físico, uma vez que as evidências em relação ao primeiro não eram menos afirmativas do que em relação ao último”. [The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford), vol. I, cap. 7, p. 90]

 

            E essas experiências, que então se multiplicaram para ele, vieram:

 

“(...) não em resposta a qualquer tentativa de obter manifestações fenomênicas, ou ao desejo de tê-las, mas simplesmente no curso de uma intensa orientação da mente em direção ao que é espiritual e essencial a respeito da verdade”. [The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford), vol. I, cap. 7, p. 90]

 

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            No mesmo ano seus estudos começaram a tomar forma em um livro tendo por título The Finding of Christ, the Completion of the lntuition, and the Restoration of the Ideal” (A Descoberta de Cristo, A Realização da Intuição e a Restauração do Ideal). Não lhe foi permitido concluir esse livro, mas ele serviu como uma preparação e ofereceu material para a contribuição que veio a fazer nas palestras dadas por ele e por Anna Kingsford sobre o Cristianismo esotérico, as quais depois foram publicadas sob o título de The Perfect Way (O Caminho Perfeito), um livro bem conhecido e que foi o principal fruto de seu trabalho conjunto.

 

            Uma coisa ficou clara para ele: não obstante a crise em seus negócios mencionados acima, não lhe foi permitido escrever por dinheiro. Ao fazer a tentativa, ele sofreu “uma perda completa de força mental e física.” Foi sob essas condições que ele escreveu England and Islam, or the Counsel of Caiaphas (A Inglaterra e o Islã, ou o Conselho de Caifás), um livro que, ele disse, foi escrito “em um estado de intenso esforço físico e mental, sob um verdadeiro batismo do Espírito, como um batismo de fogo”. Seu propósito era o de suscitar no país uma noção do perigo do domínio do materialismo, tanto na ciência como na política, que estava então sendo impingido sobre ele. Sua publicação concluiu sua inabilitação para qualquer carreira que fosse meramente literária ou social, de modo que a partir dali, como ele colocou, “nada lhe era permitido que o afastasse de realizar seu trabalho espiritual”.

 

            Levou algum tempo até que ele pudesse se reconciliar com a total inabilitação para obter quaisquer ganhos materiais, mas não lhe foi permitido entregar-se a fazer o que não fosse para o progresso de sua obra espiritual. Nessa e em outras questões ele aprendeu por experiência própria que aqueles que o mantinham sob sua guarda, “não eram menos competentes em impedir e obrigar do que em instruir e aconselhar”.

 

            O grande problema que ele então tinha em vista era “o conceito filosófico subjacente à idéia de Cristo”. Esse problema ele resolveu invertendo a hipótese materialista, ou seja, derivando todas as coisas a partir da consciência, a tornando o Ser Original, do qual todas as coisas são modalidades de funcionamento. “O reconhecimento da universalidade da consciência, e, nesse sentido, da consciência como a condição do Ser, (...) tornou Cristo compreensível como representando o pleno desenvolvimento da consciência no estado individualizado, até o ponto da realização da consciência de Deus, enquanto ainda no corpo”.

 

            A doutrina da identidade essencial (substancial) de Deus e do homem tornou-se a idéia fundamental de sua obra. O espiritual e interno eu substancial, engendrado dentro da personalidade física fenomênica, quando finalmente aperfeiçoado – por estar unido a Deus – se constitui no “Cristo dentro de nós” de São Paulo, e no renascimento do homem em um plano que transcende o material.

 

            Com o aperfeiçoamento de sua consciência espiritual e o recebimento de comunicações de fontes espirituais, uma verdade lhe foi revelada plenamente – “a presença nas Escrituras de um sentido místico escondido dentro do sentido aparente, como uma

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noz dentro de sua casca, o qual é o sentido pretendido, e não o sentido literal”.

 

            Ele insistiu na natureza puramente espiritual da verdade religiosa e na identidade interna das religiões antigas, não sendo as diferenças externas de nenhuma importância vital; tudo que é essencial em religião não sendo de uma natureza histórica. “Não são pessoas, mas sim princípios que a Revelação tem a função de afirmar e exaltar, sendo que as pessoas são importantes apenas na medida em que exemplificam princípios (...). A exaltação de pessoas no lugar de princípios é precisamente o que constitui idolatria, na mesma medida em que isso implica a preferência da forma em lugar da substância, da aparência no lugar da realidade”.

 

            Materializar mistérios espirituais é construir um ídolo. “São idólatras aqueles que entendem como sendo coisas dos sentidos, onde tão somente as coisas do Espírito são referidas.”

 

            Com relação a seitas e igrejas, ele manteve uma posição de “independência em relação a todas as comunhões visíveis”, contentando-se em saber-se, como ele disse, “um membro da Igreja Invisível, e não se identificando com nenhuma subdivisão em particular da Igreja Visível”. Na apatia das Igrejas diante da vivissecção, ele via o que descreveu como “a morte moral e espiritual que se abateu sobre o que ainda é chamado de Cristianismo”.

 

            Ele também foi levado a “reconhecer como fatos positivos as doutrinas, em primeiro lugar, da Reencarnação e da capacidade da alma de recuperar, enquanto no corpo, a memória de coisas aprendidas e de experiências vivenciadas em vidas anteriores, e de comunicá-las a seu titular e, em segundo lugar, a doutrina da sobrevivência, por um período indefinido, das imagens de eventos ocorridos sobre a terra, na luz astral ou memória do planeta, chamada de anima mundi; imagens as quais podem ser alcançadas e observadas. Foi-lhe dito que ele havido encarnado muitas vezes e que as “pessoas vão encarnando enquanto houver uma experiência a ser adquirida na vida corpórea, por meio da qual elas possam se beneficiar espiritualmente.”

 

            Uma de suas experiências – “cuja solenidade e importância”, ele diz, “não pode ser subestimada, quer com relação à sua própria natureza, quer com relação à sua importância para a obra deles” – foi causada pela polarização de todos os raios convergentes de sua consciência com o foco no plano mais elevado de seu ser. Em tal condição ele diz: “me vi diante de uma glória de indizível clareza e brilho, e de uma luminosidade tão intensa quase a ponto de me repelir (...) Eu sabia que se tratava do “Grande Trono Branco” do vidente do Apocalipse. Mas, embora sentindo que eu não tinha necessidade de explorar mais adiante, resolvi me certificar duplamente, penetrando, se eu conseguisse, na luminosidade quase cegante, e ver o que ela abrigava. Com um grande esforço eu consegui e o vislumbre me revelou aquilo que eu senti que deveria estar ali. Ali estava a forma dual do Filho, o Verbo, o Logos, o Adonai, “Aquele que está sentado no Trono”, a primeira formulação da Divindade, o imanifesto tornado manifesto, o não formulado tornado formulado, o não individualizado

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tornado individualizado, Deus como o Senhor, provando por Sua dualidade, que Deus é Substância, bem como Força, Amor, bem como Vontade, feminino, bem como masculino, Mãe, bem como Pai”. Sob esse súbito arrebatamento de iluminação, ele tornou-se “absolutamente consciente da verdade da doutrina da Dualidade na Unidade da Deidade, à qual corresponde aquela existente na humanidade, ambas do mesmo modo sendo duas na unidade”.

 

            Seu trabalho exigia o desenvolvimento da compreensão e a exaltação do ponto perceptivo da mente até os mais altos níveis do pensamento, e isso tinha de ser feito primeiramente em si mesmo, sendo os supremos meios para esse fim a “purificação e intensificação da consciência e da vontade”. “O primeiro e mais essencial passo para a realização pelo homem de sua própria divindade é a purificação do corpo e da mente.” A respeito da importância que seus iluminadores atribuíam à qualidade de sua alimentação e à inclinação de seus sentimentos, ele teve repetidas provas. No que diz respeito ao alimento, lhe foi dito que “a dieta perfeita para o homem são os grãos, o suco das frutas, e o óleo das castanhas”.

 

            Em 1877, ele estava envolvido em escrever um livro contendo um registro das suas experiências e de Anna Kingsford, que no devido tempo foi publicado com o título de The Soul and How it Found Me (A Alma e Como Ela Me Encontrou). Esse livro desde muito tempo está sem ser reimpresso, e o que tinha nele de valor permanente foi incorporado na obra The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford). A imprensa materialista da sua época (quer secular ou religiosa) recebeu o livro com deturpações e omissão das verdades que ele continha.

 

            Em 1880, Anna Kingsford tendo completado seu curso e obtido seu diploma de médica, eles estavam livres para assumir a tarefa da sua missão conjunta, para a qual eles tinham sido preparados, e para propagarem o ensinamento que eles tinham recebido.

 

            Em um comunicado que se afirmava vir de Swedenborg, lhes foi dito para iniciarem seu programa de ações por meio de “algumas palestras para audiências seletas”. Em consequência disso, providenciou-se uma sala em Londres para esse propósito; e lá, no ano seguinte, eles deram aquelas palestras sobre Cristianismo esotérico, que se constituiu na primeira formulação da doutrina confiada a eles por seus iluminadores espirituais, cuja promoção visava ser um golpe mortal no sistema materialista e idólatra, então predominante na Igreja, no Estado e na Sociedade – na Religião e na Ciência.

 

            Essas palestras – se constituindo num “Novo Evangelho da Interpretação”, e “desvelando as Bíblias do Ocidente” – foram depois publicadas com o título de The Perfect Way; or, the Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo). A obra somente pode ser concluída mediante um custo elevadíssimo de esforço e sofrimento, e representou “o próprio sangue vital de suas almas derramado para a redenção do mundo”. Anna Kingsford, estando em um estado de iluminação, disse: “Vejo um tênue fio de luz brilhante. Esse é o nosso caminho; e é um caminho de luz. Mas, oh, tão estreito, tão estreito! E por todos os lados há espíritos tentando nos iludir para nos afastarmos dele”.

 

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            Após a publicação do The Perfect Way (O Caminho Perfeito), o conhecido C. C. Massey os convidou a fazerem parte da Sociedade Teosófica Britânica, da qual ele era então o Presidente. Após hesitarem um pouco, eles consentiram; e, em janeiro de 1893, Anna Kingsford foi, sob indicação de Massey, eleita Presidente e Edward Maitland Vice-Presidente da Sociedade, que depois ficou conhecida como Loja de Londres da Sociedade Teosófica.

 

            A publicação, pouco depois, da obra O Budismo Esotérico do Sr. Sinnett, alterou o estado das coisas da Sociedade Teosófica Britânica, e a discordância de Kingsford e Maitland com parte do conteúdo dessa obra, e com a atitude da Sociedade Teosófica em relação aos alegados Mahatmas, além da aberta hostilidade do Sr. Sinnett em relação a eles e ao que eles representavam, tornou impossível para eles continuarem como líderes de uma Sociedade cuja maioria dos membros à época favorecia o Sr. Sinnett e seu ensinamento; e, consequentemente, em 1884, eles primeiro deixaram as posições de Presidente e Vice-Presidente, respectivamente, e depois se desassociaram da Loja, e fundaram a Sociedade Hermética, na qual eles e seus apoiadores buscaram uma plataforma independente para seus ensinamentos.

 

            Essa Sociedade continuou até 1887, quando a frágil saúde de Anna Kingsford a impediu de continuar esse trabalho, e ela foi encerrada. Enquanto a Sociedade Hermética existiu, Edward Maitland ali apresentou ensaios sobre assuntos como Filosofia Hermética, Revelação, Místicos e Materialistas, Misticismo, A Simbologia do Velho Testamento, A Intenção e o Método dos Evangelhos, Alquimia Elevada, etc.

 

            Após a morte de Anna Kingsford, em fevereiro de 1888, Edward Maitland passou os anos restantes de sua vida dedicados a escrever e dar palestras. Ele também editou a obra Dreams and Dream-Stories (Sonhos e Estórias de Sonhos), assim como a obra que contém as iluminações de Anna Kingsford, Clothed with the Sun (Vestida com o Sol); e ele mesmo escreveu as obras The Bible’s Own Account of Itself (O Relato da Própria Bíblia sobre Si Mesma), The New Gospel of Interpretation (O Novo Evangelho de Interpretação), e The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford), de onde retiramos a maior parte do que acima está escrito.

 

            Em todos esses trabalhos ele continuou a ter a ajuda e o apoio de Anna Kingsford – cuja morte a havia libertado de um corpo enfermo e sofrido, o qual por algum tempo tinha impedido a ambos de realizar qualquer trabalho – pois, após sua morte, ela permaneceu em contado com ele “voluntariamente, com o propósito de fazer o bem”.

 

            Em novembro de 1891, uma pequena Sociedade, conhecida como A União Cristã Esotérica, com Edward Maitland como Presidente, foi formada com o fim de divulgar o “Novo Evangelho da Interpretação” do qual ele e Anna Kingsford tinham sido os recebedores, mas por ocasião de sua morte, que ocorreu em 2 de outubro de 1897, essa associação tinha praticamente cessado de existir.

 

            Próximo ao fim de sua vida Edward Maitland disse: “Posso afirmar com segurança que, por mais obscuro, difícil e doloroso que tenha sido o nosso caminho, não houve um só instante em que eu quisesse fraquejar ou voltar atrás, tão absoluta era minha confiança, o tempo todo, no caráter divino

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de nossa missão, tão grande era a alegria que sentia em sua realização”.

 

            Se me fosse pedido resumir em uma pequena frase seu ensinamento, essa frase seria: “o reino de Deus está dentro de vós” [Lucas 17:21]. O Cristo espiritual é a real essência do Cristianismo, assim como é o tema dos Evangelhos, e é apenas através da identidade na condição do Deus interno e do Deus externo que os dois podem se unir e se fundir.

 

            Setembro de 1931.

                                                                                   SAMUEL HOPGOOD HART.  

 

 

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