A FALECIDA DRA The Late Mrs. Anna Kingsford, M.D. – Helena Petrovna Blavatsky

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HART, Samuel Hopgood. Anna Kingsford: Her Life and Work (Vida e Obra de Anna Kingsford). Folheto. Parte do conteúdo desse folheto foi originalmente apresentado em artigos na revista Light de setembro de 1930, pp. 472, 486 e 508.

 

Informação: [As informações abaixo foram enviadas pelo Sr. Brian MacAllister, que gentilmente fotocopiou e enviou este texto para o Site da Anna Kingsford].

            “Este artigo (Vida e Obra de Anna Kingsford) de Samuel Hopgood Hart foi fotocopiado a partir de uma cópia do folheto do próprio Sr. Hart, conforme ele foi publicado. Parte do conteúdo desse folheto foi originalmente publicada em artigos na revista espírita Light, de setembro de 1930, pp. 472, 486 e 508”.

 

 

 

VIDA E OBRA DE

ANNA KINGSFORD

 

Samuel Hopgood Hart

 

 

            ANNA KINGSFORD nasceu em Maryland Point, Stratford, em Essex, em 16 de setembro de 1846. Ela faleceu em 22 de fevereiro de 1888, numa idade relativamente ainda jovem, com quarenta e um anos. Mas, durante sua curta vida, que grande obra ela realizou! Os benefícios desse trabalho nós hoje estamos colhendo, embora muitos não o saibam. Felizmente, seu amigo e colaborador, Edward Maitland, deixou para nós, em sua última e mais notável obra The Life of Anna Kingsford (A Vida de Anna Kingsford), que foi publicada alguns anos após a morte dela, um registro de sua vida e de seu ensinamento, cujo valor e importância não se pode medir. O livro foi escrito como a história de uma alma e, assim, trata-se de um livro que Edward Maitland estava certo de que iria educar mais o mundo do que todos os outros, mostrando como a vida divina pode ser vivida e as faculdades que se abrem para a verdade divina, e que para obter aquela verdade a vida divina deve ser vivida.

 

            Dentre as pessoas notáveis (além de Edward Maitland) que conheceram e deixaram registros de Anna Kingsford, o finado W.T. Stead, que é bem conhecido dos leitores desse periódico, em sua Revista das Resenhas (de 15 de janeiro de 1896, p. 75) assim escreveu: – “Me lembro de Anna Kingsford: Quem a conheceu jamais pode esquecer aquela maravilhosa corporificação de uma chama ardente em forma de uma mulher, divinamente alta e não menos divinamente bela! Creio que faz apenas dez anos desde que a conheci. Foi no escritório do Pall Mall Gazette, do qual eu era o editor naqueles dias. Ela nem sempre apreciava os títulos que eu colocava nos seus artigos. Ela era tão inocente como o autor do The Bothie of Tober-na-Vuolich quanto à necessidade de rotular os produtos em sua vitrine de tal maneira que atraia atenção, mas nós sempre chegávamos a um acordo, sendo unidos pelo forte laço de antipatias em comum. Eu a vi uma vez em sua própria casa, quando, se bem me lembro, ela usava uma brilhante flor vermelha – pensei que era um grande gladíolo, mas pode ter sido um cactos, que estava sobre seu busto como uma espada flamejante. Seus movimentos tinham algo

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da graça e majestade que associamos aos deuses gregos; e quanto à sua fala – bem, eu já conversei com muitos dos homens e mulheres que nessa geração tinham a reputação de serem os maiores oradores, mas jamais em minha vida conheci alguém igual a Anna Kingsford. De sua boca eloquente tal como em um rio, ‘forte e sem fúria, pleno e sem transbordar’, fluíam suas frases em uma corrente incessante. Sua fala era literatura. Se um gramofone fosse montado diante dela de modo a ficar constantemente gravando, seus cilindros poderiam ser levados para a gráfica, e o texto poderia ser impresso sem revisão ou alteração. Ela nunca ficava procurando uma palavra e suas frases nunca ficavam confusas, ou tinha que ser interrompidas para encontrar uma ilustração. Após algum tempo era algo impressionante. Parecia impossível ela interromper esse fluxo, pois você parecia sentir que por mais rica que fosse sua fala, era como um córrego vertendo um oceano que ficava atrás.

 

            Anna Kingsford era a mais jovem de doze filhos, e nasceu muito depois de seu irmão imediatamente anterior. Seu pai foi John Bonus, um comerciante próspero e dono de navios na cidade de Londres. Sua mãe, cujo nome de solteira era Schroder, tinha ascendência tanto irlandesa quanto alemã.

 

            Ela herdou de seu pai uma constituição física muito frágil desde o nascimento. Porém, ela não herdou de nenhum ancestral as faculdades, as tendências, ou as características que manifestou durante a vida. Sobre essas, Edward Maitland disse que lhe eram inteiramente próprias, e “não se deviam à hereditariedade física, mas sim à espiritual, àquela de suas próprias existências anteriores”.

 

            Em sua infância, que foi de solidão e isolamento, sua principal diversão era se soltar no jardim onde se diz que:

 

“(...) ela se misturava com as flores como se fosse uma delas, conversando com elas como seres conscientes. Ela colocava em suas pétalas pequenas mensagens dirigidas às fadas, com as quais sua imaginação se ocupava e com as quais, em virtude de sua própria semelhança física com elas, de seu abundante cabelo dourado, de seus profundos olhos castanhos claros, ora atentos ora sonhadores, ela podia bem alegar ter afinidade. Na verdade, nesses primeiros anos ela costumava declarar ser realmente uma delas, pertencendo à linhagem das fadas, e não à humana, tendo consigo uma convicção secreta de que era filha de seus pais apenas de forma adotiva, tendo o seu verdadeiro lar no mundo das fadas. Ela podia até se lembrar, assim acreditava, de sua última audiência com a rainha daquela adorável região, das preces com

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as quais ela buscou permissão para visitar a Terra, e dos avisos solenes que ela recebeu sobre o sofrimento e trabalhos árduos pelos quais teria de passar ao assumir um corpo humano, o qual, em seu caso, lhe foi assegurado, excederia grandemente àqueles comumente concedidos aos mortais. Mas ela insistiu em vir, sendo impelida por uma sensação dominante de ter que realizar uma obra grande e necessária, tanto em seu próprio benefício quanto de outros seres, e que somente ela poderia realizar. E sua vinda não a tinha separado de suas irmãs fadas, pois elas poderiam visitá-la em seus sonhos. Tão reais foram essas impressões que, quando levada pela primeira vez para ver uma pantomima, a visão das fadas em seus trajes flutuantes e suas moradas florais foi o sinal para ela declarar em voz alta que elas eram o seu verdadeiro povo, e que ela pertencia a elas, assim como para gritar e se debater tão veementemente, tentando estar com elas, que foi necessário tirá-la do teatro”.

 

            Quando foi crescendo, ela lia vorazmente, mas com uma peculiaridade – “tudo o que ela lia já lhe soava familiar, de modo que se sentia como se estivesse recuperando velhas recordações, ao invés de estar adquirindo novos conhecimentos”. A faculdade da vidência havia se manifestado em uma idade muito tenra, e lhe trouxe problemas com seus pais, os quais a censuravam como se ela fosse responsável pelos eventos que ela tinha previsto, e as “demonstrações de faculdades anormais resultavam em consultas ao médico da família, com resultados ao mesmo tempo desagradáveis e injuriosos para ela”.

 

            Suas aptidões para música, canto, desenho e pintura foram tais que trouxeram, por parte de seus professores, fortes recomendações para uma carreira profissional, mas com o único resultado de interromperem suas aulas, por medo de que ela fosse induzida pela sua consciência de sua habilidade a adotar tais sugestões.

 

            Sob condições tão adversas ao desenvolvimento como essas, ela voltou sua atenção para a escrita, e foi principalmente nos versos que ela primeiro buscou refugiar-se do ambiente que lhe era hostil, bem como expressão para suas idéias. A qualidade de seus poemas, quando era ainda uma criança, foi tal que lhe abriu espaço em várias revistas. Seu primeiro livro foi escrito aos treze anos. Sua composição, ela disse, já veio pronta, e ela só tinha que escrevê-la. Um pequeno volume com seus poemas, todos escritos antes dos dezessete anos, foi publicado após a morte de seu pai, que ocorreu em 1865, e foi dedicado em sua memória.

 

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            Sua adolescência não parece ter sido mais feliz do que sua infância. Ela foi enviada a uma escola tradicional em Brighton para “concluir sua educação”, onde “eles confundiram os anseios de uma natureza grandiosa e altamente vivificada em busca de expansão e desenvolvimento, com os caprichos de uma rebelde contra todas as convenções sociais, e por isso a viam como alguém cujo exemplo seria sempre pernicioso para os demais”. Embora ela tivesse uma vontade forte e um discernimento independente, ela estava “voltada para a busca dos significado das coisas em contraposição às suas aparências” e “não dava atenção para a opinião das pessoas, quando se tratava de uma questão de princípios”, e ela fortemente se ressentia quando se deparava com a injustiça e a opressão.

 

            Assim, embora seus talentos fossem reconhecidos, seu caráter era mal interpretado. Lemos que “sua curiosidade a respeito de assuntos religiosos era um forte motivo de ofensa; e algumas das reprimendas mais severas sofridas na escola decorreram de sua persistência em pedir explicações – aos sacerdotes que supervisionavam aquela parte do currículo da escola – a respeito da lógica das doutrinas por eles incutidas. Não se podia fazê-la entender porque o desejo de compreender, tão louvável com relação a outras disciplinas, deveria, no caso da religião, ser considerado como uma impertinência e até mesmo uma irreverência”.

 

            Em anos posteriores, em um momento de doença e grande tristeza, percebendo que uma vida de incessantes esforços, críticas e solidão a esperava se ela continuasse a luta contra a crueldade e injustiça, à qual ela tinha dedicado sua vida, e olhando em retrospectiva para a época de sua adolescência e infância, ela escreveu: “eu anseio por um pouco de sossego e paz. O mundo ficou muito amargo para mim. Eu sinto como se todos estivessem mortos (...) E atrás de mim, quando olho para trás para o caminho que trilhei, tudo é tempestade e escuridão. Enfrentei a duras penas o caminho solitário e melancólico da minha infância; e assim também se deu ao longo da minha adolescência, sempre incompreendida e desacreditada; e agora, na minha idade adulta, ainda sigo lutando. De todos os lados a minha volta, encontro censura e desconfiança, e amarga e prolongada tristeza. Dor e sofrimento, do corpo e do espírito, estão presentes em meus passos durante todos os anos de minha vida. Não tive nenhum período de alívio. Será que nunca terei paz? Será que nunca haverá um período de sol que me torne alegre com o meu viver?”

 

            Cerca de dois anos após a morte de seu pai, ela teve a felicidade de conhecer a Senhorita Theobald, uma renomada

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espírita que morava em Hastings, para onde a família Bonus tinha então se mudado, e por meio dela ela obteve uma introdução ao Espiritismo. Na Senhorita Theobald ela encontrara alguém em quem podia confiar. A ela contou das visões que tinha tido por toda a sua vida, como os médicos haviam afirmado que elas decorriam de uma super-excitação do cérebro e como ela tinha, como tantos outros, sofrido muito com os médicos, e não encontrara nenhum que lhe fizesse bem”. Mas ela disse, “Eu sei que isso não é fantasia. Eu tenho certeza de que vejo todas essas coisas; e isso não é causado por doença”.

 

            Como resultado desse encontro com a Senhorita Theobald, ela adquiriu a certeza da imortalidade de alma, coisa que, até essa época, ela tinha dúvidas. Ela tinha perguntado à Senhorita Theobald se ela podia obter uma mensagem para ela, e veio uma mensagem, dizendo ser de seu pai, que afirmava “o quanto ele sentia por tê-la criado com tão errôneas idéias, e a encorajava a investigar o Espiritismo, pois ele traria evidência da vida após a morte, e de seu próprio poder de vir até ela e de ajudá-la”. A Senhorita Theobald disse que essa mensagem “foi recebida por ela com convicção. Que ela acreditou nela e a aceitou como genuína”.

 

            Um passo importante na vida de Anna Kingsford foi seu casamento. Em 31 de outubro de 1867 ela se casou com seu primo Algernon Godfrey Kingsford, o qual, pouco depois, decidiu seguir o sacerdócio. Isso exigiu que ele estudasse teologia, no que ele foi acompanhado por sua esposa, que assim obteve um “pleno domínio da teologia anglicana”.

 

            Nessa época ela teve uma grave doença que teve o efeito de intensificar sua faculdade espiritual, elevando-a até uma esfera mais distintamente religiosa “onde vislumbres foram obtidos de interpretações e correspondências que até então eram desconhecidos para ela, sendo que um efeito especial foi imprimir nela uma forte aversão ao sistema religioso em que ela tinha sido criada, por sua dureza, frieza, insuficiência e total falta de relação com suas próprias necessidades espirituais, sejam intelectuais ou emocionais”.

 

            O próximo passo importante em sua vida ocorreu em 1870, quanto ela ingressou na Igreja Católica Romana. Através de um pequeno número de amigos católicos, ela tinha obtido algum conhecimento acerca da Igreja deles, e tinha aprendido a apreciar a atmosfera, ao mesmo tempo devocional e artística, que os circundava, em contraste ao que ela tinha experimentado

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entre aqueles de sua própria religião. Mas a causa determinante de sua decisão foi de um tipo anormal. “Foi devido a ela ter recebido visitas noturnas, três em número, de uma aparição alegando ser Santa Maria Madalena, que se anunciou como a patronesse das almas de sua Ordem, e pediu que ela se juntasse à comunhão Romana, como um passo necessário para o trabalho que lhe estava reservado no futuro, cuja natureza lhe seria comunicada no seu devido tempo. Isso a levou a buscar aconselhamento com um padre, que lhe disse que sua experiência, ainda que rara, era reconhecida pela Igreja como sendo natural e lícita, e como um signo de especial graça e obséquio, e “de um tipo que não poderia ser desconsiderada sem grave responsabilidade”.

 

            Ao comentar sobre isso, Edward Maitland diz:

 

            “Assim foi realizado o segundo grande passo no que se provou ser sua preparação para a tarefa que a aguardava; pois ao seu conhecimento da teologia anglicana ela agora adicionou aquele da doutrina católica, ao realizar um estudo dessa última tão criterioso quanto o da primeira. Deve ser esclarecido, contudo, em face aos seus desenvolvimentos posteriores, que nenhuma questão ainda havia surgido para ela quanto à distinção entre as duas formas de apresentar o Cristianismo, a eclesiástica e a mística.

            Ela aceitou a Romana em contraposição à Protestante, a católica (ou universal) em contraposição à sectária, a estética e emocional em contraposição à não artística e formal – não a sacerdotal e objetiva em contraposição à espiritual e subjetiva. Pois ela ainda não estava cônscia acerca da existência dessa outra forma de apresentação do Cristianismo. Durante esse período ela manteve completa independência, tanto de pensamento quanto de ação, recusando orientação espiritual e participando dos ofícios da Igreja tão somente quando sentia vontade de assim fazer”.

 

            Três anos depois, em uma carta para Edward Maitland, ela disse: “Por adoção e profissão eu sou um membro daquela mais conservadora das igrejas, a Católica Romana, mas por convicção eu sou antes uma panteísta do que qualquer outra coisa, e meu modo de vida é o de quem segue a dieta vegetariana”. Foi posteriormente mostrado a ela que a Igreja Católica tinha toda a verdade em forma de parábola, que a verdade era inteiramente espiritual, e que a Igreja a tinha materializado.

 

            Estando completamente imbuída da idéia que a havia conquistado a respeito da obra que lhe estava reservada, ela impôs uma condição especial para seu casamento, a de que ela não fosse tolhida em relação a nenhuma carreira que ela pudesse vir

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a escolher – uma condição que, deve-se ressaltar, foi honrosamente observada por seu esposo ao longo de toda a vida matrimonial. Alguns anos mais tarde, ele foi nomeado Vigário de Atcham, próximo à Shrewsburry.

 

            Atcham fica às margens do rio Severn, que transborda de vez em quando, provocando enchentes. Esse local, em certas estações, se tornou inabitável por Anna Kingsford, que sofria de asma. Ela via essa enfermidade como seu algoz, e estava sempre tentando dela escapar mudando para outro lugar. Ela, às vezes, era forçada a sair de casa de madrugada, após manter todos em sua casa acordados a noite inteira, e ir para a cidade mais próxima para fugir da crise que lhe sufocava. Era apenas em uma cidade grande que ela estava a salvo desse perigo.

 

            Vendo como impraticável a residência contínua na Casa Pastoral, e estando irresistivelmente atraída para atividades que uma vida no campo não permitiam, por volta de 1872, ela adquiriu o Jornal da Própria Mulher, editando-o ela mesma e dividindo o seu tempo entre Londres e sua casa em Atcham. Por meio de seu jornal, ela buscou dar expressão a suas idéias.

 

            Foi no exercício de suas atribuições como editora desse jornal que ela tomou conhecimento da existência da vivissecção, e foi nas colunas de seu jornal que ela tocou a primeira nota da cruzada, na qual desde então ela se engajou, contra as atrocidades dos laboratórios que praticavam a vivissecção. Desde aquela época, a supressão dessa “moderna Inquisição” se tornou uma de suas principais metas de vida. Nisso ela descobriu o que provou ser uma importante parte de sua missão e, naquilo que lhe interessava, o jornal tinha servido seu propósito. O jornal não teve êxito financeiro e ela decidiu desistir dele.

 

            Ela já havia decidido iniciar o estudo de medicina, com a intenção explícita de se qualificar para realizar o banimento da vivissecção, algo “que ela via com tremendo horror, como a mais vil das práticas, quer com relação à sua natureza, quer quanto aos seus princípios.” A questão da reforma alimentar também era um objetivo que ela tinha em mente ao decidir quanto a seu futuro trabalho.

 

            Pouco tempo antes, sob orientação de seu irmão, Dr. John Bonus, ela tinha adotado o regime pitagórico de abstinência de carne na alimentação, e isso com tão notáveis benefícios para ela própria, física e mentalmente, ao ponto de levá-la a ver nesse regime o único meio efetivo para a redenção do mundo, quer com relação aos próprios homens, quer com relação aos animais.

 

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            O homem carnívoro, que se sustenta com a matança e a tortura, não era para ela, de modo algum, um Homem em qualquer acepção verdadeira do termo. Ela sustentava que “aquilo que é moralmente errado não pode ser cientificamente correto, e que buscar benefício próprio ignorando o dano causado a outros seres sensíveis é renunciar à própria humanidade – do mesmo modo que não é a forma, mas antes o caráter, que realmente faz o homem – e se rebaixar ao nível subumano e infernal.

 

            Vemos, então, Anna Kingsford trabalhando seriamente na preparação para passar nas provas que a esperavam, e cuja aprovação era necessária para obter o diploma de Medicina, o que ela visava para ajudar em seu trabalho.

 

            Era primavera de 1873, ela então morava em Hinton Hall, próximo a Pontesbury, em Shropshire (de cuja paróquia seu marido tinha se tornado um dos três sacerdotes), quando ela recebeu de uma dama, que morava longe dessa cidade e que lhe era desconhecida, uma carta. Nessa carta, sua autora, que assinava pelo nome de “Anna Wilkes”, disse que leu com profundo interesse e admiração uma história, de autoria da Anna Kingsford e publicada no Jornal da Própria Mulher, e que após lê-la recebeu do Espírito Santo uma mensagem para Anna Kingsford, a qual devia ser entregue pessoalmente. Perguntava se a Sr. Kingsford poderia recebê-la, e quando? Após uma pequena hesitação, a permissão solicitada foi concedida e foi marcado um encontro. Um relato do encontro foi dado por Anna Kingsford como segue: –

 

            “Na hora marcada, a encontrei quando ela vinha da estação, e fiquei imediatamente impactada com sua postura e aparência e, em seguida, com sua fala, tanto quanto tinha ficado chocada com sua comunicação anterior.

            Era alta, de postura ereta e de aparência distinta, com o cabelo de um tom cinza claro e olhos singularmente brilhantes. Ela me disse que havia recebido uma mensagem clara do Espírito Santo, e que tinha sido tão fortemente tocada no sentido de vir e entregá-la pessoalmente que não pôde evitar.

            A sua mensagem era no sentido de que, por cinco anos, eu deveria permanecer em retiro, continuando os estudos nos quais estava engajada, fossem eles quais fossem, bem como no modo de vida no qual eu havia ingressado, não permitindo que nada ou qualquer pessoa me afastasse dos mesmos e que, depois desses cinco anos de preparação e provação, o Espírito Santo me levaria a sair de meu isolamento para ensinar e pregar, e que um grande trabalho

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me seria dado para realizar. Tudo isso ela proferiu com uma expressão enlevada e inspirada, como se fosse sibila transmitindo uma mensagem em um oráculo. E quando ela tinha terminado, vendo, sem dúvida, minha cara de surpresa, ela me perguntou se eu pensava que ela era louca – uma pergunta que eu não sabia bem como responder, pois eu não tinha encontrado nada do tipo antes, e estava inclinada a partilhar da impressão que todas as pessoas comuns e do mundo sempre tiveram em relação àqueles que alegam ser profetas.

            Após entregar sua mensagem, minha profetiza me beijou nos dois lados de meu rosto e partiu. Tempos depois – ao refletir sobre minhas próprias experiências de receber comunicações em sonhos e visões, e presenciar aparições, e também sobre a singular concordância entre o teor da mensagem e minha própria impressão desde a infância – minha sensação de estranheza se tornou grandemente diminuída.

 

            Naquele mesmo ano, Anna Kingsford, após ter lido no Examiner uma matéria sobre um conto escrito por Edward Maitland que lhe interessou, ela escreveu a ele; e após alguma troca de correspondências ele aceitou um convite para ir à Casa Paroquial de Shropshire. A visita ocorreu em fevereiro de 1874 e provou ser um momento decisivo na vida de ambos. Houve uma simpatia entre eles no plano espiritual. Eles viam a verdade da mesma forma. Eles tinham sido reunidos por poderes que ambos reconheciam como divinos, e para uma obra, não menos divina, que eles deveriam realizar juntos. Cada um deles tinha uma missão e, como provaram os eventos, era uma missão conjunta.

 

            Durante essa visita Edward Maitland ficou sabendo pela primeira vez das faculdades psíquicas de Anna Kingsford, sob as seguintes circunstâncias:Eles estavam discutindo a possibilidade de haver um sentido interno e filosófico para as Escrituras e os Dogmas, que, se confirmado, a religião deixaria de ter suas bases na autoridade e na tradição e passaria a estabelecer essas bases na compreensão. Nesse momento, Anna Kingsford, como se estivesse apenas se lembrando de algo que lhe havia escapado à memória, levantou-se e pegou um manuscrito escrito por ela mesma, pedindo a Edward Maitland que o lesse e lhe dissesse francamente o que ele achava do mesmo. Quanto a isso, ele escreveu:

 

            “Após lê-lo e relê-lo, eu perguntei como e quando ela o tinha obtido, ao que ela respondeu pedindo minha opinião sobre o manuscrito. Respondi, com ênfase, que se existisse tal coisa como uma revelação divina, eu não conhecia nada que chegasse mais próximo à minha idéia do que

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isso deveria ser. Que era exatamente por falta de algo disso que o mundo estava sucumbindo – uma fé razoável e lógica.

            Ela me disse, então, que isso tinha lhe vindo durante o sono, mas quando e como ela não sabia, nem poderia ela dizer se tinha visto ou ouvido, mas apenas que isso tinha vindo subitamente em sua mente, sem que ela jamais tenha ouvido ou pensado em tal ensinamento antes.

            Tratava-se de uma exposição da história da Queda, exibindo-a como uma parábola, que tinha uma significância puramente espiritual, totalmente razoável, lógica, e de aplicação universal.

            As pessoas, coisas e eventos físicos nela descritos dando lugar a princípios, processos e estados pertencentes à alma; não se tratando, portanto, de uma mera história local, mas sim de uma verdade eterna”.

 

            Foi assim que Anna Kingsford revelou a Edward Maitland a existência de suas faculdades psíquicas, uma confidência que foi feita com grande apreensão de sua parte, “pois ela sabia que de parte de qualquer outro de seus conhecidos, sua revelação teria sido estigmatizada como tolice e sua faculdade como insanidade.”

 

            Na primavera do ano seguinte, 1875, Edward Maitland obteve a primeira prova de que ela possuía poderes de clarividência, em circunstâncias integralmente relatadas em sua biografia mencionada acima.

 

            Omitiremos os detalhes da vida de Anna Kingsford como estudante de medicina na Universidade de Paris, para a qual ela teve de ir para poder obter o diploma – já que na Inglaterra as mulheres ainda não eram aceitas nas faculdades de medicina. Ela concluiu o curso em 1880, na Faculté de Paris, ficando habilitada a praticar a medicina, um privilégio obtido com imenso custo em termos de esforços e de sofrimentos, tanto físicos como psicológicos.

 

            Durante esse período ela tinha, de tempos em tempos, o benefício da ajuda e do companheirismo de Edward Maitland, que foram dados livre e desinteressadamente, a pedido de seu marido, e sem os quais ela não teria suportado o esforço, nem agüentado as adversidades e superado as dificuldades que afligiram sua jornada.

 

            Logo que obteve o diploma de medicina, ela, com a ajuda e apoio de Edward Maitland, logo ficou reconhecida como a principal oponente de sua época à vivissecção e como a principal apóstola de uma dieta humanitária, pura e isenta de derramamento de sangue. Todos deveriam ler a obra Addresses and Essays on Vegetarianism (Palestras e Ensaios sobre o Vegetarianismo), dela e de Edward Maitland, que é um dos melhores livros sobre os princípios do vegetarianismo que jamais foi escrito. Sobre a questão do vegetarianismo, ela disse:

 

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            “Considero o movimento vegetariano o mais importante movimento de nossa época. Acredito nisso porque vejo nele o começo da verdadeira civilização. Minha opinião é que até o presente momento não sabemos o que significa civilização. Quando olhamos para os cadáveres dos animais, sejam inteiros ou cortados – que com molhos e condimentos são servidos em nossas mesas – não pensamos no horrível fato que precedeu esses pratos; e, não obstante, é algo terrível saber que a cada refeição que fazemos foi a custo de uma vida. Sustento que devemos à civilização a elevação de toda aquela classe profundamente desmoralizada e barbarizada de pessoas – açougueiros, boiadeiros e todos os outros envolvidos nesse negócio deplorável. Milhares de pessoas são degradadas pela presença de abatedouros em suas vizinhanças, o que condena classes inteiras a uma ocupação aviltante e desumana. Aguardo pelo tempo em que a consumação do movimento vegetariano tenha criado homens perfeitos, pois vejo nesse movimento o alicerce da perfeição. Quando percebo as possibilidades do vegetarianismo e as alturas a que ele pode nos elevar, me sinto convencida de que ele se provará o redentor do mundo”.

 

            Em um sermão, escrito por ela para seu marido, e tendo por título “Fale pelos que não podem falar” (Pro. XXXI 8.), tratando dos direitos dos animais em geral a receberem um tratamento humanitário, ela disse:

 

            “Há uma grande quantidade de pessoas que parecem pensar que os deveres do homem começam e terminam nos humanos; e que se eles disserem a verdade habitualmente, deixarem de ferir seus vizinhos, evitarem o roubo, a desonestidade e coisas desse tipo, que nada mais é exigido deles por Deus em suas relações com as demais criaturas. Mas não apenas todo ser humano, porém cada ser vivo tem seus direitos; e a justiça na forma mais elevada deve ser aplicada com base nisso, em todas as nossa ações. Afirmo que um cavalo manco ou doente tem o direito de não trabalhar; e assim como um homem deve ser protegido de ser mal tratado por outros homens, assim também, seguindo o mesmo princípio, devem os animais ser protegidos de maus tratos”.

 

            Nenhum argumento pode justificar a tortura que, em nome da “Ciência”, tem sido infligida sobre os animais, que são “nossos amigos que não podem falar” e “nossos irmãos menores”, ainda que isso seja feito, como se algumas vezes é alegado, “pelo

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bem da humanidade” – não admitindo, em nenhum momento, que a humanidade possa se beneficiar por meio da desumanidade, do contrário a casa, que é a casa da vida, estaria divida contra si própria. As “boas intenções deveriam ser os guias de boas ações, e não desculpas para más ações”.

 

            Assim, em resposta a uma dura crítica feita pela Senhorita P., em uma palestra dada por ela na Zetetic Society (Sociedade Zetética), Anna Kingsford disse:

 

            “É moralmente permissível usar os animais inferiores em benefício do homem, mas não abusar deles. A Senhorita P. confunde uso com abuso. Ao usar um animal de forma humana e inteligente, tanto o que usa quanto o que é usado são beneficiados. O primeiro pelo serviço prestado, e o segundo pela educação e disciplina obtida.

            A Senhorita P. assume que eu montaria um cavalo até que ele morresse para salvar um amigo. Não, eu não o faria, porque o cavalo também é meu amigo. Eu exigiria dele até onde a razão e a humanidade permitissem, e quanto ao demais eu teria fé em Deus. A hipótese do vivisseccionista é aquela do ateu. Por ela, toda a possibilidade da ajuda de Deus é omitida do sistema de coisas. O bisturi, a serra e a pinça servem para fazer tudo pelo homem. A oração, o amor e a vontade, e tudo que é divino nele, não servem para nada.

            Sob a doutrina da moderna ciência vivisseccionista as nação estão rapidamente se tornado atéias. ‘Se’, dizem as pessoas, ‘for necessário para se obter o conhecimento e para obter a saúde e a cura, que atos abomináveis ao sentimento moral devam ser realizados, então, obviamente, a Justiça não é o princípio essencial do universo, e a religião não tem base sólida’. Estou fazendo tudo o que posso para mostrar tanto que o conhecimento é o supremo bem, quanto que ele deve ser obtido por métodos divinos”.

 

            Com a intensificação de suas faculdades psíquicas, que ocorreu em 1876, ela se tornou, e durante o restante de sua vida continuou a ser, o receptáculo de Iluminações Divinas que, após sua morte, foram publicadas na obra Vestida com o Sol (Clothed with the Sun). Essas Iluminações foram recebidas por ela na maioria das vezes durante o sono Algumas delas tratam de assuntos da maior profundidade cognitiva como a emanação da Deidade, ou Ser Original, do estático para o dinâmico, do passivo para o ativo, do imanifesto para o manifesto, do abstrato para o concreto, do universal para o individual. Outras revelavam o método tanto da Criação como da Redenção, mostrando que

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o método é um só, e que apenas a direção é diferente, sendo uma centrífuga e a outra centrípeta, uma involutiva e a outra evolutiva; enquanto outras tratavam de assuntos tais como A Inspiração e o Profetizar; O Pecado e a Morte; O Panteísmo Cristão; A Comunhão dos Santos (que foi recebida por Anna Kingsford durante o sono, e é considerada por alguns como um dos mais belos textos escrito na língua inglesa); A Origem do Mal; A Queda; Os Evangelhos; Os Mistérios Cristãos; Os Dogmas da Igreja Católica; A Alma e sua Natureza; A Grande Obra; A Redenção; O Sacrifício Vicário (doutrina que é condenada como falsa e perniciosa); e há aqueles maravilhosos e belos “Hinos aos Deuses”; e algumas das Iluminações contêm alusões a Jesus (de quem Anna Kingsford declarou se lembrar) e seu ensinamento, e a São Paulo (que é acusado de ter interpretado erroneamente o ensinamento de Jesus), e a outros personagens bíblicos. Há referências também à Grande Pirâmide, que foi construída para iniciações, uma das quais é descrita. Todos são temas do maior interesse. Essas Iluminações, ou algumas delas, são vistas por várias pessoas como escrituras sagrada. Anna Kingsford e Edward Maitland as viam como inspiradas. Algumas delas parecem ser resgates, por meio da memória da Alma, de rituais antigos há muito perdidos para o mundo.

 

            Do que foi escrito – e muito mais poderia ser adicionado em apoio – se verá que uma explicação da personalidade de Anna Kingsford e de suas lembranças psíquicas deve ser encontrada na doutrina da reencarnação – uma doutrina que tanto ela como Edward Maitland não poderiam deixar de aceitar como verdade, uma doutrina que, entre os teosofistas de seu tempo, eles foram os primeiros a proclamar.

 

            Até o recebimento por Anna Kingsford de uma Iluminação sobre o assunto, eles estavam sem qualquer explicação que pudessem ver como satisfatória com relação aos acontecimentos de suas vidas. A Iluminação referida foi sobre “A Inspiração e o Profetizar”, e ela foi recebida por Anna Kingsford em fevereiro de 1880, sob as seguintes circunstâncias. Edward Maitland estava buscando um teste por meio do qual distinguir uma verdadeira inspiração de uma falsa, e estando muito indeciso com a questão, havia rogado mentalmente por uma explicação. Pouco depois, sua satisfação foi grande quando Anna Kingsford lhe trouxe

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uma instrução, que tinha sido recebida por ela à noite, durante o sono, a qual esclarecia o mistério, e isso sem que ela tivesse consciência da necessidade e do pedido feito por Mailtand. A instrução foi escrita por Anna Kingsford ao acordar:

 

            “OUVI na noite passada durante o sono uma voz que me dizia:

            Você pergunta sobre o método e a natureza da Inspiração, e sobre os meios pelos quais Deus revela a Verdade.

            Saiba que não há iluminação que venha de fora: o segredo das coisas é revelado de dentro.

            De fora não vem nenhuma Revelação Divina: mas é o Espírito interior quem a testemunha.

            Não pense que lhe digo algo que já não saiba: pois, a menos que você saiba, não lhe pode ser dito.

            Àquele que possui é dado, e ele o tem em abundância.

            Ninguém é profeta, a não ser aquele que sabe: o instrutor do povo é um homem de muitas vidas.

            Conhecimento inato e percepção das coisas, essas são as fontes da revelação: a alma do homem o instrui, já tendo aprendido pela experiência.

        Intuição é experiência inata; aquilo que a alma sabe dos idos e antigos anos.

            E a Iluminação é a Luz da Sabedoria, pela qual o homem percebe os segredos celestiais.

            Essa Luz é o Espírito de Deus dentro do homem, mostrando-lhe as coisas de Deus.

            Não pense que lhe digo algo que ainda não saiba; tudo vem de dentro: o Espírito que informa é o Espírito de Deus no profeta.

            (...)

            Vós que sois um profeta tivestes muitas vidas; sim, ensinastes muitas nações, e estivestes diante de reis.

            E Deus vos instruiu nos anos que se passaram; e nas pretéritas eras da Terra.

            Por meio da prece, do jejum, da meditação, e por meio da busca dolorosa vós alcançastes aquilo que conheceis.

            Não há conhecimento que não seja obtido pelo labor: não há intuição que não seja fruto da experiência.

            Estivestes pelas colinas do Oriente: e segui vossos passos no deserto.

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Estivestes adorando ao amanhecer: e observei vossas noites de vigília nas cavernas das montanhas.

            Vós conquistastes com paciência, ó profeta! Deus vos revelou a verdade desde o interior”. [Vestida com o Sol, p. 4-6]

 

            Em uma iluminação relacionada à interpretação do dogma da Imaculada Conceição de Maria, que se deu em julho de 1877, recebida e escrita por Anna Kingsford enquanto em uma condição de transe, foi dito a ela que:

 

            A Igreja não conhece a origem de seus dogmas. Surpreende-nos, também, a cegueira dos ouvintes, que de fato ouvem, mas não têm olhos para ver. Falamos em vão – não discernis as coisas espirituais. Sois tão materializados que percebeis somente o material. O Espírito vem e vai; ouvis o som de sua voz: mas não podeis dizer para onde vai nem de onde vem.

            Tudo que é verdadeiro é espiritual. Nenhum dogma da Igreja é verdadeiro se parecer possuir um significado físico. Pois a matéria perecerá, e tudo que a ela pertence, mas a Palavra do Senhor continuará a existir para sempre. E como ela poderia perdurar se não fosse puramente espiritual, uma vez que, ao perecer a matéria não mais seria compreensível? Digo-lhe mais uma vez, e em verdade – nenhum dogma é real se não for espiritual. Se for verdadeiro e, contudo, lhe parecer ter uma significação material, saiba que não o resolveu. É um mistério: busque sua interpretação. Aquilo que é verdadeiro é tão somente para o espírito”. [Vestida com o Sol, p. 9]

 

            Letras e palavras, como as conhecemos, podem e devem ser usadas, mas a linguagem da Igreja por todas as eras jamais foi desse mundo. Essa linguagem é dirigida à alma e não aos sentidos.

 

            Após Anna Kingsford ter obtido seu diploma de medicina ela ficou livre, não apenas para prosseguir com a grande obra que a tinha inspirado a ingressar na profissão médica, mas também para dedicar-se, com Edward Maitland, no que eles viam como a missão que lhes fora indicada – aquela de abrir ou interpretar as Bíblias do Ocidente. O propósito de sua colaboração, como declarado por Edward Maitland, sendo “a restauração da filosofia esotérica ou teosofia do Ocidente, e a interpretação, desse modo, do Cristianismo e religiões de natureza ou origem semelhantes”; e tendo em mãos material para palestras, e em abundância, eles decidiram iniciar sua missão dando uma série de palestras, em 1881, para uma platéia privada e seleta, e que

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no ano seguinte, foram publicadas com o título de The Perfect Way; or, the Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo).

 

            O livro, que foi produzido em conjunto por eles, ao mesmo tempo em que foi recebido com grande apreço e entusiasmo por uns poucos de mentalidade espiritualizada, que foram capazes de julgar seus méritos, também foi recebido, de forma totalmente diferente, pelos representantes da ortodoxia e do materialismo, que não eram capazes de suportar seus ataques a suas respectivas posições; e, nos dias de hoje, depois dos muitos anos que se passaram, e dos muitos livros que foram escritos desde sua publicação, ele é reconhecido como sendo um dos melhores e maiores livros sobre o Cristianismo esotérico e espiritual – que é o verdadeiro Cristianismo – trazidos ao mundo.

 

            O livro, que tinha o propósito de tornar conhecida a revelação recebida por Anna Kingsford e Edward Maitland, e que eles viam como um novo “Evangelho da Interpretação”, foi em grande parte escrito a partir de, ou como resultado das Iluminações que tinham sido então recebidas por eles. Ele representa a restauração da “Chave do Conhecimento”, por cuja remoção e ocultação Jesus tão severamente censurou os sacerdotes de seu tempo. O Barão Spedalieri, o discípulo do finado “Elifas Levi”, após lê-lo, escreveu:

 

            “A humanidade tem sempre e em todos os lugares se perguntado estas três supremas questões: – De onde viemos? O que somos? Para onde vamos? Pois bem, essas três questões encontram uma ampla resposta, completa, satisfatória, e consoladora, em O Caminho Perfeito.” [The Perfect Way, Prefácio para a Segunda Edição, p. lxxx]

 

            A Senhora Caithness, Duquesa de Pomar, a considera “a mais completa revelação, certamente, que jamais foi dada ao homem nesse planeta.” Ao escrever para a Senhora Caithness sobre o assunto, Anna Kingsford disse:

 

            “Seria de fato estranho se nosso Livro encontrasse aceitação universal em um mundo que rejeitou Cristo! Mas aqueles que de fato reconhecem nossos ensinamentos o fazem não somente de forma afetuosa, mas entusiasticamente. De uma coisa estou certa: que a Doutrina da qual nosso Livro é o primeiro Apóstolo, cedo ou tarde, se tornará a pedra angular ou pedra fundamental do futuro; pois ela é a única capaz de explicar os enigmas do universo que de outra forma são insolúveis, e que incorpora a filosofia em que estão unidos todos os elementos de toda revelação divina transmitida à humanidade. Através dessa doutrina, o cristão e o budista, o zoroastriano e o hebreu, o grego e o egípcio, são postos em harmonia, e são mostrados como sendo apenas muitos dialetos diferentes de uma linguagem católica.

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The Perfect Way (O Caminho Perfeito) é, assim, um Eirenicon (*), um mensageiro da paz, e o mediador da paz é a Criança de Deus”.

 

            Em uma carta conjunta, assinada como “Os Autores de The Perfect Way (O Caminho Perfeito)”, que apareceu na revista Light (23 de setembro de 1882), eles disseram:

 

            O Caminho Perfeito busca consolidar a verdade em um todo integrado e, através da sistematização da religião, demonstrar sua catolicidade. Ele busca trazer a paz entre a Ciência e a Fé; casar o Intelecto com a Intuição; reunir o Oriente com o Ocidente, e unir a filosofia budista com o amor cristão, através da demonstração de que a base da religião não é histórica, mas espiritual – não é física, mas psíquica – não é local e temporal, mas universal e eterna”.

 

            Não apenas Anna Kingsford foi o receptáculo de Iluminações Divinas, como as que foram mencionadas acima, como ela também foi uma grande vidente no mundo onírico – talvez a mais impressionante que se tenha registro. Ela sonhava histórias e versos de poesia completos que, ao acordar, ela escrevia. Seus “sonhos e estórias de sonhos” foram, após sua morte, publicados no livro de mesmo título [Sonhos e Estórias de Sonhos], com edição de Edward Maitland. Muitas delas tinham a natureza de instruções, na forma de histórias, visando a sua orientação espiritual.

 

            Muitas outras coisas de interesse poderiam ser ditas dessa mulher, verdadeiramente grande e estimada, que “não era estranha das visões e vozes celestiais”, bem como de seu colaborador Edward Maitland e da obra e do ensinamento de ambos, mas o espaço aqui não permitiria. Aqueles que desejarem saber mais, devem buscar em sua grande biografia, antes mencionada [A Vida de Anna Kingsford, de Edward Mailtland, em dois volumes].

 

            Os últimos anos de sua vida foram duplamente difíceis, em razão de suas dificuldades físicas e de sua declinante saúde. Mas sua missão estava sempre em primeiro lugar, e ela trabalhou até o fim, o que ocorreu em 22 de fevereiro de 1888, quando se retirou para reinos superiores – que não lhe eram desconhecidos – para continuar, sob condições mais favoráveis, sua obra por Deus e pela Humanidade, à qual havia devotado sua vida.

 

            Em uma mensagem dela, posteriormente recebida por Edward Maitland, ele foi informado do seguinte:

 

            “Ela está contente de lhe comunicar que o sofrimento que ela vivenciou com satisfação – sim, vivenciou com satisfação – foi a escada que conduziu seu espírito para o alto, sempre para o alto. Agora ela sabe que, se aquele sofrimento não tivesse acorrentado seu espírito ao seu envoltório material, o poder que ela possuía não teria sido de nenhuma utilidade nesta esfera da terra. Pois se o seu corpo não tivesse sofrido, seu conhecimento jamais

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poderia ter se expressado, mas teria de permanecer em seu eu interior como um sonho, para um dia ser realizado”.

 

            Nos primeiros anos de sua vida conjugal, Anna Kingsford escreveu muitos sermões para seu marido. Em um deles, onde ela descreveu “o verdadeiro Homem de Deus em todas as idades”, eu sinto que ali temos o testemunho pessoal de alguém que sofreu. Ela diz: –

 

            “O Mundo não o estima – ele não conhece sua grandeza, não reconhece sua real força. Quando ele ousa se erguer sozinho diante do mundo, e enfrentar sua insatisfação e sua oposição, o Mundo fica assombrado com a temeridade desse homem.

            Ele envia suas hostes para o abaterem como um verme – ignorante, em sua cegueira, de que tal homem não está sozinho. Ele vê apenas a figura solitária de pé, sem escudo e desprotegida, diante de sua raiva e indignação, e se prepara para acabar com ele com um golpe de sua poderosa fúria.

            Mas o Homem é maior do que o Mundo. Invisível aos olhos comuns, uma Hoste invencível o protege. Ele apenas conhece o seu próprio poder e, consciente desse pode, ele ousa desafiar os exércitos da Terra. Quem são os protetores do Homem de Deus? Quem são esses guerreiros invisíveis que o defendem e o salvam? Eles são os poderes e as graças cujos nomes estão escritos na Palavra de Deus: – Firmeza, Pureza, Perseverança, Esperança, Amor, Coragem, Sinceridade, Paciência, Longanimidade, Sabedoria, Humildade, e todos os poderosos dons do Espírito de Deus.

            “Essa é a Hoste Celestial cujas armas não podem ser vencidas pelos ataques do Mundo. Por meio da ajuda desse grande armamento todo Santo conquistou, todo Homem de Gênio resistiu e venceu. Assim também os milhares de bons e grandes homens e mulheres que, um por um, combateram o Mundo e venceram gloriosamente. Eles foram desprezados e rejeitados, perseguidos, ridicularizados, censurados, ameaçados – tudo isso em vão. Eles sabiam, cada um deles, se levantando sozinhos diante das grandes fileiras de seus adversários, que ‘aqueles que estavam com eles eram mais do que aqueles que estavam contra eles’.

 

                                                           Croydon.

                                                           Festa de São Miguel [29 de setembro], 1930.

 

 

NOTA

 

(17:*) Eirenicon: obra escrita pelo Rev. E. B. Pusey, em três partes (1865-1870), sendo uma tentativa de encontrar uma base comum para a reunificação do catolicismo romano e do anglicanismo.

 

 

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